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Processo Eleitoral e Teoria do Fato Jurídico

No documento Do conceito de processo eleitoral brasileiro (páginas 102-105)

3. PODER E ATIVIDADE ELEITORAL

5.2 DO PROCESSO ELEITORAL

5.2.2 Processo Eleitoral e Teoria do Fato Jurídico

Pela perspectiva da Teoria do Fato Jurídico, o processo é um ato jurídico complexo, ou seja, seu suporte fático compreende vários atos jurídicos. No processo eleitoral não é diferente, com algumas peculiaridades que o diferenciam dos outros processos brasileiros.

Para realizar uma eleição, a Justiça Eleitoral desenvolve um sem número de atividades. Muitas delas transcendem a função jurisdicional. Em tópicos anteriores, elencamos essas atividades para demonstrar isso e, também, para demonstrar a variedade de atividades necessárias à ocorrência de uma eleição.

Saber se um ato pertence ou não ao processo eleitoral é algo relativamente simples. Basta um simples exercício cognitivo, quase infalível. Basta pensar como seria o desenrolar do processo eleitoral sem esse ato. Se, ao final, não for possível a eleição ou, mesmo sendo possível, ela ocorrer mediante abuso de poder político ou econômico, significa dizer que se trata de ato imprescindível ao processo eleitoral e dele não pode ser retirado. Isso explica porque assuntos como cuidados com locais de votação, mesários ou urnas, por serem imprescindíveis ao processo eleitoral, pois sem eles seria impossível uma eleição, não devem ser desprezados por um bom pensador do processo eleitoral.

Essa cadeia de acontecimentos necessários à realização de um pleito traz, ao processo eleitoral, visto sob o enfoque da Teoria do Fato Jurídico, um aspecto inusitado. O processo eleitoral possui em seu suporte fático diversos atos jurídicos. Entretanto, alguns dos fatos jurídicos necessários à concretização da norma final eleitoral são, mais do que coleção de atos jurídicos, processos. Como exemplo, podemos citar os diversos procedimentos eleitorais elencados quando discorremos acerca das atividades da Justiça Eleitoral, ou as resoluções por ela editadas e imprescindíveis à realização dos pleitos.

Essa constatação permite-nos afirmar que, para a realização de seu fim, o processo eleitoral possui, em seu suporte fático, não apenas atos jurídicos diversos (seleção e treinamento de mesários, carga de urnas etc.), mas também processos (procedimento de dupla filiação partidária, registro de candidaturas etc.).

Processo eleitoral brasileiro, sob a perspectiva da Teoria do Fato Jurídico, é o conjunto de atos e processos necessários à concretização do parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Brasileira.

Alguém pode dizer que se processo é formado por atos, dizer que o processo eleitoral é composto por atos e processos é um truísmo. Não é tão simples a conclusão. Na verdade, da constatação proposta decorrem, pelo menos, três importantes conclusões.

A primeira já foi referida. Alguns atos não investigados pelos estudiosos do processo eleitoral dele fazem parte e merecem necessária atenção.

A segunda é mais sutil. Dizer que há processos que compõem o suporte fático do processo eleitoral é afirmar também que esses processos são apenas meio para um fim maior que é a eleição. Esses processos não possuem um fim em si mesmo. Por isso, apenas sob o enfoque do processo eleitoral e seu objetivo final eles são devidamente compreendidos. Desprezar isso pode acarretar enorme prejuízo à sociedade. Para exemplificar o afirmado, podemos citar um exemplo extraído de caso real.

Em determinado município, nas últimas eleições municipais, havia apenas dois candidatos a prefeito. Naquela ocasião, o Ministério Público Eleitoral ingressou, contra um desses candidatos, com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) para apurar suposto abuso de poder político por uso indevido de meio de comunicação social, no caso rádio, bem como propaganda eleitoral extemporânea. O magistrado resolveu essa AIJE julgando-a procedente e, por conta disso, o acusado tornou-se inelegível. Não nos importa analisar se o magistrado tomou ou não a melhor solução para aquele caso específico. Ocorre que a decisão em comento ocorreu oito dias antes do pleito. Grande foi o transtorno social causado. Como as urnas já estavam preparadas para as eleições, no dia do pleito todos foram votar e encontraram, entre os dois candidatos concorrentes a prefeito, justamente aquele cujo registro havia sido cassado. Para piorar a situação, esse mesmo candidato obteve mais de 50 % dos votos válidos. No resultado geral, entretanto, esses votos não foram considerados. No dia seguinte, ninguém entendia porque o candidato mais votado não havia sido eleito.

Não estamos defendendo a impunidade daqueles que praticam ilícitos eleitorais. A análise desses casos deve, no entanto, ocorrer em tempo hábil de modo a não tumultuar o processo eleitoral. Não há justificativas para uma decisão de apuração de propaganda eleitoral antecipada ser proferida às vésperas do pleito. Não temos elementos para avaliar, exatamente, quem causou situação tão gravosa àquela comunidade. Mas podemos afirmar que a Justiça Eleitoral permitiu a demora desse julgamento e, pior, sob a fiscalização do Ministério Público Eleitoral que, tendo ingressado com aquela demanda, deveria ter velado para que seu julgamento não tardasse tanto.

Uma das razões para situações como essa é a compreensão apenas parcial do processo eleitoral. Preocupação com os procedimentos meio em prejuízo ao objetivo final do processo eleitoral. Julgou-se a AIJE e, quiçá, analisando apenas esse

procedimento, justiça para ele tenha ocorrido. Contudo, os tumultos causados ao processo eleitoral foram grandes e possivelmente evitáveis.

No suporte fático do processo eleitoral brasileiro encontramos diversos procedimentos que só são corretamente compreendidos se considerados como meio para o objetivo final do processo eleitoral.

Por fim, compreender o processo eleitoral como conjunto de atos e processos objetivando determinado fim, no caso, realização de eleições, permite-nos delimitar sua correta extensão. Dessa forma, estão fora do processo eleitoral todos os vários atos jurídicos e procedimentos cuja eliminação não implicaria impossibilidade de eleições. Não fazem parte do processo eleitoral, por exemplo: execuções fiscais de multas eleitorais ou eleições não oficiais realizadas com urnas emprestadas pela Justiça Eleitoral.

Há diversos atos e procedimentos realizados pela Justiça Eleitoral que não fazem parte do processo eleitoral brasileiro por não comporem o suporte fático desse processo.

No documento Do conceito de processo eleitoral brasileiro (páginas 102-105)