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CAPÍTULO

SABERES EM SALA DE AULA

O texto ao lado, remete-nos ao ano de 1874, Vila de Fagundes, comarca de Ingá, Paraíba, Brasil.

É dia de feira, as ruas estão cheias de gente, vendendo e comprando todo tipo de coisa. Mandioca, feijão, arroz, batata-doce, mangas, melões, farinha, carne-seca, ovos, galinhas. Panelas de barro, canecas de folha- de-flandes, cestos, redes, selas, esteiras, gaiolas. Peles de cabra e carneiro, couro de boi, panos de algodão, cordas de couro, botões, linhas, agulhas, sandálias, chapéus. Monteiro (1995, p. 3).

Temas Geradores: agricultura, comércio,

meio ambiente.

Habilidades Questões Conteúdos

- Compreender a espacialidade e temporalidade dos fenômenos históricos e geográficos em suas dinâmicas e interações.

O ambiente descrito no texto refere- se a um cenário que culminou com uma revolta em alguns estados do Nordeste brasileiro, que dentre outras reivindicações, destacou-se por não aceitar as mudanças impostas pelo governo Imperial para o sistema de pesos e medidas. Quais foram esses estados brasileiros e qual a revolta o texto faz referência?

- História do Brasil - Geografia do Brasil - Estabelecer relações entre o contexto histórico e as relações de trabalho.

A Feira de Caruaru é considerada Patrimônio Imaterial do Brasil e ainda por cima tem o título de maior feira livre do país. As feiras são importantes espaços para o trabalhador e trabalhadora do campo comercializar diversos produtos, destacam-se ainda, por evitar a ação dos chamados atravessadores. Os produtos mais comercializados em feira no Califórnia são: hortaliças (cheiro verde, alface e couve), fava, feijão, macaxeira. A produtividade de fava corresponde no máximo a 02 sacos de 60 kg por linha de

- História do Brasil - Matemática - Ciências

plantio. Na feira é vendida em litros, é possível saber a quantos litros corresponde essa produtividade? - Compreender o

papel das ciências naturais e humanas nos processos de produção e no desenvolvimento econômico e social.

Uma linha de roça para o plantio no assentamento corresponde a uma quadra, de lados (paredes) com medida igual a 25 braças. Considerando que a medida da braça corresponda a 2,20 metros, qual a área dessa superfície em metros quadrados? - História - Matemática - Ciências - Realizar medidas usando padrões e unidades não convencionais ou de outros sistemas de medida dados.

Na comunidade de Califórnia, o uso da medida agrária utilizada são o alqueire mineiro (não oficial) e o hectare. Onde 01 alqueire corresponde a 4,84 ha. Um assentado que foi contemplado com uma área de 30 hectares, terá quantos alqueires mineiros?

- História - Matemática - Ciências Agrárias Compreender os elementos culturais que constituem as identidades. As atividades descritas na problematização inicial acontecem pelo menos uma vez por semana no assentamento Califórnia, onde os trabalhadores e trabalhadoras se deslocam até a feira mais próxima para comercializar o excedente da sua produção. Segundo levantamento do INCRA/PRA para cada linha de roça cultivada de feijão obtém-se no máximo 02 sacos de 60 kg de feijão, mantendo-se essa média, quantas sacas serão obtidas no cultivo 16 linhas de plantio?

- História - Matemática - Ciências - Geografia Produzir bons juízos; estabelecer relações adequadas entre ideias e entre juízos; inferir, isto é, “tirar” conclusões.

Há experts reconhecidos na comunidade por saberem resolver problemas práticos; há crianças reconhecidas, mais ou menos, competentes na sua aprendizagem; Cruz (2001, p. 17)

Diante do exposto:

Na investigação o “expert” é aquele indivíduo que apresenta capacidade de resolver situações problemas emergidas de uma prática sociocultural e que muita das vezes esse conhecimento foi adquirido pela observação da natureza, experiência, na convivência família e também pelo sistema escolar. Diante do exposto:

- Educação Matemática - Etnomatemática - Filosofia

Aqui no assentamento têm expert? Fonte: Arquivo do autor/2014.

Este recorte em forma de problematização é resultado de um processo de diálogo num primeiro momento com os o assentados na busca da compreensão de um olhar externo ao processo educacional ofertado pela escola do assentamento, e ao mesmo tempo interno, no que diz respeito às práticas emergidas e aqui apresentadas. Concomitantemente com outros olhares, como os dos quatro professores que trabalham com conteúdos de matemática na referida escola, partindo de uma dimensão interna (escola e práticas docentes) para uma externa que buscar a identificação das efervescências sociais, culturais e históricas dos sujeitos que protagonizam essa dinâmica, os assentados.

