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O desenvolvimento curricular como um processo de decisão – conceitos e

Capítulo 2. Decisões e Documentos Curriculares

2.1. Decisões Curriculares

2.1.1. O desenvolvimento curricular como um processo de decisão – conceitos e

O desenvolvimento curricular é um processo complexo que envolve múltiplas tomadas de decisão, constituindo o “cerne do sistema educativo e da inovação educacional” (Ribeiro, 1988, p. 13).

Partindo desta ideia, podemos afirmar que o conceito de desenvolvimento curricular é polissémico, tendo sido objeto de diversas definições. Os diferentes conceitos assentam necessariamente numa teoria, ou seja, mesmo sem disso termos consciência, a teoria que seguimos determina a organização do currículo e as decisões nesta matéria. O conceito de desenvolvimento curricular perspetivado como processo de decisão é marcadamente de inspiração cognitivista.

Neste ponto analisaremos esta ideia com base nos estudos de Ribeiro (1996); Pacheco (1996); Zabalza (1998); Braga et al. (2004); e Gaspar e Roldão (2007). Iremos ainda referir a relação entre o desenvolvimento curricular e a teoria de base adotada, descrevendo os modelos de Desenvolvimento Curricular (Pacheco, 1996).

Consideramos, de seguida, algumas das definições de desenvolvimento curricular apresentadas por autores portugueses, que têm marcado a literatura da especialidade. Ribeiro (1996) define desenvolvimento curricular, numa aceção alargada, “como um processo dinâmico e contínuo que engloba diferentes fases desde a justificação do currículo atá à sua avaliação e passando necessariamente pelos momentos de concepção-elaboração e de implementação)” (p. 6). Num sentido restrito e mais comum, o mesmo autor distingue neste processo plano curricular e a situação de ensino-aprendizagem. Pacheco (1996) afirma que se trata de “uma prática, dinâmica e complexa, que se processa em diversos momentos e em diferentes fases, de modo a formar um conjunto estruturado, integrando quatro componentes principais: justificação teórica, elaboração/planeamento, operacionalização e avaliação” (p. 25). Não se trata aqui, como no quadro behaviorista clássico, de provocar uma dicotomia entre quem estava envolvido na decisão curricular – os técnicos de currículo – e quem executava o

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currículo – os professores; “aqueles que trabalhavam no «currículo» eram os arquitectos da estrutura do ensino. Os professores eram as pessoas que levavam a cabo as suas previsões, isto é, constituíam os “peões” dessa obra” (Zabalza, 1998, p. 12). Braga et al. (2004) referem que o desenvolvimento curricular é um processo circular e integrado, relacionado com a execução e com a conceção, e que “implica uma lógica de responsabilização dos vários níveis de decisão, em que os professores e as professoras, através da observação, da reflexão e do ajustamento, reconceptualizam o currículo” (p. 25). Por seu lado, Gaspar e Roldão (2007) referem que o desenvolvimento curricular “é basicamente um plano de estruturação do meio ambiente para coordenar de maneira ordenada os elementos tempo, espaço, materiais e equipamento e pessoal” (pp. 31-33). Ao analisarmos as diferentes definições percebemos que todas elas, de uma maneira geral, acentuam a natureza processual do desenvolvimento curricular.

Começamos por atender às fases do desenvolvimento curricular. Pacheco (1996), ao definir o conceito como uma prática37, acaba por perspetivá-lo enquanto processo porque salienta os momentos e as fases, que, de forma estruturada, integram as quatro componentes principais: justificação teórica, elaboração/ planeamento, operacionalização e avaliação. Esta alusão às fases já havia sido assumida por Ribeiro (1990), ao referir-se à justificação do currículo e à sua avaliação, e passando pelos momentos de conceção-elaboração e de implementação. Também a avaliação é destacada por Oliva (1992), para rever as decisões programáticas adotadas.

Referimos ainda as fases do desenvolvimento curricular segundo Gaspar e Roldão (2007): conceção; implementação/operacionalização; e avaliação do currículo. A conceção do currículo pressupõe a análise da situação, como ponto de partida, como diagnóstico. No nível macro implica a avaliação de necessidades para consolidar a formação dos indivíduos de uma determinada sociedade. Nos níveis meso e micro é fundamental conhecer e recolher elementos de forma sistémica e integrada acerca dos alunos, do seu meio familiar, social e cultural, da escola (projeto e o modelo pedagógico da escola, a eficácia da ação e gestão curriculares) e do meio em que esta se localiza. Entendemos que, nesta perspetiva construtivista, apesar de se referir a necessidade de proceder ao diagnóstico de necessidades dos alunos, são valorizados os conhecimentos

37 Entendemos na mesma linha de pensamento, as palavras de Kelly (1986) quando refere que “a teoria do currículo, portanto, deve reconhecer que o desenvolvimento curricular deve constituir um processo contínuo de evolução e planejamento” (Kelly, 1986, p. 17).

83 dos alunos, o seu percurso académico, as suas competências, os seus estilos de aprendizagem.

Do que antes afirmámos, destacamos que o desenvolvimento curricular, entendido como um processo pode ser perspetivado como plano a cumprir (visão técnica) e/ou como projeto (visão construtivista). A definição destas três fases (conceção; implementação/operacionalização; e avaliação) mantém-se nestas duas posições. O que as distingue é a forma como se operacionaliza o processo: a visão técnica, a conceção do currículo realiza-se a priori, ou seja, é anterior à sua implementação e avaliação. Numa perspetiva construtivista, as fases são interdependentes, uma vez que se procura contextualizar numa realidade concreta e envolver os diferentes atores, procedendo aos ajustamentos necessários.

