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O CRF e o Serviço de Vigilância Sanitária: Atuação conjunta e conflitos

5. Os farmacêuticos e sua relação com o comércio farmacêutico na Bahia

5.2.2 O CRF e o Serviço de Vigilância Sanitária: Atuação conjunta e conflitos

As ações de fiscalização sanitária nos estabelecimentos farmacêuticos ocorriam de forma precária, sempre com dificuldades estruturais e de pessoal para a realização das inspeções. Sobre o trabalho dos órgãos de controle sanitário ao longo do período analisado verificaremos que a partir da década de 1980, percebe-se uma maior participação dos farmacêuticos na direção do setor regulador, onde a hegemonia dos médicos era freqüente.

“No estado, eu fui a primeira mulher não médica, a ser diretora da Vigilância Sanitária da Bahia. E no serviço de portos e aeroportos do Ministério da Saúde, eu também fui a primeira mulher, não médica, a ser chefe de portos e aeroportos e fronteiras na Bahia. Duas coisas: ser mulher e não ser médica. Bom, enfim, então eu fui pra Vigilância Sanitária, fui trabalhar na área de medicamentos, e aí comecei efetivamente a me interessar por essa área [...]Então entrei na Vigilância em 1983, fui trabalhar na área de medicamentos, comecei a me interessar pela legislação. Naquela época, não existiam livros de Vigilância Sanitária. A atividade era passada de pessoa pra pessoa, com seus primores de defeitos e primores de qualidade. É uma atividade e continua sendo, multidisciplinar. A Vigilância Sanitária, na época que eu cheguei, o diretor era um médico. Nós tínhamos um setor de alimentos, um setor de medicamentos, o setor de serviços. Equipe de multidisciplinar era formada de Farmacêuticos, Odontólogos, Médicos Veterinários... enfermeiras, nutricionista, biólogos... engenheiro, poucos.na minha época, tinha basicamente Dentista, Farmacêutico, Médico Veterinário. Enfermeira? Uma que entrou comigo. Agora, era a supremacia de Farmacêuticos e Médicos Veterinários”. (Entrevista com Dra. Tônia Falcão)

Mesmo sendo uma atividade multiprofissional da Vigilância Sanitária, os conselheiros do CRF-4 se ressentiam de serem fiscalizados nas farmácias por profissionais não farmacêuticos. Em reunião plenária ocorrida no dia 17 de julho de 1980 o Dr. Giovanni fez um comunicado sobre contatos mantidos com o Dr. Pires da Veiga, Diretor do Serviço de Fiscalização, no qual fazia denúncias de irregularidades. O então diretor colocou à disposição do CRF-4 um médico veterinário para fiscalizar as farmácias em virtude dos farmacêuticos do quadro não estarem disponíveis para viajar no momento. Essa situação levou alguns conselheiros a exemplo do Dr. Valdevir Seixas

Dourado, comentar que “achou um absurdo sermos fiscalizados por um profissional de

outra área”.

A participação dos farmacêuticos no serviço de vigilância sanitária do Estado foi responsável por realizar inclusive, contribuições na legislação estadual concernente a regulamentação da estrutura física da farmácia comercial e uma proposta de portaria foram elaboradas (ver anexo C), como colocado a seguir:

Fizemos, antes de eu estar como diretora, a Portaria 2101, de 1990, parece. [...] É uma portaria estadual. Foi publicada na nossa época, eu participei na elaboração dessa portaria, um outro Farmacêutico também, muito conhecido, que foi Dr. Giovanni de Moscovich, que foi meu colega na Vigilância Sanitária. Nós tivemos a oportunidade de elaborar essa portaria e que estabeleceu metragem pra farmácia, estabeleceu as regras pra sala de aplicação de injeções. Então, foi uma portaria estadual e que calcou em Vigilância Sanitária, estabelecendo alguns detalhes que a lei 3982 não previu. [...] A portaria 2101, trata de coisas que não foram previstas, inclusive é muito mais detalhista, com relação a instalação de farmácia. Foi um problema danado, porque as farmácias, muita gente queria abrir farmácia pequena, e isso gerou briga, etc. o Conselho na época nem aplaudiu, só via que a gente na época não fechava. O Conselho sempre teve uma atitude, lógico, puxando muito pela profissão, mas acho que na minha época menos parceiro que está sendo hoje. (Entrevista com Dra. Tônia Falcão, realizada no dia 29 de agosto de 2008)

As ações do CRF-4 e órgãos de fiscalização sanitária ocorriam em grande parte em forma de parceria. Porém, em alguns momentos, quando em gestões de diretoria dos órgãos sanitários em que se encontravam farmacêuticos, o CRF-4 esperava uma atitude mais corporativista para beneficiar a categoria farmacêutica, como verificado acima. Em geral, as parcerias eram feitas para possibilitar aos órgãos de fiscalização do Estado uma maior eficiência na realização de sua atividade. A constante dificuldade estrutural dos órgãos de controle sanitário foi registrada:

“O Sr Presidente apresentou o Relatório do Dr. Rosalvo Teixeira de Oliveira sobre a fiscalização efetuada nas cidades de Juazeiro, Remanso.... Foi Sugerido pelo plenário que enviasse ao serviço de fiscalização da Secretaria de Saúde do Estado uma relação dos estabelecimentos farmacêuticos clandestinos e irregulares para as providencias que o caso requer. Drº Giovanni falou sobre os problemas encontrados pela secretaria para a Fiscalização no interior como, falta de viatura, pessoal técnico e diárias insuficientes.”(Ata de reunião plenária de 16/06/1978).

