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4. A trajetória de institucionalização acadêmica da terapia ocupacional no Brasil: de meados

4.13 O Curso de Terapia Ocupacional das Faculdades Salesianas de Lins

Eu comparecia a todos os congressos de docentes, de coordenadores, porque nós nos tornamos um terapeuta ocupacional, mas não um professor. A terapia ocupacional é esse grande desafio, não é tudo uma maravilha, porque ainda nós temos muito o que construir! Nuhad Simionato (2015) (ANEXO XIV). Eu acho que nessa época começou a mudança na visão da TO. Rosana Maria Silvestre Garcia de Oliveira (2015) (ANEXO XV).

Em 1942, foi fundada a obra Salesiana na cidade de Lins, localizada no centro-oeste do Estado de São Paulo, dando origem em 1972 às Faculdades Salesianas de Lins, instituição que ofertou o quarto curso de Terapia Ocupacional do Estado. Os Salesianos são oriundos da Pia Sociedade São Francisco de Sales, fundada em Turim, na Itália, em 18 de dezembro de 1859, pelo padre italiano João Bosco, mais conhecido como Dom Bosco, em homenagem a São Francisco de Sales, sendo aprovada pelo Papa Pio IX no ano de 1874 (UNISALESIANO, 2010). Fazem parte da Congregação Salesiana os padres Salesianos e as filhas de Maria Auxiliadora (UNISALESIANO, 2007).

A Congregação Salesiana tinha como um de seus objetivos o trabalho educativo de crianças e jovens por meio de um modelo de educação criado pelo próprio padre Dom Bosco, denominado Sistema Preventivo. A pedagogia Salesiana, como esse sistema era conhecido, era fundamentada em três bases: “amor, razão e espiritualidade”. Assim, a meta do padre italiano era “tornar os jovens bons cristãos e honestos cidadãos” (UNISALESIANO, 2010, p. 5).

Após difundir suas ideias pela Itália, os Salesianos seguiram disseminando suas ideologias pelo mundo por meio de missionários. Chegaram à Patagônia, Argentina, em 1875, e, em 1883, ao Brasil, precisamente na Baía de Guanabara, fundando o Colégio Santa Rosa, em Niterói. Outro grupo de missionários Salesianos chegou a Cuiabá, Mato Grosso, em 18 de junho de 1894, vindos de Montevidéu, Uruguai, guiados por Dom Luís Lasagna, e fundou a Missão Salesiana de Mato Grosso (MSMT) com a intenção de educar e evangelizar os jovens e os indígenas daquele Estado. O trabalho de evangelização foi iniciado em 1885 entre os índios

Bororo da Colônia Teresa Cristina, no entanto, em 1894, os Salesianos já haviam assumido a direção de uma escola e de uma paróquia em Cuiabá (UNISALESIANO, 2010).

Sob o comando do padre Antônio Malan, a MSMT foi se expandindo e abrindo um grande número de escolas, noviciados, entre outras instituições no Estado de Mato Grosso. No ano de 1926, a MSMT fixou residência na cidade de Campo Grande, continuando a expansão de seu trabalho, até chegar a Lins, localizada no centro-oeste do Estado de São Paulo em 1939, realizando, inicialmente, o trabalho paroquial (UNISALESIANO, 2007; 2010).

Em Lins, no ano de 1940, o bispo Salesiano de Cafelândia, Dom Henrique Mourão, adquiriu, via Diocese, o Colégio São Luiz, fundado em 1929, e a Escola Técnica de Comércio de Lins, fundada em 1930, anexa ao Colégio, denominando-os Ginásio Diocesano de Lins. A convite de Dom Henrique Mourão, sob a Inspetoria Salesiana de Mato Grosso na pessoa do padre Ernesto Carletti, a Diocese, em 18 de janeiro de 1942, transferiu a direção do Ginásio Diocesano de Lins para MSMT: “os salesianos trouxeram a nova educação para Lins – a pedagogia da presença e do sistema preventivo de Dom Bosco” (p.10). A direção do Colégio ficou a cargo do padre Salesiano João Greiner, sendo transferida para o padre Mário Forgione em 1944, que ocupou esse cargo durante 18 anos, em períodos variados, sendo o último de 1962 a 1967 (UNISALESIANO, 2010).

No ano de 1950, em homenagem a Dom Henrique Mourão, falecido em 1945, o Colégio Diocesano e a Escola Técnica de Comércio passaram a ser denominados Colégio Salesiano Dom Henrique e Escola Técnica de Comércio Dom Henrique, respectivamente, oferecendo o ensino primário, ginasial, colegial científico e técnico em contabilidade, inclusive na modalidade de internato (UNISALESIANO…; UNISALESIANO, 2010).

