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CAPÍTULO 1 PERCURSO TEÓRICO

1.4 Por uma avaliação formativa: a autoavaliação e o diário reflexivo

1.4.4 O diário reflexivo como um processo crítico reflexivo

Concebo a escrita de diários reflexivos como uma prática que permite a reflexão docente sobre suas ações e experiências de modo a aproximar-se e distanciar-se de um determinado sujeito de sua realidade. Nesse sentido, o professor que se vale de um instrumento avaliativo para refletir sobre suas ações tem a possibilidade de utilizar a reflexão para influenciar suas decisões práticas. Sendo assim, trata-se de um processo pelo qual o docente levanta questionamentos sobre seu agir, desestabilizando sua zona de conforto e cria conflitos que geram respostas ou novos questionamentos. Esse encadeamento de perguntas e respostas, pelo diário reflexivo, permite a construção de conhecimentos.

Creio que minha concepção de diários reflexivos sobre a prática docente vá ao encontro das colocações de Zabalza (2004) sobre sua escrita, pois o autor afirma que “o próprio fato de escrever sobre sua própria prática, leva o professor a aprender por sua narração. Ao narrar sua experiência recente, não só a constrói linguisticamente como a reconstrói como discurso prático e como atividade profissional” (ZABALZA, 2004, p. 44).

Entendo, ainda, a escrita de diários reflexivos por docentes como uma autoavaliação de sua prática. Liberali (1999) fundamentada em Stover (1986) já havia discorrido sobre esse viés autoavaliativo dos diários reflexivos.

[...] leva o educador a uma autoavaliação e percepção de suas mudanças e crescimento; auxilia a maior compreensão do material estudado;

prepara os educadores para a discussão sobre um assunto, levando-os a assumirem posições; fornece uma visão ampla do desenvolvimento do educador após algum tempo de utilização constante; leva os educadores a níveis superiores de pensamento; auxilia os educadores a tomarem decisões informadas, pois podem questionar melhor aquilo que escrevem sobre suas práticas; [...] (LIBERALI, 1999, p. 27).

Acredito que a escrita dos referidos diários proporcione uma visão ampliada do processo de ensino e aprendizagem, mas, se produzidos numa perspectiva crítica, visto que o processo reflexivo não deve estar atrelado somente à reflexão, mas à transformação. A partir dos estudos de Van Manen (1977), Liberali (1999) nos apresenta três tipos de reflexão, quais sejam a técnica, a prática e a crítica. Segundo a autora, em uma reflexão técnica não existe a preocupação com mudanças, devido à inexistência de abertura às críticas, assim o interesse recai no conhecimento que permite a previsão e controle de eventos. Já a reflexão prática interessa-se pelo conhecimento que facilita o entendimento para a solução de problemas passíveis de utilização de instrumentos. Ao refletir de modo prático, abrem-se as portas para o exame dos objetivos e suposições que embasam certos resultados. Por outro lado, a reflexão crítica envolve a reflexão técnica e a reflexão prática, porém valoriza critérios morais.

[...] nesse nível, as questões ponderam sobre que objetivos educacionais, experiências e atividades levam a formas de vida preocupadas com a justiça, igualdade e realizações concretas. Além disso, localiza as análises de ações pessoais em contextos histórico-sociais mais amplos. O interesse aqui está centrado em resolver as contradições dos dois outros tipos de reflexão em direção a uma maior autonomia e emancipação para os praticantes (LIBERALI, 1999, p.12).

O posicionamento reflexivo do professor revela, ainda, suas ações frente às circunstâncias de sua prática docente. Nessa esteira, Liberali (1999), subsidiada por Van Manen (1977), afirma haver os educadores técnico, prático e crítico. O educador técnico seria aquele preocupado em alcançar objetivos delineados e propostos por outros. O educador prático levaria em conta as “justificativas educacionais para as suas ações e a qualidade dos objetivos alcançados”. Já o educador crítico “ocupar-se-ia das implicações éticas e morais de suas ações e com as implicações éticas e morais dos arranjos institucionais dos quais faz parte” (LIBERALI, 1999, p. 22).

Nessa perspectiva crítica, Smyth (1992) sugere que um trabalho crítico-reflexivo perpassa quatro ações: descrever, informar, confrontar e reconstruir.

A ação de descrever está relacionada à questão O que faço? - de modo a proceder à descrição das ações: as conversas com os alunos, acontecimento marcantes em sala de

aula, problemas específicos. Nessa descrição concreta dos fatos, é possível demonstrar o que está por trás das ações.

A ação de informar vincula-se à questão Qual o significado de minhas ações?- envolvendo uma busca por teorias que fundamentem as ações. Trata-se de uma maneira de contextualizar historicamente tais ações ao retomar a compreensão das teorias que foram sendo construídas pelo praticante ao longo de sua vida. Inicia-se a abertura para o confronto das ações embasadas em entendimento fundamentado e não pela simples proposição de novos procedimentos.

Já na ação de confrontar, o questionamento principal é Como cheguei a ser assim?- envolve a configuração do quadro sócio-histórico ou mesmo as teorias formais que subsidiam as práticas. Liberali (1999) afirma que “é no confrontar que se percebem as visões e ações adotadas pelos professores, não como meras preferências pessoais, mas como resultantes de normas culturais e históricas que foram sendo absorvidas.” A ação de confrontar, a meu ver, é a que permite o ápice reflexivo do processo de escrita de diários, pois, como Liberali (1999) bem esclareceu, ela permite a emancipação, na medida em que nos questionamos se estamos agindo de acordo com o que acreditamos, e se o que acreditamos pode ou não ser transformado. É esse ato de confrontar que nos possibilita a reconstruir nossas ações de modo consciente e subsidiado, pois, como docentes, passamos a perceber que forças para além da sala de aula exercem influências em nosso modo de agir e pensar.

Por fim, a ação de reconstruir envolve a questão Como posso agir diferente? -, numa tentativa de (re)construir ações que delinearão novos fazeres subsidiados pela relação teoria-prática.

No reconstruir, buscamos alternativas para nossas ações, e voltamos à ação, numa redescrição dessa ação embasada e informada. No reconstruir nos colocamos na história como agentes, passamos a assumir maior poder de decisão sobre como agirmos ou pensarmos as práticas acadêmicas. Como praticantes emancipados, passamos a ter maior controle sobre nossa prática através de autogerenciamento, autorregulação e autorresponsabilidade (LIBERALI, 1999, p. 18).

Em suma, nesta pesquisa, os diários reflexivos permitiram que eu descrevesse, compreendesse e reconstruísse ações na tentativa de transformar minha prática. Desse modo, acredito que a autoavaliação e o diário reflexivo sejam instrumentos promissores para aqueles que desejam produzir conhecimentos sobre sua prática, por meio da reflexão- ação rumo a transformações, assim como tento demonstrar na sequência.

1.5 Reflexão-ação pela autoavaliação e diários reflexivos: o professor prático-