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4. A trajetória de institucionalização acadêmica da terapia ocupacional no Brasil: de meados

4.14 O Curso de Terapia Ocupacional na Faculdade Tuiuti

...tínhamos entre vinte dois e vinte quatro anos), era uma etapa da vida em que estávamos muito felizes em construir alguma coisa juntos, mas com poucos recursos para isso, em todos os sentidos Ana Maria Silvello Pereira (2015) (ANEXO XVI).

...o pessoal brinca que eu fui professor de todos os terapeutas ocupacionais do Paraná. Muitas pessoas me conhecem e eu tenho muita satisfação de ter participado dessa construção da terapia ocupacional… Milton Carlos Mariotti (2015) (ANEXO XVII).

Eu acho que foi muito legal, porque nós meio que descobrimos tudo, a gente se apropriava de um conteúdo novo, uma literatura nova, e naquele mesmo momento nós levávamos para uma reflexão junto aos alunos Nazaré de Andrade Monteiro (2015) (ANEXO XVIII).

135 Após inúmeras tentativas por parte dos professores e coordenadoras para agregar alunos ao curso transferindo- o para o horário noturno, ocorreu seu encerramento.

Em Curitiba, no Paraná, o curso de Terapia Ocupacional iniciou suas atividades em 1981 na Faculdade de Reabilitação Tuiuti, atual Universidade Tuiuti do Paraná (UTP), instituição privada, concomitantemente à abertura dos cursos de Fisioterapia e Fonoaudiologia (MARIOTTI, 2015).

A Faculdade de Reabilitação Tuiuti tem suas origens em um antigo curso preparatório para o Colégio Militar de Curitiba, criado pelos tenentes Sydnei Lima Santos e Waldyr Jansen de Mello, em 1958. Ao longo do tempo, esse curso preparatório tornou-se Curso Tuiuti. Em 1966, com o então tenente Sydnei já na condição de coronel, foi criada a Sociedade Educacional Tuiuti, que fundou o Colégio Tuiuti, recebendo autorização em 1973 para o funcionamento dos cursos de Pedagogia, Psicologia e Letras.

Motivados pelo nascimento de um filho com deficiência auditiva,coronel Sydney e sua esposa, Maria de Lourdes Rangel Santos, fundaram, em 1980, o Centro de Reabilitação Sydney Antônio (CRESA), destinado ao atendimento de pessoas com deficiência auditiva. A criação do CRESA gerou uma demanda por profissionais especializados em reabilitação, acarretando a necessidade de formação de mão obra especializada em Curitiba. Assim, deu-se início à tentativa de criar cursos de Fisioterapia, Terapia Ocupacional e Fonoaudiologia vinculados ao CRESA (MARIOTTI, 2015).

Por meio do Decreto Federal nº 85.734, de 17 de fevereiro de 1981, os cursos tiveram autorização para funcionamento e, assim, foram alocados na Faculdade de Reabilitação Tuiuti (NICKEL, 2007; MARIOTTI, 2015), sendo o segundo curso de Terapia Ocupacional da região Sul.

No que se refere à graduação de Terapia Ocupacional, eram oferecidas 80 vagas anuais para o curso, que tinha duração de quatro anos letivos. Ainda em 1981, deu-se início à primeira turma (PEREIRA, 2015). O currículo inicial teve por base o currículo mínimo de 1963, ainda vigente na época, sendo rapidamente adequado ao currículo mínimo aprovado em 1983.

A coordenação do curso ficou a cargo de uma terapeuta ocupacional de São Paulo, “a professora Doris Broide Fridman, ela morou em Curitiba por um tempo, era coordenadora e participou da montagem do curso” (MARIOTTI, 2015). Com o passar dos anos, o quadro de professores foi aumentando. O processo de seleção para a contratação de docente constava de duas entrevistas, uma com a coordenadora do curso e outra com o diretor da Faculdade. Em 1983, foi contratada a terapeuta ocupacional paulista, recém-formada pelo curso da PUC- Campinas, Ana Maria Silvello Pereira. Sobre o momento de sua chegada à instituição, a professora relembra:

