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O Decurso de Criação da Atual Proposta da Escola em Tempo Integral

3 FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA PESQUISA SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO DE UMA ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL

4 ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL: CONSTRUÇÃO COLETIVA DE UMA PROPOSTA INOVADORA EM UMA ESCOLA PÚBLICA DE IJUÍ

4.1. OS ESPAÇOS/TEMPOS EDUCATIVOS NA DINÂMICA DE CONSTRUÇÃO DA ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL

4.1.2 O Decurso de Criação da Atual Proposta da Escola em Tempo Integral

Ao avaliar as primeiras experiências vivenciadas percebeu-se a necessidade de rever e reorganizar a proposta curricular com vistas a criar um ambiente propício para a aprendizagem. Com isso, o grupo de professores e gestores, juntamente com a Secretaria de Educação, reunidos em grupos de estudos, passaram a traçar alternativas para reorganizar a realidade que ali se apresentava de modo que pudessem melhorar o ambiente, acomodar as crianças e desenvolver situações de aprendizagem significativas para as mesmas.

A primeira ação pensada para acomodar melhor as crianças seria o trabalho do professor com duas horas seguidas em sala de aula para ministrar seus componentes curriculares. Isso, permitia desenvolver uma sequência de atividades com mais tempo em um mesmo espaço físico, antes que houvesse a necessidade de troca de sala conforme organização curricular. Ainda eram ocupadas todas as salas (10 salas) devido ao elevado número de alunos. Ao meio

dia as crianças tinham atividades variadas como desenho, jogo, leitura, pracinha e quadra, passou-se a ocupar outros espaços para evitar deixar todos juntos no pátio.

Essa alternativa pensada pelo coletivo na visão de G4 (2018, p.6) reforça uma melhora na rotina e no trabalho desenvolvido:

“Propiciou uma melhora na organização para o trabalho dos professores pois as trocas de sala diminuíram embora ainda havia a dificuldade de acomodação dos alunos nas salas de apoio uma vez que estas eram pequenas e por não foram planejadas para esse objetivo”.

Sendo assim, as ações foram sendo pensadas, planejadas e realizadas de acordo com as situações que iam aparecendo no cotidiano da escola. Os primeiros avanços em termos de organização e melhor aproveitamento do tempo e do espaço possibilitaram ao grupo compreender a importância de planejamentos coletivos para avaliação do trabalho, uma vez que os professores da manhã não tinham contato com os professores da tarde e os encontros coletivos possibilitavam uma riqueza de trocas e novas ideias.

Após a execução de ações que propunham o melhor aproveitamento do tempo e do espaço, passa-se a organizar o currículo e o horário dos professores para que se pudesse manter um professor de referência para cada turma. Desta forma, houve a necessidade de se reestruturar um novo currículo que contemplasse essa ideia. No ano de 2013, a equipe diretiva reúne-se com a Secretaria de Educação e passa a organizar o currículo por áreas do conhecimento e não mais por componente curricular, pois segundo G4 (2018, p.7):

“A concepção de componente curricular dava a ideia de disciplina, de fragmentação no currículo e a intenção era contraria, pensava-se em um currículo ampliado e não fragmentado. Por isso penamos em chamar de áreas do conhecimento que dava uma ideia diferente”.

A partir disso, reorganiza-se o currículo que passa a ser estruturado por áreas do conhecimento (Área 1: composta pelas disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura, Acompanhamento de Português, Ética e Cidadania e Religião, História e Geografia; Área 2: Matemática, Acompanhamento de Matemática, Jogos matemáticos, Ciências e Estudos socioambientais; Área 3: Artes, Musicalização, Dança, Educação Física, Informática Educativa). Esta proposta está em vigor até hoje na escola.

Santomé (2017) nos lembra que uma proposta curricular supõe uma seleção cultural que vai servir para as novas gerações uma possibilidade de facilitar a socialização em sociedade e auxiliá-las a compreender o mundo a qual estão imersas. Ou seja, a escolha por um ou outro conhecimento a ser veiculado nunca é neutro, sempre há a intencionalidade por um determinado grupo pela escola de um ou de outro conhecimento a ser ensinado. Apple (2008) como já dito

na presente dissertação, reforça que nunca agimos no vácuo, pois a educação está implicada na política da cultura e por esse motivo alguns grupos decidem qual conhecimento e qual cultura vai ser transmitida as futuras gerações.