O modelo de educação preconizado pelos Salesianos em Lins teve seu auge durante a década de 1950, alcançando seu ponto máximo entre 1956 e 1960. Na época, atendeu não somente à demanda da região de São Paulo, mas também aos Estados do Paraná e Mato Grosso. A educação oferecida pelos Salesianos de Lins era comparada aos tantos outros internatos masculinos e femininos existentes. No entanto, a modernização do ensino ao final dos anos de 1950, inclusive a popularização da escola pública e a crise econômica enfrentada pela cidade de Lins em decorrência da queda do café, demandou adaptações nas instituições Salesianas (UNISALESIANO, 2007).

Foi assim que, na década de 1960, surgiu a ideia de implantar o Ensino Superior nas instituições Salesianas de Lins. De forma geral, os Salesianos iniciaram o investimento no Ensino Superior no ano de 1961, com a Faculdade Dom Aquino de Filosofia Ciências e Letras, em Campo Grande. Em Lins, apenas em 1969, o padre Ariento Domenici, diretor do Colégio

na época, apresentou a proposta de criação de cursos superiores de Administração, Ciências Contábeis e Economia a seus superiores da Inspetoria Salesiana, montando projetos e encaminhando-os ao MEC. No início de 1970, também foi montado e encaminhado ao MEC o projeto para criação do curso de Educação Física (UNISALESIANO…; UNISALESIANO, 2007; UNISALESIANO, 2010).

Em 18 de fevereiro de 1972, por meio do Decreto Federal nº 70.166, foi autorizado o funcionamento dos cursos de Administração e Ciências Contábeis, compondo a Faculdade de Ciências Administrativas e Contábeis (FACAC). Em 24 de fevereiro do mesmo ano, por meio do Decreto nº 70.193, foi autorizada a criação do curso de Educação Física, compondo a Faculdade de Educação Física de Lins (FEFIL), sendo os cursos da FACAC reconhecidos pelo MEC em 21 de outubro de 1976, e o curso da FEFIL, em 4 de novembro de 1975 (UNISALESIANO...; UNISALESIANO, 2007; UNISALESIANO, 2010).

Também em 1972, o ensino básico na modalidade internato, o ginasial e o científico do externato ofertados pelo Colégio Dom Henrique foram encerrados, restando apenas os cursos profissionalizantes noturnos de técnico em contabilidade, técnico em secretariado e os novos cursos superiores (UNISALESIANO, 2010).

Em 1976, o então diretor das Faculdades Salesianas de Lins, padre Carlos Del Torchio, solicitou ao CFE a criação da Faculdade de Saúde de Lins, na qual seriam ofertados os cursos de Enfermagem, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. No intuito de consolidar o projeto da Faculdade de Saúde de Lins, o padre Carlos Del Torchio viajou inúmeras vezes a Brasília, Belém e Rio de Janeiro (UNISALESIANO, 2007; FERNANDES apud VENDRAME et al., 2005).

O relator do processo de criação dos cursos no CFE foi o conselheiro João Paulo do Valle Mendes, que requisitou a retirada do curso de Enfermagem, bem como a eliminação da criação de uma Faculdade de Saúde. Em 1979, o processo foi redistribuído no CFE para o conselheiro Antônio Paes de Carvalho, que manifestou um parecer favorável para criação dos cursos, mas exigiu algumas adaptações (UNISALESIANO, 2007).

Em Lins, como o estado de saúde do padre Carlos Del Torchio estava debilitado, em 1979, o padre Giulio Boffi assumiu, pelas Faculdades Salesianas, a direção do projeto de aprovação dos cursos, afirmando, em entrevista cedida a Vendrame et al. (2005, p. 25), que “foram meses especiais e de intenso trabalho. Foram construídos os Laboratórios de Anatomia, Microscopia e Química, necessários para aprovação dos cursos e foi furado o poço semi- artesiano”.

Já em Brasília, com o processo no CFE redistribuído novamente, dessa vez para o conselheiro Dom Serafim Fernandes de Araújo, que, além de fazer parte do CFE, tinha vínculo com os Salesianos de Lins130, os cursos foram autorizados por meio do Decreto nº 85.551, de 18 de dezembro de 1980. Como a fundação da Faculdade de Saúde de Lins não foi consolidada, os cursos de Fisioterapia e de Terapia Ocupacional foram agregados à FEFIL (VENDRAME et al., 2005; UNISALESIANO, 2007; SIMIONATO, 2015). Foi então instituído o quinto curso de Terapia Ocupacional do Estado de São Paulo e o quarto do país vinculado a uma instituição confessional, neste caso, católica.

No ato da criação dos cursos, o diretor das Faculdades Salesianas de Lins era o padre Eloy Costa (1980-1982), responsável por providenciar todos os equipamentos necessários para efetivação dessas graduações e do Centro de Reabilitação Física Dom Bosco (FERNANDES apud VEDRAME et al., 2005).

