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5.3 Esse “mundo” é possível na Educação Profissional?

5.3.2 Ser trabalhador estudante

O que une primordialmente os homens é a busca dos meios próprios para garantir a sua existência. Sua práxis é, portanto, eminentemente histórica e a maneira pela qual os homens se relacionam e buscam preservar a espécie é o trabalho. É pelo trabalho que o homem se descobre como ser da práxis, ser individual e coletivo (unidade de contrários). Moacir Gadotti

O trabalho, dimensão ontológica e epistemológica humana, tem, “quer em sua gênese, quer em seu desenvolvimento, em seu ir-sendo e em seu vir-a-ser, uma intenção ontologicamente voltada para o processo de humanização do homem em seu sentido amplo” (ANTUNES, 2009, p,142).

Para Rui Canário (2004, p.50), a exclusão escolar não representa apenas um “agravamento dos problemas especificamente escolar”, mas sim faz parte de “fenômenos de natureza social cuja origem se situa no mundo do trabalho” e que necessitam de maior sensibilização escolar para solução da exclusão.

Neste sentido, a educação, considerando o trabalho como um princípio educativo, possibilita a “humanização” e “socialização para participação na vida social” juntamente com o “processo de qualificação para o trabalho, mediante a apropriação e construção de saberes e conhecimentos, de ciência e cultura, de técnicas e tecnologia”. (GARCIA; LIMA FILHO, 2004, p.30).

Porém essa percepção precisa estar presente no cotidiano escolar, pois o mundo capitalista se orienta na necessidade do trabalho produtivo, como a que se percebe na região pesquisada, pois Jaraguá do Sul e Joinville destacam-se por serem pólos industriais no estado catarinense, cuja cultura do trabalho é forte, valorizando a formação técnica, na maioria das vezes, como uma mão de obra rápida e especializada.

Observa-se nas falas dos estudantes que deixaram de estudar, abaixo transcritas, a relação entre o ensino técnico e o mercado de trabalho:

A15 – O técnico, eu vou ser bem sincero pra senhora, eu hoje se eu tivesse na real necessidade de eu preciso entrar no mercado de trabalho desesperadamente o técnico no meu ponto de vista é o mais rápido e o mercado de trabalho possibilita entrar no chão né como no chão de fabrica. Creio eu que o técnico ele... acesso rápido.

A15 – sim é um acesso reconhecido tanto que isso é comprovado é... quando eu trabalhava na X (industria), é pra você subir de cargo já pegar como um preparador que já manda na linha, o técnico é o suficiente, aí sim...depois pra você subir um pouquinho mais o superior tem que ter, mas chegando ao cargo de mandar na linha já é o técnico...

Pesquisadora – Tu acha que a profissão do técnico é valorizada?

A20/21 – Sim, depende a empresa né, pelo menos onde minha esposa trabalha eles valorizam, ela começo fez um ano agora, vai faze um ano que ela começou e ela já conseguiu troca de cargo já.

Entende-se, nesta pesquisa que a educação profissional tem que estar comprometida com a formação integral do educando, apresentando-se como “uma escola comprometida em formar jovens que articulem ciência, cultura e trabalho e lhes dê possibilidade de serem cidadãos autônomos; que possam escolher seguir seus estudos ou, se têm necessidade, ingressar na vida profissional.” (FRIGOTTO, 2007, p.1146).

Entretanto, mesmo diante dessas contatações relatadas pelos estudantes, estudar significa enfrentar e superar diversas dificuldades. Dentre as principais dificuldades sinalizadas pelos permanecentes e pelos que deixaram de frequentar o curso, está a de conciliar tempo de trabalho, família e escola, como se observam nos gráficos 16 e 17:

0% 10% 20% 30% 40% 50%

Geral Joinville Jaraguá do Sul

Conciliar horários de trabalho/familiar/escola Didática dos professores

Os professores procuram estabelecer relação entre teoria e a prática A estrutura física - salas de aulas, laboratórios, materiais;

Uma boa relação entre professores e alunos Outros

Uma boa relação entre os alunos

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%

Geral Joinville Jaraguá do Sul

Conciliar horários de trabalho/familiar/escola Didática dos professores

Os professores procuram estabelecer relação entre teoria e a prática A estrutura física - salas de aulas, laboratórios, materiais

Uma boa relação entre professores e alunos Outros

Uma boa relação entre os alunos

Gráfico 17 – Dificuldades encontradas no curso – dados dos que deixaram de frequentar. Fonte: autoria própria (2014), baseado em dados dos questionários e entrevistas.

Destaca-se que para os alunos que deixaram de frequentar os cursos de Joinville, a questão da conciliação entre trabalho, família e escola aponta-se muito mais predominante entre as dificuldades encontradas para frequentar o curso do que para os desistentes de Jaraguá do Sul.

Um dos motivos que pode justificar que em Jaraguá do Sul a questão de conciliar horários entre trabalho, família e escola está melhor encaminhada do que em Joinville deve-se ao fato de que os cursos técnicos, em especial os ofertados no período vespertino, iniciam de acordo com os horários das indústrias da cidade, para possibilitar que os trabalhadores do primeiro turno estudem na instituição.