Com o objetivo de minimizar esses problemas o CRF-4 realizava com o Serviço de Fiscalização da Secretária de Saúde um convênio que de maneira inusitada se propõe a conceder plenos poderes ao CRF-4 para interditar estabelecimentos clandestinos e irregulares (Ata de reunião plenária de 19/06/1979).

Não encontramos registros a respeito de outros termos desse acordo, mas na ata de reunião plenária de 3 de agosto do mesmo ano, Dr. Giovanni, então presidente do CRF-4, comunicou que “o convênio entre o CRF-4 e o Serviço de Fiscalização depois

de pronto terá que sofrer algumas ratificações sugeridas pelo Sr. Secretário de Saúde do Estado, Dr. Jorge Novis, sendo a principal obrigação do CRF-4 fornecer a viatura e combustível nas viagens efetuadas no interior do estado”.

Finalmente é assinado convênio com a Secretaria de Saúde para que haja uma fiscalização conjunta CRF-4/Serviço de Fiscalização (Ata de reunião plenária de 18/10/1979). O que ocorreu, no entanto, foi que mesmo depois de firmado o convênio a sua efetivação não aconteceu da forma esperada pelo CRF-4. Em ata de 25 de fevereiro do ano de 1980, “Drº Giovanni Pereira Moscovits lembrou que apesar do Convênio

feito com a Secretaria de Saúde a Fiscalização ainda não está atuando em conjunto, o que é lamentável.” As justificativas para as dificuldades encontradas para fiscalização

por parte da Secretaria de Saúde estavam relacionadas à ausência de recursos humanos.

“Dr. Giovanni falou sobre as dificuldades encontradas por este Conselho para fiscalizar os estabelecimentos farmacêuticos no interior, inclusive os ilegais e que o serviço de Fiscalização da Secretaria de Saúde não dispõe, no momento, de condições para fiscalizar o interior, devido à falta de pessoal.” (Ata de reunião plenária de 26/03/1980)

“Drº Giovanni comunicou que a grande dificuldade da Secretaria de Saúde é a falta de Recursos Humanos para realizar o trabalho de Fiscalização, tendo inclusive o Drº Pires da Veiga já ter relatado o fato ao Drº Jorge Novis Secretário de Saúde.” (Ata de reunião plenária de 23/05/1980)

O CRF-4 solicitou para que providências fossem tomadas no sentido de cumprir com o convênio firmado com o serviço de fiscalização:

“Drº Valdevir disse também que o Conselho enviou ao Secretário um ofício pedindo providências para que o convênio realizado entre o Conselho de Farmácia e a Fiscalização entrasse em funcionamento.” (Ata de reunião plenária de 23/05/1980)

“Drº Valdevir disse que o nosso Fiscal está fiscalizando Zona do Além São Francisco e a Chapada Diamantina, ficando na esperança de que a Secretaria de Saúde atenda ao nosso anseio e reafirma a necessidade do Convênio. (Ata de reunião plenária de 23/05/1980)

Os argumentos relacionados à dificuldade dos órgãos de controle sanitário em solucionar as irregularidades referem-se freqüentemente à questão da responsabilidade técnica, usando o argumento de que o número de farmacêuticos sempre foi inferior ao de farmácias. As soluções para tal problema seriam, de acordo com o diretor de vigilância sanitária, da competência do CRF-4. As proposições sugeridas foram amplamente comentadas e debatidas.

“O Sr. Presidente comunica que em reunião com o o Diretor de Vigilância Sanitária do estado da Bahia (Dr. Aloísio Quaresma de Mello), foi informado que o serviço de vigilância tem encontrado dificuldades para solucionar o problema de responsabilidade no estado, em virtude de não encontrar farmacêuticos residindo nos municípios. Alem disso o numero de farmacêuticos inscritos no conselho é inferior ao numero de estabelecimentos farmacêuticos. Nessa reunião o diretor da vigilância pediu que o conselho apresentasse soluções para esse caso. Sendo este assunto um problema para o conselho foram trazidas as seguintes alternativas para homologação do plenário: 1º Alterar distancia de 50 para 500Km, entre as cidades para assumir dupla responsabilidade. 2º Que se conceda tripla responsabilidade em regiões carentes desses profissionais. Dr. Giovani expressa preocupação em relação a quantidade de farmácias sem responsável técnico e acrescenta a impossibilidade de fechar esses estabelecimentos visto em que alguns lugares o fechamento pode prejudicar a população do município que ficaria sem medicamentos. As propostas reveladas na reunião foram aprovadas de forma unânime. (Ata de reunião plenária de 12/09/1984)

Das sugestões realizadas, a concessão de tripla responsabilidade seria o mais polêmico, tendo em vista que, a ponderação realizada pelos farmacêuticos se baseava no argumento de que quanto menos tempo fosse exigido de permanência do farmacêutico na farmácia, maior o risco de o farmacêutico perder esse espaço de prática. Contudo, a necessidade de mobilizar favoravelmente a população em favor da categoria era demonstrada na preocupação em não prejudicá-la com medidas muito restritivas.

Assim, as relações propositivas do CRF-4, para possibilitar uma ação conjunta com os órgãos de fiscalização sanitária tinham como objetivo prioritário a manutenção do mercado de trabalho. A seguir discutiremos as estratégias utilizadas pelo comércio varejista para retirar a farmácia do farmacêutico.

5.3. (Ir)Responsabilidade profissional: Os ataques a lei 5991/73