A primeira turma dos cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional em Lins se iniciou em 1981, e os primeiros alunos deveriam formar-se em três anos letivos com aulas em período integral. De acordo com o depoimento do padre Arlindo Pereira de Lima a Vendrame et al. (2005), a orientação técnica inicial dos cursos ficou a cargo do professor e fisioterapeuta Evandro Sauro. No entanto, Vendrame et al. (2005) afirmam que em 1980131 a coordenação do curso foi realizada pela terapeuta ocupacional Maria Augusta Gaiani, a primeira professora específica de terapia ocupacional.

Em 1982, um ano após ter iniciado a primeira turma de terapia ocupacional na FEFIL, chegou, a convite das Faculdades Salesianas, para organizar o curso de Terapia Ocupacional, que, “já funcionando, encontrava-se sem um profissional na coordenação”, a terapeuta ocupacional, formada no final de 1981 pela UNIMEP, Nuhad Dargham Simionato (SIMIONATO apud VENDRAME et., 2005, p. 26). Segundo o padre Arlindo Pereira de Lima (apud VENDRAME et al., 2005, p. 26), com muito custo, a instituição conseguiu trazer essa professora de Guararapes132, que “trabalhou com muita competência e empenho para a montagem técnica do curso de Terapia Ocupacional”, e inclusive, inicialmente, morou nas dependências da escola.

Imediatamente à sua chegada, já ocupando o cargo de coordenadora, Nuhad Dargham Simionato identificou que, no currículo do curso, existiam apenas duas disciplinas referentes à

130 De acordo com o padre Eloy Costa em depoimento a Vendrame et al. (2010), Dom Serafim, na época da avaliação do processo de aprovação dos cursos, era defensor dos Salesianos de Lins junto ao CFE em Brasília. 131 Fato curioso, pois os cursos só foram autorizados em dezembro de 1980, e a primeira turma, iniciada em 1981. 132 Cidade natal de Nuhad Dargham Simionato.

terapia ocupacional, Fundamentos de Terapia Ocupacional e Terapia Ocupacional Geral, ministradas por Maria Augusta Gaiani, que vinha da cidade de Bauru para lecionar quatro aulas semanais da primeira disciplina e mais quatro aulas semanais da segunda. As demais disciplinas do currículo eram Biologia, Histologia, Anatomia, Microbiologia, Sociologia, Psicologia do Desenvolvimento, entre outras (SIMIONATO, 2016).

No intuito de proporcionar uma formação mais específica para a primeira turma do curso, inclusive com subsídios específicos de terapia ocupacional para realização de estágios, a então coordenadora iniciou um processo de “reestruturação curricular interna”, uma vez que o curso se encontrava em processo de luta por reconhecimento no MEC; assim, o currículo aprovado no ato do reconhecimento do curso não podia ser alterado naquele momento. Então foi iniciada uma busca nos cursos de Terapia Ocupacional da UFSCar, UNIMEP e PUC- Campinas por ideias para estruturar as ementas das disciplinas. Para driblar o currículo instituído, criaram-se cursos extracurriculares e solicitou-se a contratação de “docentes para ministrar aulas de Ortopedia, Neurologia, Psiquiatria e outros docentes, terapeutas ocupacionais, para ministrar aulas de Terapia Ocupacional Aplicada à Ortopedia, Neurologia, Psiquiatria, Geriatria” (SIMIONATO, 2015).

De acordo com Simionato (2015), foi difícil mostrar à direção da Faculdade e ao grupo de professores não terapeutas ocupacionais a necessidade de incluir no currículo disciplinas específicas da profissão:

Eu lutava para mostrar aos docentes das disciplinas da área biológica que elas não eram a maior necessidade dos alunos, e sim as aulas que falassem de terapia ocupacional. Eu tive bastante atrito nesse sentido, professores mais velhos que na época iam reclamar para o diretor que eu não entendia nada, questionavam como eu, recém-formada, com vinte e dois anos, poderia estar ali falando de um professor que dava aula em outras escolas, como eu poderia saber o que era melhor. Mas eu sempre fui muito firme nesse sentido, fui atrás, peguei currículos de outras universidades para me nortear (SIMIONATO, 2015).

Inicialmente, os conteúdos específicos de terapia ocupacional ministrados aos alunos eram retirados de livros Spackman e Mac Donald, das experiências vivenciadas nos cursos de Bobath, das preceptorias e cursos de Especialização em Metodologia do Ensino Superior, realizados pelos professores, e da própria correlação feita por eles com as inúmeras áreas do conhecimento – psicologia, pedagogia, medicina, psicologia do desenvolvimento neuropsicomotor e do desenvolvimento humano, ortopedia (SIMIONATO, 2015; OLIVEIRA, 2015). No entanto, o Curso de Terapia Ocupacional das Faculdades Salesianas “tinha um perfil de prática” (OLIVEIRA, 2015).

