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Reflexão-ação pela autoavaliação e diários reflexivos: o professor prático-

CAPÍTULO 1 PERCURSO TEÓRICO

1.5 Reflexão-ação pela autoavaliação e diários reflexivos: o professor prático-

Retomando o que foi dito na introdução desta pesquisa, para Shön (2001), o professor que tenta ouvir seus alunos realiza movimentos de reflexão e ação, ou seja, reflete sobre a forma com a qual os alunos estão aprendendo e consequentemente o modo pelo qual está ensinando. Para o autor, esse processo é desenvolvido numa série de “momentos sutilmente combinados numa habilidosa prática de ensino”, assim descritos:

Existe, primeiramente, um momento de surpresa: um professor reflexivo permite ser surpreendido pelo que o aluno faz. Num segundo momento, reflete sobre esse fato, ou seja, pensa sobre aquilo que o aluno disse ou fez e, simultaneamente, procura compreender a razão por que foi surpreendido. Depois, num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela situação; talvez o aluno não seja de aprendizagem lenta, mas, pelo contrário, seja exímio no cumprimento das instruções. Num quarto momento, efetua uma experiência para testar a sua nova hipótese; por exemplo, coloca uma nova questão ou estabelece uma nova tarefa para testar a hipótese que formulou sobre o modo de pensar do aluno (SHÖN, 2001, p. 85).

Acredito que o processo autoavaliativo coaduna com os “momentos” apresentados por Shön, uma vez que no papel de professora-pesquisadora percebia-me surpreendida com os indícios de minha prática nas palavras dos alunos; refletia sobre o que era dito; tentava reformular o “problema suscitado pela situação”; na sequência, formulava uma nova experiência, a partir do que foi apresentado pelos alunos, no intuito de testar novas experiências.

Nessa perspectiva, levando em conta os momentos da prática de ensino, compreendo a autoavaliação para além de um instrumento de avaliação dos alunos, mas como um processo que fornece subsídios para que o professor atue de maneira prática-reflexiva, a fim de refletir-na-ação, refletir-sobre-ação e refletir sobre a reflexão-na-ação (SHÖN, 2001, p. 83).

A reflexão-na-ação pode ser compreendida como o conhecimento técnico que é mobilizado durante as ações profissionais para a solução de problemas imediatos, ou seja, é a orientação para todas as atividades humanas e manifesta-se no saber-fazer.

Já na reflexão-sobre-a-ação, Shön (2001) nos indica que há uma reconstrução mental retrospectiva da ação a fim de tentarmos analisá-la a partir de uma nova percepção.

Nem sempre essa reflexão, a partir do distanciamento da ação presente, estará atrelada a uma descrição verbal ou uma sistematização teórica. Todavia, quando produzimos uma reflexão da ação passada, temos condições de influenciar as ações futuras, de modo a compreender o problema sob uma nova perspectiva.

Na reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação há a intenção de se produzir uma descrição verbal da reflexão-na-ação, podendo ser considerada como a análise que a pessoa faz, em um segundo momento, de sua própria ação. Assim, nessa atividade, utiliza-se o conhecimento para descrever, analisar e avaliar os resquícios na memória por intervenções anteriores. Para Alarcão (1996), esses processos possibilitam o pensamento prático do profissional ao se deparar com diferentes situações da prática. São processos independentes, mas que se complementam a fim de garantir uma mediação na prática racional.

Uma importante dimensão da reflexão-na-ação, tem a ver com confusão e incerteza. O processo de aprendizagem é perpassado por uma fase de confusão. “Um professor reflexivo tem a tarefa de encorajar e reconhecer, e mesmo de dar valor à confusão dos seus alunos. Mas também de encorajar e dar valor à sua própria confusão” (SHÖN, 2001, p. 85). Shön (2001) afirma que o maior inimigo da confusão, que a priori é positiva ao processo de ensino e aprendizagem, é a resposta que se assume como verdade única. Assim, caso exista somente uma resposta certa, da qual é suposto o professor saber e o aluno aprender, elimina-se o lugar legítimo da confusão.