Pensar a proposta curricular a ser difundida entre sujeitos revela muito de qual cultura estamos falando, que conhecimento é imprescindível ser ensinado. Este movimento é permeado por tensões, conflitos e disputas que não se restringem apenas a lista de conteúdo, mas sim a cultura que deve ser veiculada entre as novas gerações e como estas vão continuar a reproduzir tais questões.

Quando ingressei na instituição, no ano de 2014, o processo de implantação do novo currículo já estava sendo desenvolvido. Lembro-me que ao ser apresentada a proposta da escola de imediato me encantei pois o tempo ampliado com os alunos e a área de conhecimento a mim proposta (Área 1) possibilitariam um trabalho diferenciado e de qualidade pois teria mais tempo para o desenvolvimento das atividades, das problematizações acerca dos conceitos, das trocas de ideias, modos de pensar ser e agir, etc.

As experiências que tinha tido eram de escolas com currículos parciais. Assim, um currículo em tempo integral era um desafio para mim. A adaptação com o tempo, com o espaço diferenciado e com a proposta curricular foi fundamental para compreender a lógica e a importância da oferta de uma escola em tempo integral que objetiva uma educação integral de qualidade para seus alunos. Uma educação integral na direção de um sujeito autônomo e emancipatório, e o tempo estendido como uma oportunidade para se desenvolver as ações propostas no sentido mais profundo da integralidade humana.

Ao longo do percurso de implantação da escola em tempo integral, aos poucos, a proposta pedagógica e a sua concretização com vistas para o avanço na aprendizagem foram se concretizando, inclusive no que se refere ao número de salas compatível com o número de alunos. Isso foi sendo alcançado e hoje já dispomos de espaços adequados para cada turma, em sua própria sala. As salas de apoio têm sido utilizadas para atividades diferenciadas, não mais como sala de aula para as crianças.

O intervalo das 12 horas às 13 horas já está estruturado de modo que as crianças tenham atividades orientadas e em ambientes diferentes. As crianças têm Recreação, Leitura, Pintura, Artesanato, Acompanhamento de Português e Jogos de Alfabetização (Sala de Informática). G2 (2018, p.11) se manifestou conforme segue, podendo-se perceber sua percepção em relação às inerentes dificuldades que acompanhavam o complexo processo de criação da proposta e de seu desenvolvimento nas salas de aula.

“Assim passamos, a cada ano letivo, a diminuir uma turma, até que se alcançasse uma turma por sala de aula, e as salas de apoio são utilizadas para diferentes interações de acordo com o currículo atual. Muitas pessoas trabalharam neste processo e desistiram, por não se adequaram ao mesmo. Todas estas mudanças tanto de alunos como de profissionais também dificultaram o fortalecimento desta proposta, que de certa forma muitas vezes nos foi questionada pelas suas fragilidades. Mas que atualmente se fortalece com o seu fazer pedagógico.”

G1(2018, p.7) também se manifestou sobre tal realidade coletivamente vivenciada, expressando que:

[...]” após um início conturbado tendo em vistas ao número de alunos matriculados no início de funcionamento da escola tenha prejudicado o trabalho da escola. As salas que na sua concepção eram para ser salas de apoio a proposta curricular foram organizadas para atendimento regular dos alunos engessando a dinâmica da escola e a criatividade do professor. Hoje com o número de alunos de acordo com a capacidade da escola o trabalho tomou uma proporção mais rica do ponto de vista pedagógico.”

Os relatos permitem perceber e refletir sobre a importância do planejamento com cuidado de uma proposta de educação em tempo integral. Não basta construir um espaço físico e matricular crianças. É preciso planejamento coletivo para pensar o espaço físico oferecido, contando com profissionais qualificados e engajados, dispostos a trabalhar numa proposta diferenciada, com uma adequada formação continuada para esses profissionais, investimento financeiro, junto com uma comunidade que apoie as práticas desenvolvidas pela instituição, dando-lhe suporte para juntas desenvolverem ações de ensino aprendizagem.

