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4. A trajetória de institucionalização acadêmica da terapia ocupacional no Brasil: de meados

4.7 O Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Metodista de Piracicaba

O segundo curso de Terapia Ocupacional no Estado de São Paulo foi instituído na Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP em 1976, uma instituição privada. Essa foi a primeira graduação da área vinculada a uma instituição confessional protestante, a Igreja Metodista Episcopal.

O Metodismo foi um movimento religioso cristão que surgiu dentro da Igreja Anglicana ou Episcopal, por intermédio de John Wesley, professor de Oxford e clérigo anglicano, que

não tinha como intuito inicial a criação de uma nova igreja, e sim de um movimento dentro da própria Igreja Anglicana que estimulasse o retorno do anglicanismo às fontes originais e à autenticidade do cristianismo evangélico e apostólico, tendo como princípios a evangelização, a ação social e a disseminação da educação. Com o passar do tempo, o movimento converteu- se na Igreja Metodista, que passou a disseminar pelo mundo suas ideologias cristãs e educacionais (BAÉZ-CAMARGO, 1986).

No século XIX, três113 seções distintas de missionários da Igreja Metodista Episcopal dos Estados Unidos chegaram ao Brasil, iniciando suas obras missionárias em várias regiões do país. Os missionários da Igreja Metodista Episcopal Sul, sediada no Sul dos Estados Unidos, iniciaram suas obras missionárias nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Juiz de Fora (MG) e Piracicaba (SP) (REILY, 1980).

Um desses missionários foi Martha Watts, uma jovem educadora norte-americana que se candidatou à missionária para vir ao Brasil realizar um trabalho educativo. Em janeiro de 1881, ela chegou ao porto do Rio de Janeiro e, em seguida, dirigiu-se à cidade de Piracicaba, alcançando seu destino em 19 de maio de 1881 (MESQUITA, 2002; OLIVEIRA; WOLLERMAN, 2007).

Naquele período, Piracicaba ainda era uma pequena cidade com um grande sistema escravocrata, entretanto contava com um pequeno grupo de progressistas liderados pelos irmãos Manoel de Moraes Barros e Prudente de Moraes, advogados e políticos com forte influência na região, que lutavam pela implantação da República, criação de escolas para juventude e libertação dos escravos. E foi nesse sentido que os irmãos Moraes contataram os imigrantes norte-americanos que viviam em Santa Bárbara D’Oeste, estabelecendo contato com o pastor metodista Reverendo Newmann e tiveram a ideia de construir uma escola em Piracicaba aos moldes daquelas norte-americanas.

A missionária Martha Watts114 chegou a Piracicaba com essa responsabilidade e, em 13 de setembro de 1881, fundou o Colégio Piracicabano em uma casa alugada na cidade com apenas uma aluna, Maria Escobar (MESQUITA, 2002; OLIVEIRA; WOLLERMAN, 2007). Para convencer os cidadãos de Piracicaba da efetividade da educação oferecida pelo Colégio,

113 Existiam três movimentos distintos de missionários metodistas no Brasil: os missionários da Igreja Metodista Episcopal Sul, sediada no Sul dos Estados Unidos, que se estabeleceram nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Piracicaba (SP) e Juiz de Fora (MG); os missionários da Igreja Metodista Episcopal Nortista, do Norte dos Estados Unidos, que fundaram a missão no Sul do Brasil; e os missionários metodistas da missão de sustento próprio, financiada pelo Reverendo William Taylor, que chegaram ao Norte e Nordeste do país (REILY, 1980).

114 Martha Watts foi recebida em Piracicaba pela família dos irmãos Moraes. Seus laços de amizade foram fortemente estreitados durante o tempo que esteve no Brasil (OLIVEIRA; WOLLERMAN, 2007).

foi construído um suntuoso casarão de telhas francesas financiado e mantido pelas mulheres metodistas dos Estados Unidos e inaugurado em 1884. O objetivo da nova instituição piracicabana era promover a educação de jovens mulheres no Brasil em regime de internato, modalidade que existiu até os anos de 1930, ficando os rapazes passivos a frequentar o colégio em regime de externato – o internato masculino foi criado apenas em 1934. O Colégio serviu de modelo logo após a proclamação da República, quando Prudente de Moraes foi nomeado governador do Estado de São Paulo e implantou a reforma do ensino público. Quatorze anos após a abertura do Colégio Piracicabano, Martha Watts foi designada para fundar uma escola em Petrópolis, no Rio de Janeiro (MESQUITA, 2002).

No ano de 1964, o Colégio Piracicabano, por meio da criação das Faculdades Integradas, passou a ofertar os cursos de nível superior de Economia, Administração e Ciência Contábeis. Em 1975, o MEC agregou reconhecimento de universidade ao estabelecimento educacional de nível superior, que, naquela ocasião, passou a se chamar Universidade Metodista de Piracicaba; assim, foi criada a primeira universidade metodista da América Latina, mantida pelo Instituto Educacional Piracicabano (IEP) (UNIMEP, 2017).

