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CAPÍTULO

CAMINHOS E PROCEDIMENTOS DA PESQUISA

3.1 O croqui da pesquisa

É de extrema importância a apresentação e qualificação do questionamento direcional do problema que orientou o estudo, as articulações e delineamentos, os caminhos a serem percorridos. Para isso, faz-se necessário destacarmos três princípios que constituiu a base da pesquisa: a abordagem da Etnomatemática com o viés de conexão dos saberes das práticas socioculturais (experiências matemáticas) dos trabalhadores e trabalhadoras do assentamento Califórnia e o saber escolar, o segundo está relacionado à fundamentação teórica que possibilitou o diálogo entre esses saberes e, por fim, uma ação pedagógica alicerçada nas experiências matemáticas sobressaltadas das práticas socioculturais dos assentados, tendo como um dos desdobramentos, uma proposta pedagógica para o ensino de matemática na escola do assentamento por meio de temas geradores e problematizações.

O primeiro princípio tratou do processo de conexão entre os saberes e quem tem a Etnomatemática como catalizadora das experiências matemáticas emergidas das práticas dos trabalhadores e trabalhadoras do assentamento, uma vez que ela viabilizou a identificação e reconhecimento dessas matematizações. O saber/fazer desenvolvido nas comunidades rurais pelo MST apresentou elementos possibilitadores de diálogo com os saberes escolares. Segundo Knijnik et al.(2012), nas investigações sobre jogos de linguagens e semelhança de família entre as matemáticas observadas nas práticas de um grupo específico e a matemática escolar, “constata-se que há maior semelhança de família entre os jogos de linguagem de vida camponesa e aqueles que engendram a Matemática Escolar” (ibidem, p. 56), ou seja, a matemática investigada por Knijnik et al.(2012) e produzida pelos sujeitos assentados apresentaram interlocuções com a matemática escolar.

A fundamentação teórica que tratou o segundo princípio compreende que a Etnomatemática vem se estabelecendo como um promissor campo de pesquisa em Educação Matemática, apresentando características de natureza antropológica, social e cultural. Torna- se, portanto, uma importante baliza para várias pesquisas, principalmente, em comunidades rurais e que vem contribuindo para o processo de ressurgimento de uma matemática que acontece fora escola. Como ilustra bem Mendes (2011, p.13) “a Etnomatemática apareceu no contexto da Educação Matemática como uma flor de mandacaru no deserto; algo que

surge, naquele momento, para mudar a paisagem árida da Matemática como cultura acadêmica e escolar”.

Este conhecimento se insere nas teorias socioculturais de ensino e aprendizagem, alicerçadas no saber cultural de Radford (2011), onde a compreensão do pensamento matemático está diretamente relacionada aos significados dos objetos conceituais e formas de raciocínios que o aluno encontra em sua cultura.

Por trás do objetivo da aula, encontra-se um objetivo maior e mais importante – o objetivo geralmente existente para o ensino e aprendizagem da matemática – ou seja, a elaboração, por parte do aluno, de uma reflexão definida como um relacionamento comunitário e ativo com sua realidade histórico-cultural. (RADFORD, 2011, p. 327).

Outro elemento importante neste princípio é permitir por meio das experiências matemáticas pesquisadas, um olhar transversalizante e interdisciplinar para o conhecimento produzido, ou seja, as experiências matemáticas em foco, além de buscar um diálogo com o saber escolar, deverão ser problematizadas a fim de que quando emergidas do saber/fazer dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, sejam articuladas por uma ótica contrária à fragmentação e compartimentalização desses conhecimentos.

Por fim, detalhei a ação, em que delineou os caminhos e procedimentos do estudo. O relatório ora apresentado refere-se a uma pesquisa-ação, de cunho qualitativo. Entretanto, na sua arquitetura o estudo buscou compatibilizar algumas técnicas etnográficas, tais como observação direta e participante, diário de campo, história de vida e entrevistas. “[...] uma pesquisa pode ser qualificada de pesquisa-ação quando houver realmente uma ação por partes das pessoas ou grupos implicados no problema sob observação”, menciona Thiollent (2011, p. 21). Outro pesquisador que reforça o delineamento qualitativo alicerçado na relação pesquisador e pesquisado é D’Ambrosio (2012, p. 93):

A pesquisa qualitativa é muitas vezes chamada de etnográfica, ou participante, ou inquisitiva, ou naturalista. Em todas essas nomenclaturas, o essencial é o mesmo: a pesquisa é focalizada no indivíduo, com toda a sua complexidade, e na sua inserção e interação com o ambiente sociocultural e natural. O referencial teórico, que resulta de uma filosofia do pesquisador, é intrínseco ao processo. Naturalmente a interação pesquisador-pesquisado é fundamental e por isso essa modalidade é muitas vezes chamada pesquisação.

