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1 A SOCIEDADE DO CONHECIMENTO: TRANSFORMAÇÕES SOCIAIS

2.1 PRÁTICA PEDAGÓGICA E CURRÍCULO

Essas considerações acerca da prática pedagógica se inserem no currículo escolar que tem uma intencionalidade. Pacheco (2001) corrobora esse entendimento. E considera que essa se expressa no movimento contínuo efetivado pela comunicação que representa as conquistas e a trajetória da humanidade, legitimado pelos significados construídos pela ação do homem, transformados em patrimônio social.

O autor salienta que o currículo pode ser tratado como “uma sequência ordenada, e como noção de totalidade de estudos” (PACHECO, 2001, p.15 e 16). E o compreende como “uma prática pedagógica que resulta da interação e confluência de políticas, administrativas, econômicas, culturais, sociais, escolares, na base das quais existem interesses concretos e responsabilidades compartilhadas” (PACHECO, 2001, p.20). Apple (2000) também enfatiza a intencionalidade e o permanente processo de reconstrução do currículo.

Os princípios do Projeto UCA preconizam que o currículo tem a finalidade de cuidar, educar e preparar o ser humano para uma vivência e convivência com seus pares de modo mais humano, no sentido do respeito à alteridade e aos ideais de democracia, participação e justiça social, pois a vida não se dá de forma fragmentada, ela constitui um conjunto articulado de saberes e fazeres.

Dessa forma, o currículo fundamenta-se na práxis iluminada pela ação e reflexão com vistas à solidariedade. “Práxis na qual a ação e a reflexão, solidárias, se iluminam constante e mutuamente. Na qual a prática, implicando na teoria da qual não se separa, implica também numa postura de quem busca o saber, e não de quem passivamente o recebe” (FREIRE, 2006, p.80). Nessa ótica, “a comunicação verdadeira não nos parece estar na exclusiva transferência ou transmissão do conhecimento de um sujeito a outro, mas em sua co-participação no ato de compreender a significação do significado. Esta é uma comunicação que se faz criticamente” (FREIRE, 2006, p.70), que faz uso da racionalidade comunicativa, organização participativa, democrática e coletiva com interesse emancipatório.

Desse modo, o currículo integrado às tecnologias é aquele da era digital, que demanda aos professores competência técnica e pedagógica. A perspectiva técnica auxilia na construção da pedagógica. Juntas, propiciam ao professor pensar sobre mudança nas

atividades que realiza. “A integração de tecnologias ao currículo abre novos horizontes em relação à flexibilização de hierarquia espaçotemporal, dos tempos e espaços da escola, potencializando novas formas de aprender, ensinar e lidar com o conhecimento” (ALMEIDA; VALENTE, 2011, p.19). “Há quem considere as tecnologias como recursos neutros e sua integração ao currículo como a transposição do conteúdo que faz parte do currículo oficial para uma nova mídia”(ALMEIDA; VALENTE, 2011, p.29). Ao fazerem isso, desconsideram que mesmo tendo um currículo prescrito, é no cotidiano da prática que professores e alunos dão existência ao currículo.

Considerando esses apontamentos, a inserção e o acesso às tecnologias não são garantias para o sucesso; este se origina do esforço intelectual de tomar o objeto para si e decifrá-lo em busca do inédito viável. “O ‘inédito viável’ é, pois, uma categoria que encerra nela mesma toda uma crença no sonho e na possibilidade da utopia. Na transformação das pessoas e do mundo. É, portanto, tarefa de todos e de todas”. (ARAÚJO FREIRE, 2010, p.226).

Nessa vertente, Damásio (2007) compreende que a tecnologia é fruto do constante processo de evolução do homem e se desenvolve por meio de acontecimentos numa sequência de fatos e/ou situações provocadas por fenômenos culturais, econômicos e sociais. Esta é alcançada por meio da cultura, que é criação do homem, assim como a tecnologia. Cultura é o processo dinâmico de socialização, no qual crenças, valores, costumes, leis, moral, línguas, etc., que dão sentido ao mundo, se comunicam e “[...] se impõem em determinada sociedade, seja pelos processos educacionais propriamente ditos, seja pela difusão das informações em grande escala, a todas as estruturas sociais, mediante os meios de comunicação de massa” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008, p.63).

A cultura também diz respeito à capacidade do ser humano para construir e usar a linguagem. O laptop educacional é um bem cultural criado pelo homem e introduz uma linguagem. Por esse prisma, o Projeto UCA tem, em seus princípios e suas finalidades, a tecnologia, expressa não apenas no objeto físico, mas, principalmente, nas possibilidades e potencialidades de uso do laptop educacional. A educação está imersa na tecnologia. Os alunos convivem com essa realidade, são nativos digitais; os professores, em grande parte, migrantes digitais. A escola convive com os nativos e os migrantes.

Segundo Papert (2008), ao propiciar à criança um computador pessoal, ela tem a possibilidade de aprender de forma mais natural, construindo e exercendo autonomia ante a

riqueza de possibilidades que lhe é aberta. O computador é uma “máquina multimídia que pode transmitir fala, material escrito, som, vídeo, foto, e assim por diante, tudo isso em rede. Isso significa que pessoas podem interagir em redes viabilizando debates, teleconferências, trabalhos colaborativos e assim por diante” (CARVALHO, 2001, p.4).

