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BRIEFING 5: ANÁLISE DO GÊNERO ANÚNCIO PUBLICITÁRIO

5.2 Análises dos enunciados

5.2.1 Corpo adiáforo

5.2.1.2 O corpo tatuado

Ainda na categoria do corpo acessório, há a presença de corpos tatuados (ver peças 25, 36, 37 e 38), que marcam um estilo próprio de ser jovem, com desenhos diferenciados pelo corpo, caracterizando sua individualidade e sua identidade. Não iremos retomar a história do homem e suas marcas corporais, tendo em vista que não é motivo de nosso olhar neste estudo, mas pontuamos que a tatuagem, o piercing, o branding e outras marcas corporais são hoje, em nossa sociedade, não mais vistas como quebra de convenções e associadas à primitividade, ao tribalismo, mas, dependendo do contexto em que aparecem, como status, como marcas de valores estéticos ligados à moda, ao esporte, às gerações mais jovens.

Essas peças com imagens de homens e mulheres tatuados estão presentes nos anúncios, corroborando a ideia, aqui já comentada, desse corpo que se apresenta como fluido, como plástico, como forma provisória, que pode ser a qualquer momento reconfigurado, modificado de acordo com as necessidades do sujeito, com aquilo que ele julga importante na construção de sua aparência, de sua atitude frente ao outro e a si mesmo. Esse corpo que se mostra incompleto e temporário pode ser moldado e modificado por intermédio dessas marcas, algumas permanentes, como a tatuagem, e outras transitórias, como o piercing.

A esse respeito, Bezerra (2014, p. 31) coloca que as marcas tatuadas como efeitos de sentido anunciam um sujeito plural, que se autodefine como em vias de se fazer cotidianamente. Esse autor salienta que esse corpo possuidor de “uma pele sem marcas definidas de sentido, mas que trazem elementos de outras culturas, de outras subjetivações de subjetividades e com sua perspectiva de mundo, reconstrói os sentidos, fazendo os discursos assumirem outros discursos a partir de suas sensações”. Nas Figuras 25, 36, 37 e 38, identificamos as marcas corporais fabricando uma estética da presença, seja através do olhar do outro, que inevitavelmente será atraído pela inscrição na pele, seja pelo olhar do próprio sujeito, que marca sua superfície cutânea com pássaros, dragões, frases, anunciando um sujeito plural, que, através de um limite simbólico desenhado sobre a pele, se afirma como parte de um grupo, de um clã, de um sistema social, de uma faixa etária, em um pertencer do sujeito a um grupo.

Como ressalta Bezerra (2014), essa é uma pele que a partir de uma inscrição reconstrói outros sentidos, trazendo elementos de culturas diversas, que, marcados no sujeito, assumem outros discursos. Nos anúncios, os corpos viris também marcam sua virilidade pelas marcas corporais, e, assim como a estrutura talhada do corpo, a tatuagem acrescenta mais um signo e um sentido à vida pessoal, à imagem desse sujeito que está se construindo continuamente. Para esse homem que se apresenta nas peças publicitárias, na falta de um controle sobre sua existência, o corpo marcado é um objeto ao alcance da mão, um outro, conforme mencionamos. Esse pensamento vai ao encontro do que Bauman (2001, p. 14) considera como um tempo/espaço líquido, em que

os padrões e configurações não são mais “dados”, e menos ainda “autoevidentes”; eles são muitos, chocando-se entre si, e contradizendo-se em seus comandos conflitantes, de tal forma que todos e cada um foram desprovidos de boa parte de seus poderes de coercitivamente compelir e restringir. [...] Em vez de preceder a política-vida e emoldurar seu curso futuro, eles devem segui-la (derivar dela) para serem formados e reformados por suas flexões e torções.

Novamente, retomamos o que nessa segunda subcategoria vem sendo analisado: as marcas corporais são uma ferramenta a mais na exploração desse corpo fluido, que se transforma e se reinventa como forma de marcar uma estética da presença, desse corpo acessório. Os produtos da Integral Medica, da Beaglebrand e da Performance nada mais são do que instrumentos propiciadores dessa forma simbólica de construir uma identidade em conflito, ameaçada por um mundo em que tudo ocorre de maneira muito rápida e fragmentada.

