• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO

PRÁTICAS, PESQUISAS E MATEMATIZAÇÕES EM COMUNIDADES RURAIS

1.2 Produção cientifica brasileira em Etnomatemática em Comunidades Rurais

Na busca de convergências e tangenciamentos entre a produção científica brasileira em Etnomatemática com a investigação em tela e a compreensão das relações existentes entre os saberes das práticas (experiências matemáticas), Educação do Campo e Educação Matemática, optamos por um recorte de 20 anos, sobre essa produção de 1993 a 2013, para aferir sobre as pesquisas já concluídas e que tenham como sujeitos trabalhadores rurais sem terra.

O objetivo centralizador deste recorte foi identificar as produções científicas em Etnomatemática com delineamentos investigativos relacionados aos trabalhadores rurais sem terra. Para isso, fez-se necessário compreender o percurso e os entrelaçamentos arrebatados por essa produção científica em uma visão macro brasileira. Na construção desse mapeamento, optamos por realizar uma análise dos conteúdos das pesquisas em Etnomatemática relacionados à temática da pesquisa em curso, ou seja, pesquisas com trabalhadores rurais sem terra pelo viés da etnomatemática. Os primeiros direcionamentos definidos foram os critérios para mensurar essas produções; nesse sentido, definimos que a

busca seria em banco de dados, bibliotecas virtuais e, quando necessário, enviar correspondências diretamente aos autores para a obtenção do texto. No ir e vir da pesquisa, outro critério foi estabelecido: O filtro para localizar essas produções.

O filtro foi definido pela palavra etnomatemática com ocorrências no título e/ou resumo e/ou palavras-chave. Com estas definições, iniciamos a pesquisa nas seguintes bases de dados: Portal de Periódicos da Capes, Bibliotecas virtuais, Repositórios e o Portal La referência. Após baixar muitos arquivos a partir destes bancos, foram selecionados para análise 149 trabalhos, dentre os quais alguns foram obtidos via e-mail, por meio de seus respectivos autores. Deste total de trabalho pré-selecionados, 140 estavam de acordo com o filtro determinado. Assim, obtivemos 113 dissertações (produções textuais resultantes de mestrados acadêmico e profissional) e 27 teses.

Sabemos que este número não representam todas as produções brasileiras em Etnomatemática, visto que algumas universidades somente disponibilizam os textos com a devida autorização dos autores. Outra situação que dificultou a pesquisa foi pelo fato de que, ao digitar no buscador dos bancos de dados a palavra “Etnomatemática”, identificamos a palavra-chave em vários trabalhos, mas alguns textos não correspondiam aos critérios definidos pelo filtro.

O primeiro mapeamento dessas produções foi identificar o desenho representativo por regiões brasileiras, definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a saber, as regiões centro-oeste, nordeste, norte, sul e sudeste. Delineando o caminho das pesquisas em etnomatemática por região do país, obtivemos a seguinte configuração:

Figura 3 – Produção Científica Brasileira em Etnomatemática

Fonte: Arquivo pessoal/2014.

Algumas inferências nessas análises, na região sudeste as unidades acadêmicas USP, UNICAMP, PUCSP e UNESP, contabilizam aproximadamente 87%. Na região nordeste,

destaca-se a UFRN com 73%; na região sul, destacam-se a UNISINOS e a UNIVATES contabilizam 65% dessa produção, sendo que nesta última, entre os anos de 2009 e 2013, destacam-se pesquisas em Etnomatemática no curso de mestrado profissional. Na região centro-oeste, a UFGO contabiliza 75% das pesquisas e na região norte, todos os trabalhos encontrados na investigação estão vinculados à UFPA.

Analisando essas produções na perspectiva dos eixos temáticos: pesquisas urbanas e rurais; sendo que o rural está associado à Educação do Campo, interpretada a partir do Conselho Nacional de Educação por meio das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo e que o artigo 1o da resolução CNE/CEB no 2 de 28 de abril 2008, “A educação do Campo [...] destina-se ao atendimento às populações rurais em suas mais variadas formas de produção da vida - agricultores familiares, extrativista, artesanais, ribeirinhos, assentados e acampados da reforma agrária, quilombolas, caiçaras, indígenas e outros”. A temática urbana e periferias, definidas aqui, foram abordagens voltadas para formação de professores de matemática, ensino aprendizagens e inclusão no sistema oficial localizados nas cidades, às matematizações de pedreiros, marceneiros, artesãos, sapateiros, abordagens sobre estado da arte, delineamentos teóricos e epistemológicos, dentre outros. Esse levantamento foi caracterizado pela seguinte arquitetura gráfica.

Figura 4 – Produção Científica em Etnomatemática por Temática

Fonte: Arquivo pessoal/ 2014.

Tendo como objetivo inicial identificar a produção científica brasileira em Etnomatemática convergentes com os entrelaçamentos da tese e suas investigações sobre os sujeitos (trabalhadores rurais assentados), optamos por categorizar e interpretar os delineamentos dessas produções, obedecendo aos seguintes critérios de análises: 1) problema e objetivo da pesquisa, 2) objeto e sujeito investigado, 3) o discurso etnomatemático, 4) procedimentos metodológicos. Nesse caminhar, inferirmos graficamente

os elementos representativos dos 37% correspondentes ao eixo temático rural, categorizados em trabalhadores rurais sem terra, agricultores rurais9, ribeirinhos, quilombolas e indígenas.

Figura 5 – Produção Científica em Etnomatemática com Comunidades Rurais

Fonte: Arquivo pessoal/ 2014.