Em 1976, um ano após o reconhecimento da UNIMEP, os cursos de Terapia Ocupacional e Fisioterapia foram implantados na instituição pelo diretor do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Paulo Finger, ambos com duração de três anos letivos. A coordenação das duas graduações ficou sob a responsabilidade do dentista e professor de anatomia Nelson Mancine.

A estrutura curricular do curso de Terapia Ocupacional foi fundamentada no currículo mínimo de 1963, ainda vigente na época, e no currículo do Curso de Terapia Ocupacional da USP. No entanto, o curso se iniciava com uma proposta inovadora com base em um modelo norte-americano em que os dois primeiros anos de todos os cursos da área da saúde eram integrados, ou seja, todos os alunos dos cursos vinculados ao Centro de Ciências da Saúde estudavam juntos durante dois anos, sendo separados ao final do segundo ano para então iniciar as especificidades da graduação escolhida no momento de inscrição do vestibular. Esse modelo implantado na UNIMEP foi estruturado com a ajuda do coordenador Nelson Mancine, que estava na instituição justamente para efetivação desse projeto.

Devido a essa estrutura adotada pela UNIMEP, no primeiro ano do curso não existia nenhum professor terapeuta ocupacional. Nessa ocasião, o corpo docente era composto por profissionais de outras áreas. Uma das primeiras professoras do curso foi a educadora física Antonia Dalla Pria Bankoff, que ministrou as disciplinas de Anatomia I e Cinesiologia Geral, ambas no segundo semestre de 1977. Também colaboraram com a graduação no ano de 1977

os professores Elias Salum, administrador e um dos fundadores da Universidade, Erivaldo da Costa Cabral, psicólogo, Leila Choairy, graduada em filosofia, Walter Veriano Valério Filho, professor da disciplina de Estatística. A partir de 1978, o curso passou a contar com os docentes Eduardo Dias de Andrade, dentista, Edvaldo Alberto Zago, engenheiro agrônomo que ministrava a disciplina de Bioquímica, Ivete Aparecida Dias Tiets Granato, psicóloga. Já em 1979, chegaram os professores Frederico Andrade e Silva, dentista, e Theresa Beatriz Figueiredo Santos, psicóloga, entre outros.

O quadro de docentes terapeutas ocupacionais só foi iniciado em 1977 com a chegada de Iracema Serrat Vergotti Ferrigno, que, naquela ocasião, assumiu a coordenação dos cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional e ministrou as primeiras disciplinas específicas, como Terapia Ocupacional Geral, Ética e História da Reabilitação, e Fundamentos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Com o intuito de divulgar os cursos e encontrar locais para os estágios, a coordenadora iniciou um trabalho de sensibilização nas clínicas de Piracicaba, no Centro de Reabilitação Piracicabano, nas escolas da região. Também iniciou o processo de contratação de professores para os cursos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional.

Assim, Iracema Serrat Vergotti Ferrigno convidou a terapeuta ocupacional Maria Heloísa da Rocha Medeiros, cujo trabalho na UNIMEP foi iniciado já no segundo semestre de 1977 ensinando a disciplina de Terapia Ocupacional Aplicada às Condições Sociais. Sobre esse convite, Medeiros (2015) (ANEXO XI) nos conta:

Um dia eu estava na minha casa dando de mamar e toca a campainha... Iracema Vergotti! Ela disse: “Helô”! Eu disse: “O que é que é? Entra aí”! Ela falou que estava abrindo um curso de TO em Piracicaba e foi me chamar para eu ensinar nesse curso. Ela disse que estavam ela e Maricy115 nesse curso e

elas tinham acabado de criar uma disciplina que chamava TO Aplicada às Condições Sociais, falou que a única TO que entendia de condições sociais era eu. Eu disse: “EU? Eu não dei conta! Eu não vou! É mentira”! No segundo semestre de 1977 eu comecei a ir uma vez por semana de São Paulo para Piracicaba (MEDEIROS, 2015).

Ainda em 1977, a coordenação do curso, com auxílio da direção da Universidade, realizou o I Encontro de Reabilitação em Piracicaba, no qual participaram estudantes de várias instituições de ensino. Com o apoio da direção, foi alugada uma casa para montagem da Clínica Escola, com Laboratório de Atividade de Vida Diária, vários equipamentos, tanto para a

fisioterapia como terapia ocupacional, órtese e adaptações importadas, onde aconteceriam aulas práticas e alguns estágios116.

Em 1979, a grade curricular do curso era composta por matérias das áreas biológicas, médicas, algumas disciplinas sobre a temática da psicologia, e duas enfatizando os aspectos sociológicos, uma delas era Terapia Ocupacional Aplicada às Condições Sociais117, que existia no currículo desde 1977, e uma disciplina sobre religião e também aulas práticas de educação física. No Quadro 4, retirado do histórico escolar de uma ex-aluna do curso, é possível identificar as disciplinas que existiam na época e seus respectivos períodos.

