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4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS:

7.1 O CURRÍCULO E A PRODUÇÃO DA HETERONORMATIVIDADE NA ESCOLA

Neste capítulo, foram privilegiadas as narrativas dos/as profissionais da educação que emergiram acerca das diversidades sexuais na escola. Tais narrativas representam o resultado de experiências vividas pelos/as cursistas bem como das discussões realizadas ao longo do curso. Cabe ressaltar que essas experiências foram vivenciadas por esses sujeitos em suas práticas escolares, levando-se em consideração que os currículos praticados são construções culturais que regulam e produzem as identidades dos sujeitos a partir de uma norma: a heteronormatividade

(CAETANO, 2009).

Segundo Caetano (2009), currículo praticado são “as ações escolares e as tecnologias (arquitetura, livros didáticos, vestimentas, etc.) que significadas na cultura ensinam e regulam o corpo produzindo subjetividades e arquitetando formas e configurações de viver na sociedade” (p. 3). Em sua pesquisa, o autor utilizou o conceito de currículo praticado para pensar as práticas de sujeitos considerados desviantes (homossexuais, gays, lésbicas e transexuais) no espaço da escola e relatou experiências desses sujeitos que desordenavam as expectativas marcadas culturalmente pela heteronormatividade nos corpos dos homens e das mulheres, que é a lógica representada pela escola.

Nesse sentido, pensando que o currículo está articulado a uma complexidade de problemas e a uma determinada construção sociocultural e histórica, Caetano (2009) problematizou os significados atribuídos à identidade sexual desses sujeitos (professores/as de escola pública) nas suas práticas escolares e que imposições culturais foram incorporadas ou resistidas para que eles/as pudessem pertencer ao grupo de docentes. A partir do entendimento de currículos praticados, busquei analisar as narrativas dos/as cursistas sobre a diversidade sexual na escola.

Para Moreira e Candau (2007), o currículo compreende as experiências escolares que se desdobram em função dos conhecimentos, em meio a relações sociais e que contribuem para a construção das identidades dos sujeitos. Nessa direção, o currículo não pode ser pensado apenas como conhecimento escolar que

deve ser tratado e ensinado pedagogicamente pela escola e aprendido pelos/as alunos/as, mas como um conjunto de experiências vivenciadas e significadas na escola por todos os sujeitos que dela fazem parte. Assim, deveria ser questionado em que sentido alguns conhecimentos são considerados válidos e outros não e que relações de poder determinariam quais conhecimentos deveriam fazer parte dos currículos e quais deveriam ser excluídos.

No entanto, Silva (2007) destaca que poder e conhecimento não se opõem, mas são mutuamente dependentes; assim, o currículo não pode ser compreendido sem uma análise das relações de poder nas quais ele está envolvido, considerando que o poder está descentrado, espalhado por toda a rede social. Por esse viés, nos currículos, passaram a ser enfatizadas as conexões entre significação, identidade e poder, além dos processos de formação pelos quais nós nos tornamos o que somos. Nesse processo de formação, o sujeito moderno que tinha uma identidade única e estável, fragmentou-se devido às mudanças estruturais e institucionais. Não existe mais uma identificação única com os lugares objetivos que ocupávamos no mundo social e cultural; a identidade do sujeito pós-moderno tornou-se uma celebração móvel que é constantemente formada e transformada de acordo com as formas pelas quais somos representados/as ou interpelados/as pelos sistemas culturais que nos rodeiam (HALL, 2006).

Dentre as inúmeras possibilidades identitárias, a escola e o currículo vão estabelecendo uma posição central como a normal, a correta e a padrão. Nesse sentido, segundo Louro (2003), as práticas curriculares exercem uma função de afirmar e reafirmar uma universalidade imutável, esquecendo seu caráter construído e concedendo-lhe um caráter natural. Com isso, os sujeitos e práticas culturais que não ocupam o lugar central são considerados excêntricos, desviantes, diferentes, e quando não, são simplesmente excluídos dos currículos, assumindo uma posição do exótico, do alternativo, do acessório.

