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O CURRÍCULO E A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

1 A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

1.3 O CURRÍCULO E A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

Entendemos que o currículo como construção social e coletiva oriunda da ação intencional e educativa fundamentada em concepções teórico-metodológicas, atrelando aspectos econômicos, políticos, culturais e sociais, materializado pelo trabalho pedagógico e por meio da organização do conhecimento, dos saberes da experiência em espaços e tempos, é o que respeita o processo de aprendizagem de cada aluno e propicia prática pedagógica coerente com as demandas da sociedade do conhecimento.

Emerge dessa visão o valor da articulação entre os saberes da experiência, da prática, do conhecimento culturalmente acumulado, sustentados no princípio de que o fim maior da educação é a formação humana. Nessa ótica, currículo anunciado é um instrumento político, cultural e científico, fruto da construção coletiva, tendo como meta a dignidade humana. Entre os autores que analisam currículo destacamos: Silva (2007), Gimeno Sacristán (2000), Hamilton (1992) e Goodson (1997). Tomás Tadeu da Silva compreende que depois das teorias críticas e pós-críticas o currículo adquire novos significados que ultrapassam a visão das teorias tradicionais. Segundo o autor,

O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade (SILVA, 2007, p.150).

Conforme Gimeno Sacristán, o currículo é construção social que expressa a relação sociocultural e se efetiva mediante prática que agrega outras, entre as quais a pedagógica, realizada nas instituições escolares.

O currículo é uma práxis antes que um objeto estático emanado de um modelo coerente de pensar a educação ou as aprendizagens necessárias das crianças e dos jovens, que tampouco se esgota na parte explícita do projeto de socialização cultural nas escolas. É uma prática, expressão, da função socializadora e cultural que determinada instituição tem, que reagrupa em torno dele uma série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se encontra a prática pedagógica desenvolvida em instituições escolares que comumente chamamos ensino (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p.15-16).

Oficialmente, sobre esse assunto, o Parecer n. 07/2010 (BRASIL, 2010a), do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB) trata das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (DCNEB, BRASIL, 2010b), que acentuam o caráter polissêmico da palavra currículo e chamam atenção para a influência exercida pelos fatores socioeconômicos, políticos e culturais que têm interferido na concepção, na organização de currículo. Explica-se currículo como as “[...] experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes com os conhecimentos historicamente acumulados e contribuindo para construir as identidades dos educandos” (BRASIL, 2010a, p.64; BRASIL 2010b, p.4-5). Por esse prisma, assume-se a visão de currículo como a totalidade das atividades implementadas pela escola no campo pedagógico, cuja intenção é a organização efetiva do processo educativo.

A prática curricular direcionada à sociedade atual enfatiza para a educação infantil um currículo por eixos que promova a articulação entre os saberes da experiência, das vivências das crianças, com destaque para cuidar e educar, e dos conhecimentos culturalmente acumulados, considerando as especificidades das crianças da educação infantil. Em relação ao ensino fundamental o currículo considera os saberes da experiência trazidos pelos alunos, fruto da vivência e convivência numa determinada comunidade e sua articulação com os conhecimentos sistematizados apresentados, trabalhados pela escola. Disso decorre o desafio de identificar, conhecer o que seja a realidade do aluno bem como os saberes escolares, isto é, “criar situações que provoquem nos estudantes a necessidade e o desejo de pesquisar e experimentar situações de aprendizagem como conquista individual e coletiva, a partir do contexto particular e local, em elo com o geral e transnacional” (BRASIL, 2010a, p. 34). No ensino médio o currículo pressupõe articulação entre trabalho, ciência e cultura, competências e habilidades. Destaca trabalho, ciência e cultura como dimensões que se associam às tecnologias a serviço da produção humana, bem como a interdisciplinaridade e a contextualização.

Assim, o currículo do Ensino Médio deve organizar-se de modo a assegurar a integração entre os seus sujeitos, o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura, tendo o trabalho como princípio educativo, processualmente conduzido desde a Educação Infantil (BRASIL, 2010a, p.35).