Na Tuiuti tive contato com a Doris, que me acolheu e me estimulou a fazer parte do grupo de professores. Ela era muito envolvida e dedicada na construção do curso. Lembro-me da terapeuta ocupacional e professora Zita, que participava das reuniões de planejamento do curso (e que depois nos tornamos amigas). Depois chegou o professor Carlos, do Rio de Janeiro. Então, quando eu cheguei a Doris estava muito preocupada, porque as disciplinas específicas de TO ainda não estavam acontecendo, ela estava muito sozinha, não existiam campos de estágio abertos, então nós fomos abrir campos de estágio para poder dar conta dessa demanda (PEREIRA, 2015). Após sua chegada, Ana Maria Silvello Pereira convidou outros colegas do Estado de São Paulo, também recém-formados, para trabalhar no curso que estava sendo aberto em Curitiba. Assim, ainda em 1983, vieram de São Paulo Silvia Pinto, formada na UFSCar, Milton Carlos Mariotti, Nazaré de Andrade Monteiro, formados na PUC-Campinas, e Joice, também formanda na UFSCar. Como o contrato da Faculdade de Reabilitação Tuiuti era por hora/aula ministrada, muitos professores exerciam a docência na Faculdade e trabalhavam na assistência em outras instituições (PEREIRA, 2015; MARIOTTI, 2015). Seis meses após a entrada dos novos professores, Nazaré de Andrade Monteiro assumiu a coordenação. Como, além de terapeuta ocupacional, ela tinha formação normalista, pois já havia ministrado aulas para crianças, de certa forma tinha um conhecimento sobre metodologia de ensino. Também ela havia iniciado um aprimoramento em terapia ocupacional136 com o professor Milton Carlos Mariotti, quando ainda residiam em São Paulo (MONTEIRO, 2015).

Esses professores foram sendo contratados para assumir disciplinas específicas de terapia ocupacional e, posteriormente, seus repectivos estágios. Alguns deles iniciaram suas carreiras docentes ministrando disciplinas de Terapia Ocupacional Aplicada à Saúde Mental, Atividades e Recursos Terapêuticos137, Terapia Ocupacional Aplicada às Condições Sociais138, Terapia Ocupacional Aplicada à Neurologia139, ente outras. Além das disciplinas específicas de terapia ocupacional, existiam as disciplinas básicas que pertenciam às áreas biológicas e médicas (PEREIRA, 2015) e que eram ministradas por outros docentes.

Como os professores eram recém-formados, de forma geral ainda não tinham experiência com a docência, e o acesso à bibliografia específica de terapia ocupacional era difícil, “o que nós tínhamos de referência na época era o Mac Donald e Spackman” (MONTEIRO, 2015), e “o único livro140 brasileiro de TO escrito era o do Ruy Chamone Jorge,

136 Aprimoramento no Centro de Especialidades em Terapia Ocupacional (CETO).

137 Essas duas disciplinas eram ministradas por Milton Carlos Mariotti (MARIOTTI, 2015). 138 Ministrada por Ana Maria Silvello Pereira (PEREIRA, 2015).

139 Ministrada por Nazaré de Andrade Monteiro (MONTEIRO, 2015).

140 “Esse livro do Ruy Chamone, Chance para um esquizofrênico, tinha muitas referências bibliográficas que ele

que era de 1981” (MARIOTTI, 2015). As formas de construção das aulas, de inteirar-se do conteúdo para transmiti-lo aos alunos, eram por intermédio das leituras desses únicos livros, apostilas oriundas de outros cursos141, traduzindo os livros existentes em línguas estrangeiras, seguindo os planos de aula que já existiam, guiando-se pela literatura de áreas paralelas e promovendo trocas entre o grupo de professores: “discutíamos muito em nossas infindáveis reuniões que duravam, muitas vezes, até as 23:00 horas” (PEREIRA, 2015).

A estrutura física inicial para acomodar o curso era insuficiente. Tinha o Laboratório de Órtese e Prótese, a CRESA, clínica da Faculdade, e existiam algumas disciplinas nas quais os alunos criavam alguns recursos e doavam para essa clínica. Segundo Monteiro (2015), a criatividade dos docentes era um fator importante para amenizar a falta de estrutura da Faculdade.