Segundo G2 (2018, p. 10):

“Desde a sua inauguração como escola integral, passou por várias atualizações, sempre em busca de qualificar a aprendizagem dos alunos. Mas, a dificuldade de criar uma identidade de grupo e fortalecer a proposta foram nossas maiores angustias, pois muitos professores questionavam além da metodologia o horário em que eram desenvolvidas as atividades e o tempo em que os alunos permaneciam na escola.”

O estranhamento diante de uma nova proposta, em um tempo ampliado e num espaço ainda em construção gerou angústia e insegurança. Foram poucos os professores que resistiram às adversidades e permaneceram na escola. A grande maioria que iniciou o processo hoje já não se encontra na instituição por inúmeros motivos não sendo só relacionados ao currículo diferenciado, mas por opções pessoais também, tais como a distância, horário diferenciado de atendimento da escola, entre outros.

P4 (2018, p. 21) se manifesta expressando sua percepção acerca da saída de muitos profissionais da escola:

“A proposta inicial, onde cada profissional tinha uma área do conhecimento e muitas turmas para dar sua aula e a percepção de que as crianças não tinham um professor referência causou grande estranhamento e consequentemente a saída de muitos.”

É importante ressaltar que muitas adaptações do currículo foram feitas e não foram devidamente registradas em documentos formais, permanecendo apenas na memória dos sujeitos participantes desse processo. Muitos relatam não lembrarem de determinadas situações. Inúmeras linhas de reflexão sobre a dimensão organizacional da escola em tempo integral em construção foram sendo tecidas ao longo do presente processo investigativo. Com inspiração em Carr e Kemmis (1988), o processo é aqui visualizado como movimento auto reflexivo e crítico, sistematicamente vivenciado no contexto interativo que ia sendo instituído ao longo do próprio curso dos planejamentos/ações/avaliações que suscitavam inerentes novos desafios e dificuldades a serem enfrentados pelos sujeitos envolvidos.

O tempo integral de permanência na escola pelo educando oferece a este uma gama de vivencias e aprendizagens que ultrapassam o saber cientifico. Entretanto, o desenvolvimento de um currículo em dois turnos deve ser pensado e planejado para que não seja unicamente uma alternativa para “deixar as crianças para serem cuidadas”, e sim, como possibilidade de qualificar o tempo de estudo e das vivências propostas. Não significa também, apenas ampliar conteúdo em uma grade curricular para “preencher o tempo”. É uma dinâmica rica que deve oferecer práticas pedagógicas voltadas para o desenvolvimento humano e social do sujeito nela inserido.

Conforme Gadotti (2009, p. 99):

Não se trata, portanto, de ocupar o tempo de uma jornada ampliada com atividades não escolares. Trata-se de estender, no tempo e no espaço, a sala de aula, articulando o saber científico com o saber técnico, artístico, filosófico, cultural etc. Com a ampliação do tempo, possibilita-se também maior aproximação entre a escola e a comunidade, entre docentes, entre alunos etc. O tempo integral abre espaço para maior solidariedade, companheirismo e amizade na escola.

A necessidade de aproveitar esse tempo para desenvolver situações de ensino aprendizagem que sejam de fato significativas para as crianças e que as mesmas possam ter acesso a outras áreas do conhecimento (música, informática, educação física, dança, artes) com profissionais preparados para ministrar essas aulas é imprescindível no momento de se pensar o currículo de uma escola em tempo integral. A importância de um atendimento individual e especializado àqueles que necessitam também se faz necessário, como por exemplo, alunos com deficiência ou dificuldade de aprendizagem que precisam de reforço escolar.

Nos dizeres de G1 (2018, p.7):

“Escola de Tempo Integral é aquela que tem uma jornada ampliada em relação a uma escola regular. Portanto a escola oferece um tempo maior para seus alunos de aprendizagens. [...] O tempo integral está relacionado ao tempo de permanecia do aluno na escola. Como por exemplo uma escola regular tem se organizado com 4 horas de aula por turno escolar e a escola de tempo integral varia de 7h 30min a 10h diária de vivencia na escola.”