Dias (2010) compreende que o currículo vivo é a elaboração mais coerente com a realidade vivenciada no início do século XXI, cujas tecnologias da comunicação e informação (TIC) se caracterizam pela mobilidade e ubiquidade. Mobilidade é o movimento do corpo entre espaços, entre localidades, entre espaços privados e públicos. A mobilidade é vista como a principal característica das tecnologias digitais (LEMOS, 2009). Segundo Dias (2010), ubíquo e ubiquidade significa estar presente ao mesmo tempo em toda parte. Dessa forma, os dispositivos móveis geram a mobilidade. Os dispositivos móveis, por sua vez, permitem a ubiquidade. Isso é possível através da rede mundial, a internet, que proporciona acesso ao ambiente computacional do usuário, ao espaço ubíquo do usuário em lugares distintos geograficamente todo o tempo, com qualquer dispositivo.

Mobilidade e ubiquação demandam novas formas de conceber espaço, tempo e aprendizagem, constituídas e assentadas no diálogo, interação e inclusão, viabilizadas pelas tecnologias. “Cada vez mais é exigida a manifestação dos sentidos humanos – a audição, a visão, o tato, a emoção, a voz... – no envolvimento e na compreensão das mensagens multimidiáticas de acordo com o interesse e a sensibilidade dos interlocutores” (KENSKI, 2008, p. 44).

Esse panorama das tendências contemporâneas a ser incorporadas pelo currículo escolar mostra que ele comporta contradições e conflitos. Segundo Hamilton (1992) e Goodson (1997), efetiva-se como um “artefato histórico e cultural”, no sentido de depender das variações, das mudanças que ocorrem no contexto social, que reproduz e também transforma a cultura. Nessa perspectiva, o currículo torna-se mecanismo que potencializa mudanças, uma vez que propicia às pessoas discutir crenças, quebra dogmas, reavalia padrões e promove questionamentos fomentando uma transformação em face da investigação do novo. Isso poderá acontecer em virtude de ser a educação um ato contínuo de reconstrução, o qual sugere que qualquer trabalho venha a ser tão somente um mapa de orientação, não garantindo um caminho uniforme e seguro, desprovido de desafios. Para tal, é preciso rever as práticas convencionais realizadas na escola. “É indispensável que os processos de ensino ajudem os alunos a se apropriar dos instrumentos e meios intelectuais necessários ao exercício da indagação crítica” (FREITAS, 2009, p.236).

Percebe-se a importância de assumir e incorporar as demandas advindas da sociedade do conhecimento, realizando estudo sobre a viabilidade e o modo como a escola deve trabalhá-las. No currículo, essas questões se materializam na nossa percepção, crença, valores, ideologia, visão política, cultural, entre outros componentes que permeiam a prática educativa, o que implica olhar, de forma contínua, a prática pedagógica, exigindo a compreensão de que “olhar é, ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si. Porque estamos certos de que a visão depende de nós e se origina em nossos olhos, expondo nosso interior ao exterior, falamos em janelas da alma. [...] Ver é olhar para tomar conhecimento e para ter conhecimento” (CHAUÍ, 1997, p.33-35).

O que se espera é que o conhecimento da experiência do estudante passe a ser compreendido e explicitado pelo conhecimento escolar. Ao tomar o conhecimento da experiência e utilizá-lo para compreensão da realidade do educando, realiza-se uma síntese do conhecimento singular de cada aluno e o confronta com o conhecimento culturalmente acumulado. Recorremos a Freire (1992) para justificar esse nosso entendimento, pois reconhecemos que o autor, ao tratar da educação libertadora, nos mostra que é a partir dela que podemos incorporar à prática pedagógica à realidade do aluno. Ao identificarmos o nível de percepção do estudante sobre o mundo que o cerca, sua realidade imediata, torna- se possível organizar e trabalhar um conteúdo libertador, porque esse conhecimento do dia a dia vai sendo inserido em totalidades mais abrangentes, mostrando as relações dessa realidade local com outras dimensões regionais, nacionais, continentais, planetárias e nas perspectivas social, política, econômica que se interpenetram. “A localidade dos educandos é o ponto de partida para o conhecimento que eles vão criando do mundo. ‘Seu’ mundo em última análise é a primeira e inevitável face do mundo mesmo” (FREIRE, 1992, p. 86). O educador acrescenta: “Nunca, porém, eu disse que o programa a ser elaborado [...] deveria ficar absolutamente adstrito à realidade local” (FREIRE, 1992, p.86-87).