Quanto aos estágios curriculares, “cada professor tentava abrir espaços na área que tinha maior interesse”. Porém, como os docentes não eram de Curitiba, fundar espaços de estágio tornou-se um processo difícil. De acordo com Pereira (2015):

Tínhamos que nos apresentar nas instituições, explicar o que era TO, conseguir convencer os gestores de que precisam do terapeuta ocupacional na equipe técnica e a partir daí organizar os campos de estágios. Tínhamos que atuar na implantação dos serviços de TO e também na implantação dos estágios (PEREIRA, 2015).

Alguns docentes aproveitavam os espaços onde trabalhavam com assistência terapêutica ocupacional para criar estágios referentes às disciplinas que ministravam na Faculdade. Dessa forma, o professor trabalhava uma quantidade de horas na Tuiuti, sendo um dia por semana aula teórica e nos outros dias realizava a função de docente assistencial, supervisionando os estágios da mesma disciplina que ministrava em sala de aula para os alunos do último ano do curso (MARIOTTI, 2015).

Assim, foram sendo criados estágios em diversas instituições, no Pequeno Cotolengo, direcionada à assistência de pessoas com deficiência em situação de abandono, no Hospital Espírita de Psiquiatria Bom Retiro142, de psiquiatria, de neurologia, na própria CRESA, no

141 Essa apostila foi mencionada por Nazaré de Andrade Monteiro (2015) e, de acordo com ela, havia sido montada pela PUC-Campinas. No entanto, essa apostila é um compilado de artigos da The American Journal of Occupational Therapy, encontrado por Carmen Teresa Costa na FCMMG e traduzido com uma verba conseguida na Universidade. Após a tradução por Raquel Cupite, “uma professora da Unicamp fez a proposta da gente fazer uma parceria, mas a coisa não aconteceu dessa forma, ela levou o material e ele não retornou, só mais tarde que eu soube que isso circulava, então valeu! Circulou por várias escolas, formou uma base inicial de fundamentação teórica da terapia ocupacional” (COSTA, 2016). Porém os nomes de Carmen Costa e Raquel Cupite nunca apareceram nesse material.

142 “[...] uma instituição mais moderna e que em 1984, quando nós estávamos no estágio do último período, eles

Hospital das Clínicas de Curitiba, onde já existia um técnico em terapia ocupacional no setor de terapia ocupacional143 (PEREIRA, 2015; MARIOTTI, 2015; MONTEIRO, 2015).

À medida que as instituições eram sensibilizadas para o recebimento de estágios, apresentava-se a função do terapeuta ocupacional e questionava-se a necessidade daquele profissional nos quadros de funcionários. Assim, com o tempo, esses espaços se transformaram em locais de trabalho para os egressos do Curso de Terapia Ocupacional da Tuiuti (PEREIRA, 2015; MONTEIRO, 2015).

A primeira turma da Tuiuti se formou em março de 1985, com 30 alunos graduados. Apenas em 7 de maio de 1986, por meio da Portaria nº 329, do MEC, os profissionais formados na primeira turma tiveram seus diplomas reconhecidos como de nível superior. Anteriormente a essa Portaria, os graduados recebiam o título de tecnólogos (NICKEL, 2007).

Durante todo o tempo em que o curso permaneceu ativo, as turmas iniciavam com uma grande quantidade de alunos, no entanto iam se esvaziando no decorrer do curso, chegando a 15/20 alunos no momento da colação de grau. Após o ano de 1991, a relação candidato/vaga no vestibular não ultrapassou a concorrência de 1 candidato para 1 vaga. Para Nickel (2007), a baixa procura pelo curso estava associada ao alto custo da mensalidade e ao pequeno reconhecimento social da profissão.

Já para Monteiro (2015), que inclusive esteve na instituição desde 1983 até o encerramento do curso, o caráter privado da instituição e as muitas cobranças que existam no sentido de manter os alunos no curso causaram a finalização dele.

143 “O HC tinha um terapeuta ocupacional super antigo que estava lá a muito tempo no setor de terapia ocupacional,

mas ele era técnico, depois que a Universidade abriu ele veio fazer a formação. Mas a implantação do estágio no HC também acabou abrindo a necessidade de abrir um concurso para terapia ocupacional” (MONTEIRO, 2015).

5. O pioneirismo na terapia ocupacional e o início de sua institucionalização acadêmica