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O crítico e o conservador na construção dos sujeitos da Educação Profissional

A construção, manutenção ou transformação das concepções pedagógicas e ideológicas de educação envolve diretamente seus sujeitos, historicamente construídos. Neste sentido é preciso compreender quem são esses atores e qual seu papel social para viabilizar a construção de uma sociedade justa e igualitária.

O conservadorismo tradicional e tecnicista que, conforme discutido anteriormente, ainda é enraizado na educação atual, muitas vezes, também, é consequência da formação dos docentes que atuam na educação profissional. De acordo com dados do INEP, em 2012 havia 71.896 docentes na educação profissional, sendo que 65.220 deles possuíam ensino superior e destes apenas 18.142 possuíam licenciatura. Dos 47.078 docentes que não possuíam

licenciatura, apenas 11.527 fizeram alguma complementação pedagógica (INSTITUTO..., 2012), a qual não era especificada com relação à carga horária ou tipo de complementação, ou seja, no mínimo 49% dos docentes não possuem preparação pedagógica alguma, sem contar os docentes que não possuem ensino superior e sem discutir as formações de licenciaturas e as complementações pedagógicas.

Conforme argumentam Moura, Lima Filho e Silva (2012, p.29) mesmo a formação em licenciatura não atende à realidade e necessidades da Educação Profissional. Conforme os autores,

Quanto aos licenciados nas disciplinas da educação básica, muitos não conhecem a EP, pois as licenciaturas, em geral, não incluem em seus currículos estudos sobre o campo trabalho e educação, sobre a Educação Profissional e menos ainda sobre a sua relação com o Ensino Médio, de maneira que têm dificuldades para estabelecer conexões entre a sua disciplina específica, as tecnologias, o trabalho e a cultura. A questão da interdisciplinaridade entre a disciplina ministrada com as tecnologias, o trabalho e a cultura, fica ainda mais difícil quando se trata de docentes bacharéis, pois poucos são os que obtiveram alguma formação pedagógica que possibilite essa práxis. Essa situação é contemporizada por estar enraizada na educação profissional “a noção de que para ser professor de disciplinas ou áreas tecnológicas, mais vale o conhecimento dos conteúdos que se vai lecionar do que propriamente a formação pedagógica” (MACIEIRA, 2009, apud GARIGLIO; BURNIER, 2012, p. 213).

Em função dessa concepção, a formação pedagógica de professores da área técnica no Brasil vem sendo tratada como algo “especial”, “emergencial”, “sem integralidade própria” e por meio de Programas, sinalizando assim uma “política de falta de formação” pedagógica dos professores técnicos, por parte do governo. (OLIVEIRA, 2006, p.04).

Oliveira (2000, apud GARIGLIO; BURNIER, 2012, p. 213) aponta que essa política de falta de formação tem o objetivo de fortalecer as diferenças sociais, visto a influência que o professor da educação profissional possa ter na formação do trabalhador. Para a autora,

não convém aos interesses dominantes que o professor da EP, pela sua influência na formação do trabalhador, seja preparado criticamente para levantar questionamentos na relação ensino x aprendizado sobre os usos, objetivos e implicações da tecnologia e, tampouco, sobre a relação capital x trabalho.

Compreendendo a educação nos pressupostos da concepção dialética da história, que possibilitem articular uma proposta pedagógica cujo compromisso e referência sejam a transformação da sociedade e não a sua manutenção e perpetuação, a formação dos docentes

deve buscar uma visão também transformadora, que pense, como argumenta Moura (2008, p. 30), na superação do atual modelo:

A formação e a capacitação devem, portanto, ir além da aquisição de técnicas didáticas de transmissão de conteúdos para os professores e de técnicas de gestão para os dirigentes. Evidentemente, esses aspectos continuarão sendo importantes, mas o objetivo macro é mais ambicioso e deve privilegiar a formação no âmbito das políticas públicas do país, principalmente as educacionais, numa perspectiva de superação do modelo de desenvolvimento socioeconômico vigente, de modo que se deve priorizar mais o ser humano do que, simplesmente, as relações de mercado e o fortalecimento da economia.

Seguindo esse pensamento, Gadotti (2006, p.130) aponta que o professor tem um compromisso social, além de instrumental e de competência técnica. Para ele,

A formação de um educador competente não é suficiente. É preciso que a competência técnica esteja fundamentada num compromisso político. Porque a competência depende de um ponto de vista de classe. Não somos competentes “em geral”, mas somos competentes para uma classe e não o somos para outra.

Apresentado um panorama, ainda que de forma não exaustiva, dos docentes da educação profissional brasileira, compreende-se que os estudantes também são atores sociais ativos, ou seja, agentes do processo ensino-aprendizagem envolvidos nas ideologias educacionais, “assumindo-se como sujeito cognoscente e não como incidência do discurso do educador” (FREIRE, 1992, p. 24).

Historicamente a educação profissional surgiu para atender os marginalizados e desfavorecidos, sujeitos excluídos socialmente que precisavam ser treinados para o trabalho, tendo se constituído em seguida como uma educação voltada para a minoria que tinha

potencial para frequentá-la. Hoje, especificamente nos cursos pesquisados (dados do perfil

dos alunos nas tabelas 8, 9 e 10), os sujeitos educandos são trabalhadores estudantes, adultos ou jovens, que buscam na educação profissional sua qualificação para o mundo do trabalho.