Com essa compreensão, consideramos que a bagagem de experiência do aluno é superada no sentido de ser tomada como ponto de partida para a construção do conhecimento que vai além, extrapola a experiência. Entretanto, isso pouco acontece na prática pedagógica. O professor não consegue sair da intenção devido às limitações oriundas da formação, à quantidade de trabalho que lhe é imposta, além de salas de aula com número excessivo de alunos.

Isso exige dos educadores novas competências para a programação do trabalho pedagógico. Faz-se necessária a consciência da realidade em que estamos inseridos e da nossa condição de sujeitos participantes e atuantes desse contexto (FREIRE, 2002). Cabe a nós, professores, repensar a relação estabelecida com os alunos.

Não podemos ser ingênuos e acreditar que uma mudança curricular se estabelece por decreto. É um processo que envolve escolhas, requer planejamento, formação. “Há necessidade de aproximação da lógica dos discursos normativos com a lógica social, ou seja, a dos papéis e das funções sociais em seu dinamismo” (BRASIL, 2010a, p.8). Nessa perspectiva, Arroyo (1999) alerta acerca da formação dos professores para implantação de mudanças no âmbito do currículo escolar.

Não se implantarão propostas inovadoras listando o que teremos de inovar, listando as competências que os educadores devem aprender e montando cursos de treinamento para formá-los. É [...] no campo da formação de profissionais de Educação Básica onde mais abundam as leis e os pareceres dos conselhos, os palpites fáceis de cada novo governante, das equipes técnicas, e até das agências de financiamento, nacionais e internacionais (p.151).

Em face das opiniões sobre a realidade atual de que o mundo parece ser ora homogêneo, ora heterogêneo, entre as tarefas que surgem para a escola e, em particular, para o professor, está a de buscar e usar as informações que fundamentam o processo de ensino e de aprendizagem. A informação precisa ser trabalhada tendo em vista tanto o objetivo que leva o professor e o aluno a utilizá-la como a finalidade dessa utilização.

Diante desse quadro, que políticas darão conta de tais demandas? Ao tratar das implicações advindas da sociedade do conhecimento no âmbito das políticas públicas que se criam, Ball (2001) apresenta as expressões “convergência de políticas”, “transferência de políticas” e “empréstimos de políticas” para falar do papel do Estado-Nação ante suas políticas específicas, que, segundo o autor, estão desaparecendo de forma gradual e repercutem de modo significativo nos campos econômico, social e educativo. Destaca que esses campos são conduzidos rumo a uma concepção única de políticas que assumem o caráter de “políticas para a competitividade econômica” em detrimento das questões sociais da educação.

À luz desses argumentos, a educação parece condicionada aos aspectos econômicos, num contexto em que as habilidades são o fio condutor, o “princípio orientador e integrador” do projeto educativo. O que nos leva a refletir sobre a importância

e necessidade de as “políticas nacionais serem compreendidas como o produto de um nexo de influências e interdependências que resultam numa interconexão, multiplexidade e hibridização” (AMIN, 1997, p.129), compreendidas como a “combinação de lógicas globais, distantes e locais” (AMIN, 1997, p.133).

Essa situação conduz ao que tanto tem sido propagado: a “unidade na diversidade”. Ao falar sobre isso, Ball (2001) lembra que os sistemas educativos receberam influência e estão centrados ou no modelo europeu, cuja característica é estar centrado no Estado, ou no modelo anglo-americano, calcado nas tradições liberais e no mercado. Para Apple (1996), tal questão nos incita a pensar na especificidade das diferentes práticas, assim como nas formas de unidade articulada que elas constituem. Nessa vertente são instituídas políticas públicas voltadas à inserção das tecnologias no espaço escolar.