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O controle histórico e o modo de uso dos partidos políticos

3. Outras estratégias e instrumentos para manutenção dos espaços de poder

3.5. O controle histórico e o modo de uso dos partidos políticos

Conforme analisado anteriormente, as diversas alterações impostas ao sistema partidário brasileiro, que variavam de acordo com as intempéries políticas nacionais e a tentativa de consolidação da democracia republicana, contribuíram marcantemente para a formação do atual quadro partidário no Brasil.

Silva (2016) é mais um autor a reforçar a necessidade do estudo da interação da política nacional com a local, para a compreensão da estruturação do sistema partidário e do peso dos executivos federais e estaduais na consolidação dos partidos e, consequentemente, dos grupos políticos no poder.

Quanto à formação dos grupos político-familiares Alves e Maia, que ainda predominam em meados de 2018, esses deram os seus primeiros passos perpassando a República Populista, o Regime Militar e chegando a Democracia Atual. Seus patriarcas, como já detalhado, foram Aluísio, pela família Alves e Tarcísio, pela família Maia. No entanto, segundo Silva (2016, p. 63):

O formato do atual sistema partidário brasileiro começou a se configurar no final do regime militar, com a superação do bipartidarismo tutelado. O momento fundamental desta inflexão foi a Lei Falcão (1979), que permitiu a emergência de novos partidos políticos, o que foi ampliado pelo processo de abertura democrática, que confirmou a emergência de um pluralismo partidário, recuperando (ainda que parcialmente) a experiência abortada pelo regime militar.

A configuração do bipartidarismo tutelado constituiu-se também como um importante indicador a respeito de onde foram gestados os embriões de formação dos grupos político- familiares em questão, que, mesmo diante de várias alterações nas regras do jogo, como a

emergência do multipartidarismo, permanecem hegemônicas nos postos de poder, no que tange à representação do Rio Grande do Norte.

Em sintonia com a nossa argumentação, localizamos um importante trecho, presente em Costa (2012), em citação à tese de Madeira (2006): “ARENA e MDB seriam matrizes do atual sistema partidário. Se num plano mais geral e atualizado essa tese pode ser questionada, no que se refere à realidade do Rio Grande do Norte, ao longo do período analisado, a visão do autor é analiticamente precisa”. (COSTA, 2012, p. 15)

Outro ponto que se pode destacar como base de projeção e de sustentação no poder de grupos político-familiares em diversas fases da nossa história, inclusive no caso das antigas oligarquias, é a relação dos mesmos com setores da economia e com a propriedade da terra. De acordo com Silva (2016, p. 64):

No Rio Grande do Norte (RN), o peso das oligarquias oriundas das elites tradicionais associadas à propriedade da terra, ressalta a importância dos grandes proprietários rurais e realça o caráter conservador dos partidos políticos locais. Por outro, a dinâmica incipiente da economia local, associada à emergência de inúmeros municípios que dependem da produção agrícola ou dos repasses estaduais e federais, permitem vislumbrar um cenário em que se destaca o peso do executivo – federal ou estadual – para o desempenho eleitoral dos partidos políticos.

Esse autor também caminha em sintonia com a linha de raciocínio que estamos desenvolvendo ao longo deste trabalho, por reforçar a importância do acesso às verbas federais – e o controle das máquinas administrativas em geral – para a sobrevivência dos grupos político- familiares.

Ainda no período anterior, do regime militar, analisamos os desdobramentos da desconstrução da matriz bipartidária no Brasil e seus reflexos no estado do Rio Grande do Norte durante a década de 1980. Na fase seguinte, anos 1990, a dinâmica partidária continua a se expandir.

Após essa fase, outros desdobramentos se deram e, junto com eles, ocorreu a multiplicação exponencial do número de partidos políticos, chegando em 2018 a 35 siglas partidárias registradas, conforme o Quadro 10, que organizamos tendo como fonte de dados o portal do Tribunal Superior Eleitoral:

SIGLA NOME DO PARTIDO CRIAÇÃO SIGLA NOME DO PARTIDO CRIAÇÃO PMDB DEMOCR. BRAS MOVIMENTO 1981 PRTB RENOVADOR TRAB. BRAS. 1997

PTB TRABALHISTA BRASILEIRO 1981 PHS SOLIDARIEDADE HUMANISTA 1997

PDT DEMOCRÁTICO TRABALHISTA 1981 PSDC SOCIALDEMOCRATACRISTÃO 1997

PT TRABALHADORES DOS 1982 PCO DA CAUSA OPERÁRIA 1997

DEM DEMOCRATAS 1986 PODE PODEMOS 1997

PCdoB COMUNISTA DO BRASIL 1988 PSL SOCIAL LIBERAL 1998

PSB SOCIALISTA

BRASILEIRO 1988 PRB

REPUBLICANO

BRASILEIRO 2005

PSDB DEMOCR.BRASILEIRA SOCIAL 1989 PSOL SOCIALISMO E LIBERDADE 2005

PTC TRABALHISTA

CRISTÃO 1990 PR DA REPÚBLICA 2006

PSC SOCIAL CRISTÃO 1990 PSD SOCIAL DEMOCRÁTICO 2011

PMN DA MOBILIZAÇÃO

NACIONAL 1990 PPL PÁTRIA LIVRE 2011

PRP REPUBLIC.