Após a reformulação interna do currículo, foram montados os setores de estágios. O primeiro a ser estruturado foi a Clínica Escola de Reabilitação. Para tanto, houve um trabalho conjunto entre os coordenadores dos cursos de Terapia Ocupacional e de Educação Física e os alunos de ambos na construção de um censo com intuito de detectar as pessoas com deficiência da cidade de Lins. Para o atendimento dos deficientes na Clínica Escola de Reabilitação, a Faculdade disponibilizava um ônibus para buscá-los em suas residências (SIMIONATO, 2015). Logo depois, foram realizados convênios com instituições da cidade de Lins e circunvizinhas também para realização de estágios. Assim, foram estabelecidos convênios com a Creche São Francisco de Assis, Creche Dom Bosco, Hospital Psiquiátrico Bezerra de Menezes, Santa Casa de Misericórdia Marília, na cidade de Marília, e foram sendo contratados professores, terapeutas ocupacionais, para que ocupssem os cargos de preceptoria desses estágios (SIOMIONATO, 2015).

Entre os professores contratados para ocupar o cargo de preceptor de estágio, estava Rosana Maria Silvestre Garcia de Oliveira133, terapeuta ocupacional formada pela UNIMEP em 1981, que assumiu o estágio na Santa Casa de Misericórdia de Marília, em julho de 1983, trabalhando na estruturação do serviço de terapia ocupacional com o pessoal da Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA). Acerca da estruturação desse estágio, Oliveira (2015), relata: Quando eu cheguei em Marília, na Santa Casa, me lembro perfeitamente, eu tinha duas salas, dois colchonetes, uma cadeira, uma mesa e disseram que aquilo era minha sala de TO. Comecei a deixar o pessoal aqui de Lins meio louco, porque eu precisava de material, precisava de alguma coisa, mas também não sabia o que era que iria fazer lá, porque eu não sabia o que era TO em ortopedia. Nunca tive! Ainda, de acordo com Oliveira (2015), em Marília existia uma terapeuta ocupacional que, inclusive, trabalhava no Curso de Terapia Ocupacional da FEFIL, mas que apenas assinava algumas disciplinas, não as ensinava134. No entanto, essa terapeuta ocupacional não aceitou supervisionar os estágios na Santa Casa de Misericórdia de Marília.

133 Rosana Maria Silvestre Garcia de Oliveira tornou-se coordenadora desse curso em 1992, logo após a saída de Nuhad Dargham Simionato, e permaneceu no cargo de coordenadora até o encerramento do curso em 2013 (OLIVEIRA, 2015; VENDRAME et al., 2005).

134 Rosana Maria Silvestre Garcia de Oliveira (2015) ressalta: “isso era comum antigamente, por conta da necessidade do número de TOs por números de vagas para a abertura de cursos. Por exemplo, para abrir um curso com cinquentas vagas tinhas que ter uns dez professores terapeutas ocupacionais, o que era muito difícil, e não eram todos os professores que viam dar aula, pois moravam fora da cidade etc, ficando a disciplina a cargo de outros professores”.

Para realização desse estágio, os alunos viajavam de Lins a Marília semanalmente. Inicialmente, a Universidade disponibilizou um transporte para realizar o translado (OLIVEIRA, 2015).

Por conta de toda essa estruturação do curso, foi adiada a formatura da primeira turma para janeiro de 1984, pois era inviável graduar os primeiros alunos sem os devidos conteúdos básicos ministrados (SIMIONATO, 2015).

Nessa perceptiva, o curso foi se estruturando e, em 15 de maio de 1985, foi reconhecido pelo MEC pela Portaria nº 389. Após esse reconhecimento, o currículo foi efetivamente reestruturado e o curso passou de três para quatro anos letivos (UNISALESIANO, 2007; SIMIONATO, 2015), mudança ocorrida inclusive em detrimento ao novo currículo mínimo de 1983, que ampliava a carga horária mínima do curso de 2.160 horas para 3.240 horas.

Mesmo após inúmeras conquistas, no ano de 2013 foi inevitável o encerramento135 do curso. Segundo Simionato (2015), “o curso em Lins nunca foi muito concorrido, sempre dava dois ou três concorrentes para uma vaga, mas no fim sempre acabava sendo preenchido com os alunos da segunda opção da fisioterapia”. Já Oliveira (2015) associa o fechamento do curso às numerosas crises pelas quais o então Centro Universitário foi enfrentando, à chegada de cursos de outras áreas do conhecimento à cidade de Lins, diminuindo, assim, a concentração de interessados em graduações da área da saúde, e à própria localização e desenvolvimento econômico da cidade.