Nessa pesquisa, na confusão e incerteza, envolvi-me em um deslocamento que abriu espaço para a figura de uma professora prático-reflexiva, ou seja, aquela capaz de extrapolar suas práticas habituais e refletir sobre suas ações cotidianas antes, durante e depois de realizá-las (TARDIF, 2007). Por esse deslocamento, entendi que o saber docente é “um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”. Tais saberes são temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados e carregam as marcas do ser humano (TARDIF, 2007, p. 36). .

No bojo dessa discussão, Tardif (2007) esclarece que a prática docente está intrinsecamente relacionada com a cultura local, pois as experiências vivenciadas em determinados contextos de ensino e aprendizagem possibilitam o entendimento de como os saberes docentes são construídos. Segundo o autor, esse saber é “um constructo social produzido pela racionalidade concreta dos atores, por suas deliberações, racionalizações e motivações que constituem a fonte de seus julgamentos, escolhas e decisões" (TARDIF, 2007, p. 42). Nessa perspectiva de construção de saberes docentes, como uma prática

social situada, entendo por um professor prático-reflexivo aquele cujas competências, na medida em que se tratam de competências profissionais, estão ligadas a sua capacidade de racionalizar, criticar, revisar e objetivar sua própria prática, “de modo a fundamentá-la em razões de agir” (TARDIF, 2007, p. 223).

Nessa linha de raciocínio, Rajagopalan (2004) tece considerações acerca do educador crítico, que vão ao encontro do professor prático-reflexivo. Segundo o autor, a esse tipo de educador cabe a tarefa de “estimular a visão crítica dos alunos, de implantar uma postura crítica, de constante questionamento das certezas que com o passar do tempo, adquirem a aura e a ‘intocabilidade’ dos dogmas” (RAJAGOPALAN, 2004, p. 111).

Sabemos que toda prática-reflexiva causa confrontos em nossa cultura educacional. Shön (2001, p. 86) elucida esses confrontos ao afirmar que “à medida que os professores tentam criar condições para uma prática reflexiva, é muito possível que se venha a confrontar com a burocracia escolar.” Nessa mesma esteira, Rajagopalan (2004, p.111) afirma que o educador crítico “atrai, via de regra, a ira daqueles que estão plenamente satisfeitos com o status quo e interpretam qualquer forma de questionamento das regras do jogo estabelecidas como uma grave ameaça a si e a sua situação confortável e privilegiada”. Contudo, creio que esses confrontos não devam ser motivos para acomodação, pois a profissão docente vem, ao longo do tempo, tornando-se cada vez mais complexa, principalmente com o desenvolvimento tecnológico e científico. Cabe aos professores perceberem que diante da caducidade pela qual a construção do nosso conhecimento é perpassada, faz-se necessário buscar atualizações constantes que fundamentem confrontos e a luta por uma práxis realmente reflexiva e transformadora.

Nota-se que a utilização de autoavaliações e diários reflexivos em sala de aula não são atividades recentes, porém acredito que podem ser melhor exploradas em contextos de ensino e aprendizagem de línguas, de modo a proporcionar o maior entendimento da prática docente. Assim, como realizo nesta pesquisa, acredito que empreender o diário reflexivo e a autoavaliação como retroalimentação para minha prática pode ressaltar as potencialidades desses processos avaliativos.

Para analisar as incidências da autoavaliação discente em minha prática, foi necessário delinear as representações construídas pelos alunos, analisá-las e interpretá-las, para, em seguida, colocá-las em batimento como meus diários reflexivos, escritos após a leitura das autoavaliações. Nesta pesquisa, o Interacionismo Sociodiscursivo foi o aporte teórico para que o trabalho de análise das representações pudesse ser realizado, assim, inicio a apresentação da referida teoria.