PROGRESSISTA 1991 PEN ECOLÓGICO NACIONAL 2012

PPS POPULAR SOCIALISTA 1992 PROS REPUBLIC DA ORDEM SOCIAL 2013 PV VERDE 1993 SD SOLIDARIEDADE 2013 AVANT

E AVANTE 1994 NOVO NOVO 2015

PP PROGRESSISTA 1995 REDE REDE SUSTENTABILIDADE 2015

PSTU SOCIALISTA TRAB UNIFICADO 1995 PMB DA MULHER BRASILEIRA 2015

PCB COMUNISTA

BRASILEIRO 1996

HÁ DEZENAS DE PEDIDOS DE REGISTROS DE NOVOS PARTIDOS NO TSE

Fonte: Elaborado pelo autor com base em dados do TSE (junho/2018).

Mesmo assim, no caso do Rio Grande do Norte, o padrão familiar bipartido em dois polos políticos permanece. As duas famílias, Alves e Maia, continuam a polarizar a política do estado, abrigadas nos mesmos partidos com raízes oriundas no período militar do bipartidarismo: MDB e ARENA. O primeiro mudou para PMDB e retorna em 2017 ao nome de MDB, conservando praticamente o mesmo grupo familiar local e boa parte do grupo político

nacional. Já a ARENA passou por transformações (PDS – PFL – DEM) e, pelo menos no plano local, conserva o mesmo grupo político familiar.

Ao seu redor, gravitam dezenas de partidos, em movimento pendular, que, quando ameaçam constituir-se como uma terceira força ou mesmo ocupar o lugar de uma das duas hegemônicas, estas se unem para impedir a consolidação da terceira, ou seja, da formação de um novo polo que exista independentemente ou suplante politicamente um dos dois estabelecidos, como detalhamos, com o exemplo do surgimento de Wilma de Faria (ex-Maia) que, pelo PSB, conquistou (por um período) a amplitude de liderança (polo) estadual.

Ficou claro, ao longo da exposição anterior, que o controle partidário aliado às conexões com políticos no plano nacional são fatores que contribuem à perpetuação desses grupos político-familiares nos espaços de poder onde repousam há mais de sete décadas. Percebemos essa dinâmica, conforme já fora relatado, ao longo de todos os períodos analisados e, em especial, ao longo das duas últimas fases da República.

Sobre a forma de gestão dos partidos políticos como instrumento dos grupos familiares, Panebianco (2005, p. 514, grifo nosso) expõe as características que considera fundamentais, operacionalizadas pelos partidos que ele chama de profissional-eleitoral, e que se assemelham ao modus operandi desses grupos no Rio Grande do Norte:

a) centralização dos profissionais (competências especializadas); b) partido eleitoral, ligações verticais fracas, apelo ao eleitorado de opinião; c) predominância dos representantes públicos, direções personalizadas; d) financiamento por meio de grupos de interesse e fundos públicos (partidários); e) ênfase nas issues e na liderança, centralização dos carreiristas e dos grupos de interesse no interior da organização.

Outro autor que dá a sua contribuição sobre a descrição do modus operandi dos grupos político-familiares Alves, Maia e Rosado é Spinelli (2010, p. 71), quando analisa mecanismos de reprodução desta classe política:

O nepotismo, característico dos três clãs dominantes (dois em escala estadual, um em escala regional); a patronagem, recurso de largo uso pelo partido no poder, para ampliar as alianças que lhe garantam a governabilidade e a reeleição (nesse sentido, é importante assinalar a migração de parlamentares e prefeitos para os partidos da coligação vitoriosa logo após as eleições); o clientelismo, como prática que, no geral,

orienta as relações dos políticos com o seu eleitorado; o assistencialismo, que ainda marca fortemente as ações governamentais e de uma parte dos detentores de mandato.

Ele finaliza destacando ainda o caráter extremamente personalizado das disputas, oscilando entre dois ou três líderes carismáticos, franqueadores das agremiações partidárias que já narramos anteriormente. A seguir, mais alguns itens do modus operandi dos grupos político- familiares, que não mudou muito ao longo do tempo, como é facilmente perceptível.