116 Os demais estágios eram realizados em outras instituições de Piracicaba e nas cidades da região.

117 Galheigo (2016, p.50), ao falar sobre o surgimento da terapia ocupacional no campo social, faz referência ao

final da década de 1970 devido a “uma preocupação com as questões sociais da época e suas possibilidades de mudança”, porém a autora ressalta que o termo “terapia ocupacional no campo social” foi inaugurado em 1979 por Jussara de Mesquita Pinto, ao apresentar um trabalho realizado com jovens da FEBEM, no V Encontro Paulista de Terapeutas Ocupacionais, e que as primeiras disciplinas voltadas a essa área aconteceram durante o mesmo período nos cursos de graduação da UFSCar sob o nome de “terapia ocupacional social”, ministrada por Jussara Pinto, e na PUC-Campinas, “Terapia Ocupacional Aplicada às Condições Sociais”, ministrada por Maria Heloísa da Rocha Medeiros. Contudo, no depoimento de Maria Heloísa da Rocha Medeiros, pudemos identificar que, anteriormente às disciplinas criadas na PUC-Campinas e na UFSCar, foi realizada a disciplina TerapiaOcupacional Aplicada às Questões Sociais na UNIMEP, em 1977, ministrada por ela mesma, a convite da professora Iracema Vergotti. Porém, no histórico escolar do curso, a disciplina denomina-se Terapia Ocupacional Aplicada às Condições Sociais.

Quadro 4 - Histórico escolar do Curso de Terapia Ocupacional da UNIMEP. Períodos/anos Disciplinas

1º Período (1979) Comunicação e Expressão I Introdução à Psicologia

Métodos e Técnicas de Pesquisa Biologia Geral

Anatomia I

Fundamentos de Fisioterapia e Terapia Ocupacional Bioquímica

Noções de Enfermagem Artes Plásticas e Industriais

Aulas Práticas de Educação Física I 2º Período (1979) Histologia e Embriologia

Microbiologia e Imunologia Fisiologia e Biofísica Terapia Ocupacional Geral

Administração Aplicada à Terapia Ocupacional I Anatomia II

Introdução à Filosofia Comunicação e Expressão II Estudos de Problemas Brasileiros I Aulas Práticas de Educação Física II 3º Período (1980) Psicologia do Desenvolvimento

Cinesiologia

Fundamentos de Medicina Clínica e Cirúrgica Psicologia do Excepcional

Terapia Ocupacional Aplicada às Condições Físicas I Neurologia

Cultura Cristã Estatística

Ortopedia e Traumatologia *Psicologia …

Estudo dos Problemas Brasileiros II 4º Período (1980) Sociologia

Psiquiatria Pediatria

… e Atividades Sistêmicas* Psicomotricidade

Terapia Ocupacional Aplicada às Condições Sociais Administração Aplicada à Terapia Ocupacional II

Terapia Ocupacional Aplicada às Condições Psico Institucionais Terapia Aplicada às Condições Físicas II

Psicologia Social e do Trabalho Ética e História da Reabilitação

5º Período (1981) Terapia Ocupacional Aplicada às Condições Psíquicas Terapia Ocupacional Aplicada às Condições de Trabalho Estágio Supervisionado

Terapia Ocupacional Aplicada à Prática Clínica I 6º Período (1981) Estágio Supervisionado

Terapia Ocupacional Aplicada à Prática Clínica II

Fonte: Adaptado do histórico escolar de Rosana Maria Silvestre Garcia de Oliveira, aluna do curso de 1979 a 1981. *Não identificado.

Assim, a graduação foi se estruturando e, em 21 de janeiro de 1980, foi sancionada a Portaria nº 92, que concedeu reconhecimento do curso. Naquele momento, o número de professores terapeutas ocupacionais já havia se expandido e o curso contava também com a colaboração de Léa Beatriz Teixeira Soares, Eluiz Elias Bueloni, Maria Angela Simoni, os dois últimos formados na primeira turma do curso. No entanto, as professoras Iracema Serrat Vergotti Ferrigno e Maria Heloísa da Rocha Medeiros já não faziam mais parte da instituição. O curso deu andamento com a contratação de alunos egressos para os cargos de docente e coordenador, ampliando sua infraestrutura e expandido os locais de estágio. Em 1981, a graduação ainda era realizada em três anos letivos e o estágio de psiquiatria ocorria em um hospital psiquiátrico na cidade de Rio Claro, distante aproximadamente 40 km de Piracicaba (OLIVEIRA, 2015).

Mesmo com toda a estrutura montada pela UNIMEP para abrigar o curso de Terapia Ocupacional, ele foi extinto. Atualmente, não há nenhuma informação sobre terapia ocupacional no sítio eletrônico da Universidade, no entanto a graduação de Fisioterapia resistiu às diversidades do tempo e ainda é ofertada pela instituição.