Outro aspeto a termos em conta refere-se às componentes do desenvolvimento

curricular. Consideramos fundamental a identificação de finalidades

(independentemente da designação que tenham vindo a assumir) e a consequente formulação de objetivos, claros e adequados para os diferentes níveis de ensino, em particular para o ensino básico. É imprescindível que os alunos, professores, pais e comunidade em geral conheçam, de forma inequívoca, o que se pretende com a educação e com os propósitos do sistema educativo. As decisões estruturais e pedagógicas só poderão ser fundamentadas se forem conhecidos, com clareza e rigor, os objetivos do ensino e o que se pretende que os alunos aprendam nas escolas.

Gaspar e Roldão (2007) referem três características do desenvolvimento curricular (processo, sequência e continuidade), a que acrescentam uma outra transversal - o dinamismo. Estas autoras salientam ainda a importância da definição dos objetivos educacionais, enquanto componente curricular. Ainda no que concerne às componentes do desenvolvimento curricular, nomeadamente os objetivos de aprendizagem e conteúdos destacamos a relação entre estes dois conceitos. Os objetivos definem a intencionalidade – o para quê. O conteúdo acrescenta a substancialidade da aprendizagem – o quê. É de realçar nesta análise do processo de Desenvolvimento

Curricular há que articular ao nível de decisão. O trabalho de

implementação/operacionalização do currículo situa-se ao nível da ação global da escola (meso) e do trabalho da aula (micro). Quanto à fase de avaliação do currículo, pode situar-se na regulação e verificação da aprendizagem conseguida pelos alunos ou

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na regulação do próprio processo de desenvolvimento curricular, da sua pertinência, coerência e adequação (avaliação curricular).

Apresentamos, de seguida, alguns modelos de desenvolvimento curricular. Pacheco (1996), tomando em consideração as influências teóricas, refere as conceções de currículo, a importância da escola e os papéis do professor e do aluno, apresenta três modelos de desenvolvimento curricular (centrado nos objetivos, centrado no processo; e centrado na situação), que, pela importância que lhe atribuímos, sistematizamos na tabela 4.

Tabela 4: Modelos de Desenvolvimento Curricular, adaptado de Pacheco (1996, pp. 138-142)

Modelos Características

Centrado nos objetivos Centrado no processo Centrado na situação Considerações

gerais e influências

teóricas

- predomínio até meados da déc. de 70 do séc. XX; - racionalidade tecnológica; - influência da perspetiva behaviorista;

- deriva da teoria curricular prática; - ênfase na deliberação prática; - influência dos princípios da aprendizagem significativa e construtivista;

- influência da teoria crítica; - “parte da ideia que as pessoas, quando participam em factos e organizações, podem aprender a colaborar e a modificá-las”;

Currículo

- “representa a elaboração de um plano estruturado de aprendizagem dos alunos, tendo em vista o seu aperfeiçoamento através dos objectivos formulados em termos comportamentais e segundo as duas regras principais da tecnologia educativa: previsão e precisão de resultados.”; - “como um meio para a prossecução de objectivos, previamente especificados, em função de resultados esperados e numa perspectiva de fidelidade de implementação.”

- como projeto centrado no professor;

- “visto como uma construção múltipla, com decisões por parte da administração central, das escolas e dos professores, dos encarregados de educação, etc., prevalecendo uma perspectiva de adaptação ao contexto escolar. Mais do que o produto ou resultado, traduzido pelos objectivos formulados em termos comportamentais interessam os procedimentos específicos de cada contexto de decisão (…)”; - “revisão constante dos objectivos e a sua adaptação às necessidades de aprendizagem dos alunos;”

- “é uma construção

emancipatória, assumida pelo colectivo dos professores a nível da escola (…)”;

- “conceituar-se-á como um interesse emancipatório, como uma acção estratégica, .siderada problemática e que é elaborada a partir dos problemas e atitudes dos alunos, é desenvolvida numa perspectiva de interpretação.” - “resumir-se-ia assim às seguintes decisões: análise da situação existente; formulação das finalidades; elaboração, nas escolas, dos programas; aplicação e interpretação dos programas; avaliação do funcionamento (Brennen, 1985).”

Escola

- “distribuidora de bens e serviços a quem se exige eficiência e êxito, isto é, que assume uma tarefa

empresarial, comparando-se, em temos de eficácia, a uma fábrica rentável.”

- “atribuição de ampla autonomia às escolas e aos professores”;

- enquanto comunidade crítica; - unidade básica de mudança;

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Professor

- aceita a tarefa que deve desempenhar;

- técnico a quem compete transmitir conhecimentos a destinatários receptivos e reprodutores mecânicos com base na memorização.” - gestor ou organizador especializado; - executor;

- “sujeito activo e participante que organiza curricularmente o seu pensamento em função da prática que realiza”;

- principais protagonistas; - mediador decisivo entre o currículo e os alunos; - agente curricular;

- direito a experimentar e direito à negociação;

- profissional que toma decisões acerca do quê e como ensinar;

- emancipação profissional com base numa atitude crítica e auto- reflexiva, pertencente a uma comunidade crítica; - autonomia curricular; - papel criativo na elaboração e interpretação do texto curricular; - análise ideológica do currículo, sobretudo das relações entre a escola e a sociedade e da organização educativa no seu conjunto;

- práticas auto-reflexivas, baseadas na investigação-acção;

Aluno

- papel passivo e reprodutor; - aprendizagem memorística; - atividades de repetição; - papel de consumidor do currículo;

- participante; - membro ativo da sua aprendizagem;

- participa, uma vez que o currículo é uma construção de professores e alunos, que depende da interação no contexto da escola e da sala de aula.

Esclarece o mencionado autor que das teorias técnicas decorre um modelo de desenvolvimento curricular centrado nos objetivos, das teorias práticas decorre um modelo centrado no processo, e das teorias críticas decorre um modelo centrado na situação.