O entendimento da oferta da ampliação de jornada na escola deve distanciar-se da ideia assistencialista de simplesmente “cuidar” das crianças que ali estão para ser entendida como uma opção de mais tempo para se desenvolver conteúdos necessários para a formação do sujeito, de modo a avançar no processo de ensino aprendizagem objetivando melhorias na qualidade da educação. A compreensão disso, requer intenções clara na proposta que se pretende desenvolver tanto para o grupo de profissionais que irão trabalhar nessa instituição como para o poder público e as famílias envolvidas nesse processo. Nesse sentido, a formação continuada é parceira inseparável da escola.

Sendo assim o PPP da escola deixa claro:

A formação continuada na escola visa promover a reflexão das práticas pedagógicas e a ação da comunidade escolar na referida instituição, reorganizando o fazer dos envolvidos, qualificando-os para interferirem no processo ensino aprendizagem dos alunos (ESCOLA MUNICIPAL EM TEMPO INTEGRAL EUGÊNIO ERNESTO STORCH, 2015, p. 35).

O tempo de planejamento individual e coletivo, o estudo de temas importantes para o aperfeiçoamento das práticas pedagógicas junto aos alunos contribuem para a avaliação e reflexão constante das práxis que se propõe com vistas ao avanço da aprendizagem. A participação das famílias é imprescindível como forma de acompanhamento e de apoio ao trabalho da escola junto das crianças.

As concepções e entendimentos expressos pelos sujeitos de pesquisa acerca da proposta da escola denotam a visão de ampliação do tempo como característica primordial do processo. Embora tenham se pronunciado acerca de uma dinâmica diferenciada para cada espaço que compõe a instituição.

Nos dizeres de G3 (2018, p.12):

“Entendo que Escola de Tempo Integral deve atender o aluno no todo, em sua integralidade numa jornada de estudos ampliada oferecendo novos espaços e oportunidades, articulados às mais diversas áreas do conhecimento, vivências e práticas socioculturais. Oferecemos Educação Ambiental, Música, Ética e Cidadania, Dança Jogos Matemáticos, Informática, além dos conteúdos formais estipulados, no início tínhamos inglês também”.

P3 (2018, p.17) se pronuncia a respeito da organização dos espaços/tempos na dinâmica de funcionamento da escola, conforme segue:

“É o espaço escolar que oferece um currículo com situações de aprendizagem/ vivências diferenciadas, que possibilitam a ampliação da aprendizagem em um tempo maior de permanência dos educandos. A escola de Tempo Integral representa a possibilidade de aquisição de conhecimentos para além dos estabelecidos no currículo de 4 horas diárias. Apresenta uma dinâmica única e diferenciada, para a qual os envolvidos (equipe diretiva, educadores e educandos) devem estar preparados e conscientes de estarem em um espaço escolar que exige uma conexão entre todos, pelo tempo de permanência neste local”.

A escola em tempo integral oportuniza a vivência de situações de aprendizagens que ultrapassam a ideia de conteúdos científicos, pois os alunos vivenciam situações diversas que a escola em um currículo de tempo parcial não consegue possibilitar. As atividades de artesanato, jogos, desenho, informática também ligadas ao Programa Mais Educação (BRASIL, 2009) passaram a ser realizadas no período das 12 às 13 horas, (intervalo do meio dia) como opção para proporcionar atividades orientadas às crianças e para não as deixar “mais livres”, como era na proposta inicial.

Segundo Moll (2012, p.30), [...] “pensar a educação integral como educação para a vida e como ação das muitas forças sociais que podem articular-se para reinventar a escola são as tarefas que nos congregam”. Nessa direção, é importante pensarmos as muitas possibilidade de reorganização de tempo, espaço e conteúdos em busca de contribuir nos avanços das aprendizagens e das relações que se estabelecem no cotidiano da instituição escolar com vistas para uma educação cidadã que, para além de assegurar o direito do sujeito na escola, possa trabalhar para a construção de um projeto educacional que articule ações entre escola, comunidade escolar, poder público e sociedade civil. Lembrando sempre que cada um possa fazer a parte que lhe cabe com foco no desenvolvimento humano e social do sujeito.

O subcapítulo a seguir discutirá a concepção do que se entende por “integral” com vistas para o desenvolvimento humano/social em meio a construção de um currículo de uma escola em tempo integral.

4.2 CONCEPÇÃO DE “INTEGRAL” NA RELAÇÃO ENTRE A ORGANIZAÇÃO DO