Ao iniciar o seminário32, fez-se necessário retomar alguns questionamentos que emergiram durante as entrevistas e aplicação dos questionários. Principalmente sobre temas como a Etnomatemática e a Educação Matemática. Após esse momento, abrir diálogos sobre a cadeia produtiva do assentamento nas dimensões sociais, econômicas, culturais, ambientais e políticas.

Outra abordagem de minha iniciativa foi colocar em pauta o papel da comercialização dos excedentes dessa produção em feiras, programas de aquisição de alimentos e no próprio assentamento, bem como as mais variadas formas de mensurar essa produção e sistemas de unidades de pesos e medidas.

O interessante é que não nos prendemos apenas em um olhar matemático e sim interdisciplinar, seguindo as análises de Morin (2014)33, de que “os professores precisam sair de suas disciplinas para dialogar com outros campos de conhecimento”. Com isso, a atividade apresenta temáticas que perpassam o conhecimento de História Geral e do Brasil, Geografia, Ciências (Biologia, Física, Química), Ciências Agrárias, Educação Matemática, Etnomatemática, Filosofia e Matemática, em que além de buscarmos uma compreensão do local, não podemos fragmentá-lo diante de um contexto global. E as efervescências que acontecem no local, partindo da importância do pensamento sociocultural, onde ocorrem às primeiras metamorfoses da construção do saber das práticas socioculturais, são um abre alas para o conhecimento científico e institucionalizado na figura do corpo docente e para os

32O papel do seminário consiste em examinar, discutir e tomar decisões acerca do processo de investigação. O

seminário desempenha também a função de coordenar as atividades dos grupos, pois [...] o seminário centraliza todas as informações coletadas e discute suas interpretações, conforme explicita Thiollent (2011, p.67).

demais agentes envolvidos e representados pelo ambiente escolar, ora, aqui representado pela escola do Antônio de Assis.

Nas reflexões de Radford (2011), “o pensamento é um tipo de prática social” e completa considerando o pensamento como “uma reflexão mediada de acordo com a forma ou o modo de atividade dos indivíduos”. Em outras palavras o pensamento é fruto de um saber emergido das relações socioculturais. Assim, apresento os objetivos delineados para o primeiro seminário.

 Caracterizar as principais racionalizações emergidas das práticas dos trabalhadores e trabalhadoras do assentamento que possibilitem diálogos com os saberes escolares: comercialização dos excedentes em feiras; eventos históricos, geográficos envolvendo feiras e sistemas de pesos e medidas;

 Identificar elementos matemáticos por meio das práticas dos trabalhadores e trabalhadoras do assentamento: medidas agrárias não oficiais (alqueire mineiro e linha de roça); espaçamento no plantio e estimativa de produtividade ( diálogo em braças e metros).

 Estabelecer tangenciamentos adequados entre a matemática emergida dos saberes das práticas e a matemática escolar articulados com outras áreas do conhecimento pelo viés da Etnomatemática.

Apresentados as primeiras problematizações e seus objetivos, deu-se início ao debate sobre as questões de forma pontual. Ao falarmos da importância da comercialização dos excedentes da cadeia produtiva do assentamento em feiras, sugiram vários questionamentos tanto por parte dos assentados, quanto dos professores presentes. Recortando as principais: como trabalhar esses conteúdos com as crianças nas séries iniciais? (profa. Lídia); como converter alqueire para hectare? (seu Miron); aqui na comunidade seu Miron costuma ser procurado para fazer cubação de terra, ele é um expert? (dona Flor); o papel das feiras livres possibilita aos trabalhadores daqui uma comercialização mais rentável, como poderíamos trabalhar esses valores com os nossos alunos? (prof. Ari);

Esses primeiros questionamentos proporcionaram momentos de efervescências no seminário. A princípio, procurei deixá-los à vontade para empreender respostas e opinião para que pudessem minimizá-las ou exauri-las por meio de seus próprios olhares. O quadro a seguir apresenta algumas dessas contribuições, pontuando cada um desses questionamentos iniciais.

Quadro 8 – Síntese: descortinando práticas e saberes em sala de aula

Tema gerador Saberes e práticas no assentamento

Problematizações e Diálogos