Nesse contexto, a ação buscou conectar os conhecimentos do saber/fazer dos trabalhadores e trabalhadoras rurais do assentamento aos saberes matemáticos desenvolvidos no sistema escolar aqui desenhado como a realidade (escola - comunidade), apoiado em

D’Ambrosio (1998) que define a ação como um dos elementos do ciclo básico do comportamento humano. Outro elemento importante destacado por ele e que compartilhamos na pesquisa como fator determinante nesse processo de conexão é o individuo, no presente estudo representado pela comunidade do assentamento Califórnia. Desta feita, a ação modificadora é composta no inquérito por representantes da comunidade (trabalhadores e trabalhadoras), professores e pesquisador. Segundo D’Ambrosio,

ao discutirmos a posição da matemática no ensino, temos necessariamente que levar em consideração a sua própria evolução, tanto no que se refere aos conteúdos transmitidos, quanto aos métodos, atitudes e mesmo comportamentos associados ao pensar, fazer e praticar matemática. (ibidem, p.49)

O estudo buscou interlocuções entre a matematização das práticas socioculturais estabelecidas em uma comunidade de trabalhadores e trabalhadoras rurais de um assentamento da reforma agrária e a sua conexão com a matemática desenvolvida no sistema oficial de ensino em uma escola do campo de Ensino Fundamental. Trata-se de uma conexão, a partir de propriedades que possibilite diálogo entre os conhecimentos oriundos do sabe/fazer dos trabalhadores e trabalhadoras do assentamento com outras formas de conhecimentos que transcendem o conhecimento matemático. E apoiada por meio de uma (re)leitura e análise do ciclo vital (ciclo básico do conhecimento). “O ciclo realidade- indivíduo-ação-realidade é profundamente afetado pela modificação de sua lógica interna, que resulta da adoção de novas formas de linguagem e codificação, tal como codificação matemática”, segundo explicita D’Ambrosio (1986, p. 59). O diálogo que a proposta da Etnomatemática provoca será determinante para cumprir o papel mediador entre essas matemáticas e maximizar essas intersecções e congruências.

A realidade ambiental que impera no sistema escolar, é um sistema muito mais preocupado em cumprir um currículo fragmentado e desconectado do contexto. E quanto mais distante dos grandes centros urbanos é a escola, mais desconfigurado se torna o processo de diálogo entre os saberes. A realidade das escolas localizadas no campo representam bons exemplos de um sistema escolar que não atende às aspirações dos camponeses, uma vez que o currículo sofre do “distúrbio da padronização universal”. No entendimento de D’Ambrosio (1998, p. 62), “a realidade é também social”; concordemente defendi que estas práticas e racionalidades dialoguem com outras racionalidades, sem que uma seja subordinada à outra.

Figura 15 – Descritor do Ciclo Básico do Comportamento Humano

Fonte: D’Ambrosio (1998). Adaptado pelo pesquisador.

O momento exploratório possibilitou estabelecer contato com os moradores do assentamento, minimizar a fase de estranhamento, delinear o problema, conhecer as práticas socioculturais, identificar os elementos organizacionais (cooperativas, associações) da comunidade, elaborar métodos e técnicas que permitiram identificar os possíveis sujeitos, dialogar com alunos, professores e professoras da escola da comunidade.

A partir do momento exploratório é que busquei os elementos significativos para o desenvolvimento da ação pedagógica com atividades experienciadas no campo e com os conteúdos de matemática do Ensino Fundamental envolvendo professores de matemática da escola do assentamento e trabalhadores assentados, confeccionando atividades com temas geradores que foram trabalhadas nos seminários problematizadores com a participação dos colaboradores da pesquisa. Um dos produtos dessa ação a partir dos seminários foram os elementos matemáticos direcionadores para a confecção de uma proposta de ensino de matemática alicerçada nas experiências (diálogos, ações produtivas, mensurações e percepções) dos assentados frente à cadeia produtiva na qual estão inseridos. Para Freire (2014, p. 94):

[...] a educação libertadora, problematizadora, já não pode ser o ato de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou de transmitir “conhecimentos” e valores aos

educandos, meros pacientes, à maneira da educação “bancária”, mas um ato cognoscente. Como situação gnosiológica, em que o objeto cognoscível, em lugar de ser o término do ato cognoscente de um sujeito, é o mediatizador de sujeitos cognoscentes, educador, de um lado, educandos, de outro, a educação problematizadora coloca, desde logo, a exigência da superação da contradição educador-educandos. Sem esta, não é possível a relação dialógica, indispensável à cognoscibilidade dos sujeitos cognoscentes, em torno do mesmo objeto cognoscível.

A pesquisa terá como colaboradores participantes, quatro professores (Ari, Lídia, Moisés e Duarte) que trabalham com os conteúdos de matemática do Ensino Fundamental na escola Antônio de Assis localizada no assentamento Califórnia. Participam também da pesquisa quatro moradores assentados, (Miron, Itamar, Wilson e Dona Flor), três trabalhadores e uma trabalhadora.