É preciso destacar que nos anúncios as tatuagens estão associadas à presença de sujeitos que praticam algum tipo de esporte. Já nas imagens de peças que vendem outros tipos de produtos, como roupas, sapatos e demais acessórios, essas marcas corporais não são visíveis nas imagens. Nesse sentido, Oliveira (2004, p. 63-64) salienta que, no século XX,

os esportes continuaram a ser de fundamental importância para a veiculação e valorização do ideal moderno de masculinidade. Sua disseminação como um dos principais espetáculos de lazer, na estratégia dos empresários da indústria do entretenimento para as massas, transformou-se em grandes vitrines nas quais os protótipos de macho ideal estão sempre aclamados.

Sob esse prisma, podemos entender que as tatuagens ligadas a sujeitos do esporte podem, ainda nesse novo século, projetar uma imagem diferenciada e heroica do homem

contemporâneo. Observamos em alguns anúncios, inclusive, passagens de textos que apresentam a ideia de que os esportes modelam o sujeito para descrever e orientar comportamentos: “Campeão tem que ter ATITUDE MMA” (Figura 25); “Você pode mais” (Figura 47); “Mais forte que os meus oponentes no octógono” (Figura 45); “Você tem a nossa força” (Figura 38).

Vemos nas Figuras 25, 36, 37 e 38 o uso das tatuagens em locais bem expostos do corpo, nada oculto, todas bastante visíveis. Ali se instaura um limite simbólico desenhado sobre a pele, em que, conforme Le Breton (2003, p. 40), “fixa um batente, na busca de significado e de identidade, é uma espécie de assinatura de si”. Nessa marcação, o corpo novamente se sobressai, se expõe e se apresenta como um corpo acessório, objeto que está à disposição de um desejo de completude do sujeito, traduzindo a necessidade de concluir um corpo por si só escasso para encarnar a identidade pessoal.

É uma marca relativamente definitiva, levando em conta os modernos tratamentos de retirada, mas que atinge o conjunto do corpo (braço, ombro, peito e costas, normalmente), podendo ser feita também no rosto. Nos anúncios analisados, essas marcas são mais comuns no corpo, em lugares de uma visibilidade aparente. Embora a marcação já venha de tempos antigos, ela toma na atualidade um campo considerável e profícuo, exatamente por possibilitar a permanência de uma memória, de um acontecimento, de uma relação, de uma superação pessoal, de uma perda, de uma proteção em forma de imagem gravada no corpo contra esse tempo instável no qual vivemos.

Assim, as peças publicitárias são, na verdade, instrumentos poderosos de análise desse sujeito, mais especificamente, desse homem, que se mostra de forma hiperbólica, tendo por base suas marcas, seu corpo, seus músculos. Não vemos nenhuma imagem de homens com corpos menos definidos e menos plásticos, mas todos têm uma produção de músculos bem trabalhados, sugerindo um estereótipo bem típico do body builder, como já comentamos.

Essa possibilidade de marcas corporais exploradas nas peças vem como um instrumento poderoso da mídia para o consumo cada vez maior de produtos. O destaque dado ao corpo nas últimas décadas, sobretudo no âmbito da moda e da publicidade, está bem distante de como o corpo era um reduto de conservadorismos. Não se ousava tanto, na primeira metade do século XX, interferir no corpo como hoje se faz. Segundo Garrini (2008, p. 251), “hoje a liberdade para agir sobre o próprio corpo não para de ser lembrada e estimulada, por meio da prática regular de exercícios físicos, dos regimes alimentares, [...] que prometem “verdadeiros milagres”, acredita-se ser possível alcançar a perfeição”.

Nas peças, as marcas corporais expostas dão ao leitor a possibilidade de observar um padrão de beleza que vai além da vestimenta, é uma marca esculpida que se confunde com a construção de um destino, de um nome, de uma identidade. Todos esses aspectos favorecem a interpretação subjetiva do olhar do sujeito sobre ele e do olhar que o outro constrói a partir da sua imagem.

As peças retratam bem os ideais, os valores e a cultura que a sociedade tem estimulado na modernidade. A mídia deliberadamente e com muita propriedade dissemina esse ideal de culto ao corpo, que deve ser tratado e exibido com frequência. A beleza, a saúde e a juventude são os argumentos usados para propagação dessa ilusão. Assim, as revistas, a televisão e as mídias em geral faturam através da exploração dos corpos e de discursos que elevam o corpo à categoria de árvore da felicidade. O homem moderno só será realizado e feliz se tiver amor- próprio, autoestima e beleza possibilitados pelo corpo-imagem, corpo-objeto, corpo reconstruído diariamente, corpo-tatuado. Vejamos as figuras de corpos tatuados abaixo.

Figura 36: Peça publicitária da marca Performance

Figura 37: Peça publicitária da marca de roupa Beaglebrand

Fonte: Revista Playboy, n. 449, out. de 2012, p. 10-11.