Conforme Vieira Pinto, as máquinas com as quais convivemos e nos cercam são resultado de “um longo processo de acumulação de conhecimento a respeito das propriedades dos corpos, dos materiais e dos fenômenos da natureza” (VIEIRA PINTO, 2005a, p.72). A incorporação dessas máquinas ao cotidiano contemporâneo provoca uma ressignificação na dinâmica do tempo e do espaço, que são redimensionados. Surge o ciberespaço e a cibercultura. Segundo Lévy (2000), a palavra “ciberespaço” é de origem americana, foi empregada pela primeira vez no romance pelo autor de ficção científica William Gibson, em 1984, no romance Neuromancer. “O ciberespaço designa ali o universo das redes digitais, como lugar de encontros e de aventuras terrenas nos conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural” (LÉVY, 2000, p.104). Não é possível ignorar a repercussão e o papel que eles têm na sociedade: o de serem portadores e viabilizadores de informação, comunicação e aprendizagem. Lévy (1999) afirma:

A cibercultura é a expressão da aspiração de construção de um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre relações institucionais, nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião em torno de centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre processos abertos de colaboração. O apetite para as comunidades virtuais encontra um ideal de relação humana desterritorializada, transversal, livre. As comunidades virtuais são os motores, os atores, a vida diversa e surpreendente do universal por contato (LÉVY, 1999, p. 130).

Nessa perspectiva, Valente (2007) enfatiza a leitura não apenas de textos, mas de imagens, sons, gestos, movimentos. Identifica diferentes tipos de letramentos necessários ao trabalho com as tecnologias, como a digital (emprego das tecnologias digitais), a visual (uso das imagens), a sonora (com base nos sons), a informacional (busca crítica da informação). Segundo Lévy (1999, p. 56), letramento presente no hipertexto “um texto móvel, caleidoscópio, que apresenta suas facetas, gira, dobra-se e desdobra-se à vontade frente ao leitor”. A internet móvel aproxima o homem do desejo de ubiquidade fazendo emergir uma nova cultura telemática, com novas formas de consumo de informação e com novas práticas de sociabilidade. “Hoje conhecemos um novo espaço de leitura e escrita. As letras concretas e palpáveis se transformaram em bites digitais; a página em branco é o

campo do monitor; a pena é o teclado e há uma estranha separação entre o nosso corpo, real, e o texto, virtual” (RAMAL, 2002, p. 65).

Costa argumenta que Vannevar Bush, Ted Nelson e Douglas Engelbar, nas suas percepções de visionários em meados do século XX, já percebiam que as tecnologias de informação e comunicação (TIC) exerceriam forte influência na vida das pessoas. Seriam o “principal meio de arquivo, transferência ou pesquisa de informação e de comunicação, direta ou indireta” (COSTA, 2004, p.19), independentemente da condição e o local onde estivessem, faria parte do cotidiano das pessoas sendo que sua utilização seria incorporada à rotina das empresas, instituições e locais de trabalho.

Inserido no dia a dia das pessoas, até mesmo em lugares de difícil acesso por meio de LAN house, atualmente o computador não é desconhecido para os alunos. Mesmo os que habitam regiões periféricas, compreendem até os termos que não estão em língua portuguesa. Acessam a internet, participam do Orkut, do Facebook e têm amigos de lugares distantes, inserem fotos, recados, seu perfil, gostos, preferências e falam sobre a vida. Enfim, fazem contato com o mundo. “Verticais e descontínuos, móveis, as imagens e os textos digitalizados a partir da conversão das informações em bites, têm seu próprio tempo e seu próprio espaço” (KENSKI, 2008, p.38). Cotidianamente, as transformações vão sendo inseridas na sociedade. Modificam-se as relações sociais, convivemos atualmente com o home banking, cartões inteligentes, voto eletrônico, pages, palms, celulares com TV digital. Todas são conquistas e representam interações possíveis que o computador e a internet favorecem.

As tecnologias de informação e comunicação, notadamente o computador portátil presente na escola, dependendo da forma como são compreendidas, podem reforçar as exigências em relação às práticas pedagógicas. "Como as tecnologias são instrumentos simbólicos, é possível que sejam introduzidas ao currículo de modo descontextualizado, sem questionamento crítico" (ALMEIDA; VALENTE, 2011, p.30). Essa situação endossa e reforça a lógica do currículo prescrito, que ignora o professor e o insere numa perspectiva tecnicista do ensino. Nesse caso, o educador executa o que é produzido por outros, exige do aluno o cumprimento do que está proposto, legitimando práticas corriqueiras, fortalecendo a “hierarquização da sociedade” (ALMEIDA; VALENTE, 2011, p.30). Consideramos que a prática pedagógica em sintonia com o uso das TIC converge para o conceito de currículo como construção social.

O uso pedagógico das tecnologias de informação e comunicação chama atenção da comunidade escolar; provoca o questionamento do currículo como “grade” e insinua a necessidade de rompimento com práticas triviais, entre elas a ideia de “pré-requisitos”. Numa linguagem metafórica, os conteúdos podem ser dispostos sem o pressuposto de serem dados em pequenas “doses” ou “capítulos”. Ao contrário, o currículo

se desenvolve na reconstrução desse conteúdo prescrito nos processos de representação, atribuição de significado e negociação de sentidos, que ocorrem primeiro no momento em que os professores elaboram o planejamento. Num segundo momento, este currículo é ressignificado na ação, momento em que o professor altera o planejado com a prática pedagógica em virtude das demandas emergentes de seus alunos (ALMEIDA; VALENTE, 2011, p. 14-15).

Apresentadas as considerações sobre a prática pedagógica e o currículo, passamos a tratar da prática pedagógica no espaço escolar.