Acerca deste cenário, Rosa e May (2012, p. 02) consideram que muitas foram as lutas e movimentos dos trabalhadores para melhoria das condições de “trabalho, salários maiores, acesso a seus direitos e principalmente educação para seus filhos. As conquistas não foram muitas, mas o suficiente para que houvesse mudanças no sistema de ensino”. Assim, o que era restrito à minoria da elite, passou a fazer parte da realidade das classes populares.

Ricardo Antunes (2009, p. 102) identifica esses sujeitos como “Classe-que-vive-do- trabalho”, descrita como a totalidade daqueles que vendem sua força de trabalho e que são despossuídos dos meios de produção, tendo como núcleo central os trabalhadores produtivos, além daqueles considerados trabalhadores improdutivos, bem como os desempregados.

A atual conjuntura social de vulnerabilidade em que esses sujeitos estão inseridos faz com que cada vez mais esses trabalhadores sejam estigmatizados socialmente, como aponta Arroyo (2007, p.02),

Parece-me que ao longo desses últimos anos, cada vez a juventude, os jovens e os adultos populares estão mais demarcados, segregados e estigmatizados. Não está acontecendo o que se esperava, ou seja, que esses jovens fossem se integrando, cada vez mais, na juventude brasileira. Ao contrário, penso que o que está acontecendo é que as velhas dicotomias, as velhas polaridades da nossa sociedade (e um dos pólos é o setor popular, os trabalhadores, e agora nem sequer trabalhadores) não estão se aproximando de uma configuração mais igualitária, ao contrário, estamos em tempos em que as velhas polaridades se distanciam e se configuram, cada vez mais, com marcas e traços mais específicos, mais diferentes, mais próprios. Mais distantes. A juventude popular esta cada vez mais vulnerável, sem horizontes, em limitadas alternativas de liberdade.

E completa:

É essa escola das classes trabalhadoras que vem fracassando em todo lugar. Não são as diferenças de clima ou de região que marcam as grandes diferenças entre escola possível ou impossível, mas as diferenças de classe. As políticas oficiais tentam ocultar esse caráter de classe no fracasso escolar, apresentando os problemas e as soluções com políticas regionais e locais. (ibid, p. 21).

Kuenzer e Grabowski (2006, p. 307), por sua vez, ponderam que o que se espera da educação para esses trabalhadores é o compromisso em âmbito de ensino público, numa concepção integrada entre educação básica e especializada para atender às demandas das transformações sociais, que “se dá principalmente em espaços públicos, mediante políticas, financiamento e gestão públicos”.

Uma educação que supere o discurso de “educação como solução para crescimento no futuro”, principalmente para esses jovens e adultos trabalhadores, que procuram o presente, procuram oportunidades, como Arroyo (2007, p. 04) fortalece, ao dizer que “o que temos que fazer é evitar discursos do futuro e falar mais no presente. Intervir mais no seu presente do que prometer futuros que não chegarão”.

Em relação à inclusão e qualidade da educação ao estudante trabalhador, Bernardim (2013, p.100) observa que,

Ao receber os filhos da classe trabalhadora, que são atores sociais vitimados pela estrutura socioeconômica desigual, a escola não só abre perspectivas de enfrentamento dos efeitos do capitalismo mediante a democratização do seu espaço, como também afirma o sistema ao reproduzir as suas contradições, instaurando um tensionamento permanente entre a política e a execução, a intenção e a prática, o que se manifesta através de novos conflitos.

Neste sentido a educação contribuiria para além da empregabilidade, mas sim para uma educação emancipadora, priorizando a formação cidadã critica do trabalhador, o qual compreenderá seu papel social e poderá participar do mesmo. Kuenzer e Grabowski propõem esse ensino, através do domínio da ciência:

Pelo domínio da ciência, os trabalhadores aprenderiam a pensar racionalmente, levando ao “comportamento racional” em todas as esferas de atividade. Graças à ciência, seria possível livrar-se da política, implantar o domínio da lógica e da razão, em substituição ao da emoção e da paixão; as próprias questões sociais e políticas poderiam ser tratadas de maneira científica, eliminando as disputas irracionais animadas por interesses políticos e produziria uma sociedade cada vez melhor. (2006, p. 304).

Para tal formação, porém, é preciso vencer a dualidade estrutural da educação profissional, pois, como estabelece Moura (2008, p. 33), “a escola básica brasileira é segmentada, é dual historicamente, de forma que separa educação de trabalho. Assim, os currículos da educação básica, majoritariamente, não abordam as questões relativas ao trabalho e ao mundo do trabalho”.

É preciso uma escola que compreenda quem são os sujeitos de sua ação: docentes e educandos e os atenda de forma transformadora, que possa contribuir para uma real transformação dessa desigualdade social.

3.2 PERMANÊNCIA E ABANDONO ESCOLAR: CONTEXTO HISTÓRICO NA