No entanto, na fala dos que deixaram de frequentar e dos permanecentes, em ambas as cidades, percebe-se a dificuldade de vincular estudo e trabalho, conforme relatos que seguem:

P152 - Minha residência fica em outra cidade e o deslocamento de transporte público é ruim, saio de casa as 3:00 para ir à empresa na parte da tarde estudo e chego em casa as 20:30.

P100 – Conclui o 1o. módulo em 2009 e desisti por causa do meu trabalho e voltei agora

P113 – Porque, levanto as 3:00 AM para trabalhar, e retorno as 3:00 pm, depois tenho que cuidar dos meus dois filhos de 3 e 5 anos. Quando minha esposa chega do trabalho as 18:30 eu venho correndo para o X, e retorno as 22:00 para começar tudo de novo.

P270 – Olha no geral não tenho muito à dizer, só que estou cansado, preciso de mais tempo, mas não sei de onde tirar. Continuo a estudar porque até agora passei em quase todas as materias da grade curricular.

A16 - Estava na produção da X (indústria), aí eu vi que não dava mais, porque era muito puxado, muito cansativo. Aí eu comecei, eu vi que eu tinha que por prioridades na minha vida. Na verdade foi essa uns dos principais motivos da minha desistência. [...] Porque é eu chegava 23:30 em casa e eu tinha que levanta 4:00 da manhã. Na verdade 03:30 né, 04:10 eu pegava o ônibus, então tava sendo realmente muito puxado.

A21 - que eu escutava muito lá era cansaço que o pessoal falava, já saia direto do serviço e ia estuda, mas... tem muita gente que dorme dentro da sala de aula né. (motivo das desistências)

Para Mészáros (2008, p. 67), para romper com a lógica do capital, em especial da visão de trabalho para o mercado produtivo, é necessário “promover, conscienciosamente, a universalização conjunta do trabalho e da educação”.

Porém, a escola da classe trabalhadora vem fracassando com o compromisso com o trabalhador, pois muitas vezes não pensa em cursos que atendam essas realidades, assim como os demais sujeitos (trabalhadores da educação), em alguns casos, desconhecem quem são esses estudantes, como se observa no relato abaixo transcrito:

A18 - teve alguns dias que eu me atrasei em torno de cinco a dez minutos, o professor chamou minha atenção, daí eu falei “senhor professor eu trabalho”, falei “o transito dessa cidade aqui é louco”, eu trabalho , moro longe não tem condições de as vezes todo dia chegar no mesmo horário, ele falou é mais eu to todo dia aqui no mesmo horário, eu falei lógico você é o professor se ta aqui, daí eu falei pra ele, daí ele falou “ó não quero esse problema nessa sala de aula”

Considerando que a grande maioria dos estudantes são trabalhadores, há a necessidade de compreender suas necessidades no processo educativo, pois ao contrário, a escola fortalecerá a exclusão destes sujeitos.

Em relação à inclusão e qualidade da educação ao estudante trabalhador, Bernardim (2013, p.100) observa que,

Ao receber os filhos da classe trabalhadora, que são atores sociais vitimados pela estrutura socioeconômica desigual, a escola não só abre perspectivas de

como também afirma o sistema ao reproduzir as suas contradições, instaurando um tensionamento permanente entre a política e a execução, a intenção e a prática, o que se manifesta através de novos conflitos.

Afinal, é preciso reescrever e transformar essa realidade, em que

[...] o acesso ao saber vem sendo negado aos trabalhadores, e as políticas de qualificação constituem um imenso vácuo ao longo de nossa história, intercalado, periodicamente por iniciativas definidas a partir das demandas imediatas do setor produtivo, tornando a qualificação e escolarização ofertadas meramente funcionais à (con)formação do trabalhador produtivo aos interesses do mercado, o que em essência significa a negação da qualificação e escolarização para a plena e integral formação humana do cidadão. (LIMA FILHO, 2010, p. 112)

Percebendo estas realidades: econômicas, políticas, sociais e culturais é possível uma educação que aborde em suas concepções e ações, questões ao mundo do trabalho? Enfim, é possível atender os diferentes sujeitos sociais que buscam a educação profissional?

Destaca-se a importância de conhecer quem são os estudantes da educação profissional para possibilitar uma escola que atenda suas necessidades e principalmente que esteja comprometida com a transformação das desigualdades evidenciadas nos relatos, como por exemplo, das mulheres estudantes trabalhadoras que, apesar de terem iniciado sua vida produtiva jovens, antes dos 18 anos, encontram enraizadas na sociedade a visão ainda masculina de que o conhecimento de tecnologia é para os homens.

Por serem trabalhadores(as), uma das principais dificuldades sinalizadas pelos participantes foi a de conciliar trabalho, família e estudo. Compreende-se que a escola tem o compromisso em promover o trabalho como princípio educativo, porém observa-se que a escola da classe trabalhadora tem dificuldade em honrar esse compromisso, pois não compreende a realidade e necessidades dos estudantes trabalhadores, fortalecendo assim a exclusão desses sujeitos e levando-os a abandonar sua escolarização.

Além disso, diante da heterogeneidade social, econômica, etária, de perspectiva e visão de mundo dos estudantes, é que se defende a valorização do conhecimento do educando e a necessidade de sua participação nas discussões escolares, para que a educação ofertada seja significativa, atenda sua necessidade, e o estimule a permanecer na escola.