Com a definição da representação na qual iremos fazer as análises, este percentual contempla 05 trabalhos: as dissertações de Schreiber (2012), Campos (2011), Santos (2005), Oliveira (2000) e a tese de Monteiro (1998). As abordagens analíticas dessas produções foram delineadas nas análises de conteúdo constituídas pelas reflexões de Bardin (2011, p. 44).

[...] análise de conteúdo aparece como um conjunto de técnicas de análises das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. [...] A intensão da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições, de produção (ou, eventualmente, de recepção), inferência esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não).

Ao analisarmos o número de pesquisas com abordagens em Etnomatemática voltadas para a temática dos trabalhadores rurais sem terra em relação ao total de pesquisas filtradas, esse percentual corresponde a 3,5%. Outro elemento que inferimos está relacionado à região sul do país: das cinco produções, três delas estão associadas à Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).

Nesta arquitetura representativa das produções científicas com abordagem em Etnomatemática, em que os sujeitos estão associados às temáticas relacionadas aos

9Essa diferenciação entre trabalhadores rurais sem terra e agricultores rurais fez-se necessária porque: 1) o

objeto de estudo são as práticas socioculturais dos trabalhadores rurais sem terra participantes de projetos de assentamentos rurais; 2) Durante as análises identificamos pesquisas delineadas para o trabalhador rural que não faz parte de projetos de assentamentos.

trabalhadores rurais sem terra, devido à relevância de suas pesquisas e práticas investigativas, como professora e pesquisadora, destacamos dentre os trabalhos em foco, os saberes desses trabalhadores sobre a ótica do campo da Etnomatemática na obra que se originou das suas investigações na tese de doutorado, a referenciada e intelectual Gelsa Knijnik. “Desde o verão de 1991, quando iniciei minha trajetória de pesquisa com o MST na área da Educação Matemática, segui acompanhando os processos educativos praticados por este movimento camponês [...]” (KNIJNIK, 2006, p. 18).

A estratégia definida para identificar a produção científica brasileira em Etnomatemática, não foi o suficiente para incluir o trabalho de pesquisa doutoral da pesquisadora. No entanto, é imprescindível considerar a importância dos seus trabalhos para o aprofundamento e compreensão do quanto a Etnomatemática pode contribuir para o processo de interlocução entre os saberes das práticas cotidianas e os saberes ditos eruditos. Faz-se necessário, uma abordagem não simplista, mas significativa para a pesquisa em construção.

Na obra intitulada “Educação Matemática, Cultura e Conhecimento na luta pela terra” resultado de uma releitura e reedição da obra que se originou da tese de doutorado defendida em 1995, a autora trata brilhantemente os entrelaçamentos entre os saberes populares e acadêmicos. O texto apresenta como eixo central, a descrição e análise de uma experiência na qual a própria autora denomina de “Abordagem Etnomatemática”, com um grupo de professoras e professores leigos, integrantes de uma turma do curso de magistério vinculada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, no município de Braga a 600 quilômetros da capital Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul.

A experiência refere-se às inquietações dos próprios docentes/alunos do curso sobre as práticas socioculturais presentes em suas vidas cotidianas. A pesquisadora opta por apresentar na obra um recorte do seu trabalho enquanto docente e formadora, cujo trabalho é feito em torno de duas práticas acordadas com os sujeitos envolvidos: a cubação da terra e a cubagem da madeira. A pesquisa apresenta características de uma etnografia, visto que “a pesquisa empírica foi planejada, envolvendo procedimentos e métodos que buscaram compatibilizar técnicas etnográficas, [...] com um processo pedagógico específico na área da matemática” (KNIJNIK, 2006, p. 19).

Na obra a autora além de tratar das interfaces e convergências produzidas pelos saberes populares e acadêmicos, permite-nos reflexões também sobre a luta pela terra no Brasil, os caminhos percorridos pelo MST e sua proposta educacional: “Os Sem Terra, sim, educam a si mesmos na luta – nas ocupações, nas marchas, em seus modos de organizar os

assentamentos, por meio de suas místicas e outros artefatos culturais” (ibidem, p. 36). A análise é feita a partir dos conhecimentos das professoras e professores sobre os processos de cubação da terra e a cubagem de madeira, os elementos desencadeadores emergidos de suas práticas, chamados pela autora de “saberes populares” e destaca de forma a não subordinar essas matematizações diante da racionalização da academia, permitindo aos docentes e assentados uma compreensão além das fronteiras, sem a pretensão de sobreposição entre os conhecimentos.

No contexto do trabalho pedagógico que desenvolvi com o grupo, [professoras e professores do curso de magistério] houve, de fato, dois lados: o primeiro constituído pelos saberes populares – produzidos e produtores do “mundinho da gente” [cotidianos dos assentados e acampados]; o segundo, formado pelos saberes cientificamente e socialmente legítimo, usados pela academia na cubação da terra, cujo aprendizado permite “ver mais longe” [compreender além das fronteiras], (KNIJNIK, 2006, p. 95).

Por meio da busca de convergências, elos e conexões entre esses saberes e as racionalidades de campo e a racionalidade erudita, de forma reflexiva e respeitosa, a autora permite-nos caminhar sobre a Etnomatemática e seu percurso histórico por meio de diversos interlocutores nacionais e internacionais. Discute ainda, do ponto de vista sociológico, questões relativas à cultura e suas conexões com a pedagogia. E por fim, analisa a inserção social dos sujeitos envolvidos, enquanto intelectual da área de Educação Matemática: “é preciso clarificar o significado que estou dando à expressão intelectual no contexto deste trabalho. Trata-se de falar sobre mulheres e homens que desempenham socialmente a função de intelectual” (ibidem, p. 195).