A partir daí, poderíamos questionar quais seriam os espaços da escola apropriados para se falar em sexualidade, mas muitas vezes, não percebemos que os cotidianos das escolas estão repletos de pedagogias de sexualidade e de gênero. Indagamos o que deveria ou não constar no currículo, mas esquecemos que “as marcas mais permanentes que atribuímos às escolas não se referem aos conteúdos programáticos que elas possam nos ter apresentado, mas sim se referem a situações do dia-a-dia, a experiências comuns ou extraordinárias que vivemos no

seu interior, com colegas, com professoras e professores. As marcas que nos fazem lembrar, ainda hoje, dessas instituições têm a ver com as formas como construímos nossas identidades sociais, especialmente nossa identidade de gênero e sexual” (LOURO, 2001, p.18-19).

Atualmente, fala-se que existem muitas formas de se viver os gêneros e a sexualidade e que, nas instituições em geral, a posição socialmente aceita e pedagogicamente recomendada é a de respeito e tolerância para com a diversidade e a diferença. No entanto, Silva (2000) salienta que deveria ser problematizado se realmente essas questões da identidade e da diferença se esgotam nessa posição liberal e, assim, nos fazer pensar que a nomeação do diferente é necessária, sobretudo, para que possa ser reforçada a existência de um padrão considerado normal.

Para Canguilhem (2002), a norma foi instituída como uma produção discursiva que surgiu na emergência das relações sociais, a fim de organizar e controlar a sociedade. Logo, os desafios que se apresentam, atualmente, nos diferentes espaços sociais é o de assimilar os sujeitos que escapam à norma, mediante quadros de referência do sujeito padrão, na tentativa da manutenção de formas educacionais tradicionais.

Foucault, em seu Curso no Collège de France de 1975, traçou uma genealogia sobre os anormais a partir da emergência discursiva desse conceito, correlacionando-a ao processo de normalização estabelecido pelas instituições sociais, através de mecanismos de saber-poder, a fim de articular mecanismos disciplinares e regulamentadores sobre os corpos e sobre a população (VEIGA- NETO, 2005). E embora, como afirma Canguilhem (2002), não exista um fato normal ou patológico em si mesmo nem tampouco uma relação de contradição ou exterioridade entre eles, foi dada a diversas instituições tais como a escola, a medicina, a psiquiatria e a família um autorizado poder de comparação, através da norma, dos indivíduos.

Para Foucault (2001), dentre os saberes autorizados a falar a verdade sobre a sexualidade, tais como o jurídico, o médico e o religioso, o saber articulado pela escola funcionou, ao longo do tempo, como uma prática permanente de disciplinamento e correção dos corpos que escapavam à norma.

A escola, ao constituir-se como espaço de correção e produção dos sujeitos ancorados em referências brancas, masculinas, heterossexuais e racionais,

conforme argumenta Caetano (2009), permitiu, através de suas ações, a legitimação de vários modelos de códigos e valores liberais da modernidade. Assim, baseada nas razões iluministas, a educação escolarizada deveria orientar e conduzir os indivíduos ao sentimento de autocontrole de suas paixões e conflitos individuais (considerados como atraso e desordem), em prol da solidariedade e de respeito aos interesses definidos como coletivos. Para o autor

o que é relatado em uma sociedade escriturária (a que define as regras) é fruto de seu meio e é capaz de transformar a carne (indivíduo sem as normas coletivas) em um corpo social, ou seja, aquele produzido pelas normas e regras da sociedade, portanto, aceito. Assim, a escola também assume o papel na construção desse corpo social, já que ela também “tatua” na carne as normas transformando esse em um corpo socialmente aceito (CAETANO, 2009, p.5).

Nessa perspectiva, o sujeito normal da escola é aquele considerado adequado à norma da heteronormatividade. No entanto, penso que a escola ao invés de reproduzir um Ideal pré-determinado de como é o mundo e de aprisionar o

sujeito dentro de determinados enquadramentos institucionalizados por

metanarrativas históricas, deveria promover a constante problematização frente a qualquer verdade dita.

Dessa forma, ao analisar as narrativas dos/as cursistas, busquei observar como as práticas discursivas que circulam nas instituições sociais, vão produzindo seus entendimentos sobre a diversidade sexual na escola e instituindo padrões de comportamento considerados normais e adequados aos/às alunos/as.