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3 O DIREITO AO TRABALHO

3.2 O direito ao trabalho e à liberdade de trabalho

É cediço que a Carta Maior de 1988 dedicou o seu Título II à positivação dos “direitos e garantias fundamentais”, dividindo-o em cinco capítulos.194

192 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 336

193 Ver CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa e Lei do Tribunal Constitucional. 6a ed., reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, pg. 66. Segundo o autor, estes

princípios e objetivos fundamentais visam definir e caracterizar a coletividade política e o Estado, bem como a enumerar as principais opções político-constitucionais traçadas pelo texto constitucional.

194 Os capítulos são os seguintes: Capítulo I – “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos” (artigo 5o,

incisos I a LXXVII, §1o e § 2o), Capítulo II – “Dos Direitos Sociais” (artigo 6o a 11o), Capítulo III – “Da

Nacionalidade” (artigo 12o a 13o), Capítulo IV – “Dos Direitos Políticos” (artigo 14o a 16o), Capítulo V – “Dos

O artigo 5o enumera, exaustivamente, em 77 incisos, os “direitos e deveres individuais e coletivos.”195

No momento, o interesse está voltado unicamente ao inciso XIII, segundo o qual: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”196

Nota-se que a Constituição Federal de 1988 ainda reconhece a “liberdade de trabalho”, com ressalvas somente aos casos em que a lei estabeleça qualificações especiais para o empenho de certos ofícios.

Destarte, a “liberdade de trabalho” deve ser entendida em sentido amplo, porquanto abrange, de forma positiva, a liberdade de escolha e de exercício de qualquer gênero ou modo de labor, desde que não consista em ilícito penal e, de forma negativa, “a impossibilidade de o Estado vincular quem quer que seja a certo trabalho em concreto ou a certo gênero de trabalho, profissional ou não.”197

Jorge Miranda198 leciona que a liberdade de trabalho se revela tanto na liberdade de escolha quanto na de exercício de qualquer profissão, “visto que uma pressupõe a outra (embora a primeira tenha um alcance bem maior que a segunda).”

No entanto, não obstante a isso, a Carta Magna de 1988 deixa que a lei infraconstitucional a condicione a limitações; todavia, em não havendo lei que autorize a referida restrição, esta liberdade constitucional possui uma vasta abrangência.

Essas limitações devem ser realizadas através da lei, o que faz com que sejam excluídos os atos do Poder Executivo, tais como Portarias e Resoluções; exemplificando-se: ocorreu um fato concreto no Conselho Federal de Contabilidade ao instituir um Exame de

195 Os direitos individuais aí traçados procuram garantir iniciativa e independência aos indivíduos diante dos

demais membros da sociedade e do próprio Estado; entretanto, os denominados “direitos coletivos” não podem ser delimitados tão claramente, pois muitos são caracterizados como direitos sociais ao longo do texto constitucional. Ver SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 62-63. Segundo o autor, na Constituinte, propôs-se, inclusive, a abertura de um Capítulo próprio para os direitos coletivos, no qual estariam inseridos direitos como “o de acesso de todos ao trabalho”, “o direito a transporte coletivo”, dentre outros, mas esta perspectiva não foi aceita nas votações.

196 A liberdade de trabalho ou profissão se conjuga com as normas previstas nos incisos XVII, XIX, XX e XXI:

“XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar; “XIX – as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; XXI – as entidade associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”.

197 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV – Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra

Editora, 1988, p. 408.

Suficiência, por meio de uma Resolução (nº 853/99), como condição para obtenção do registro profissional naquele órgão.199

O órgão de classe arguiu inconstitucionalidade desse requisito, pois sua implantação ocorreu mediante Resolução e não por lei. É cediço que, em uma sociedade democrática, as restrições legislativas devem ser motivadas e não podem violar, quer na esfera positiva, quer na esfera negativa, o conteúdo essencial da liberdade de trabalho e profissão.

Merecem destaques exemplos outros, como as discussões levantadas por Fernando Machado da Silva Lima acerca do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 36.602/2000 da Prefeitura Municipal de Belém, publicado em 24.04.00, cujo art. 4º, parágrafo único, prevê a necessidade de anuência para a exploração do serviço de transporte individual de passageiros em táxis “para os empregados e servidores da administração direta e indireta, ativos, inativos e licenciados, bem como para os militares, inclusive reformados, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, salvo se seus vencimentos, soldos ou proventos não excederem a quatro salários mínimos”. Tal Regulamento determina, também, a assinatura de uma declaração negativa do exercício de outra atividade, afora a de taxista (art. 22, I, "h"), bem como o uso de “crachá expedido pelo sindicato da categoria, conforme lei municipal número 7.621/93, em vigor por força da lei municipal 7.906/98” (art. 22, I, "f") e comprovante de pagamento da contribuição sindical (art. 22, I, "g"). Em Belém, tendo em vista a inconstitucionalidade do Decreto Municipal nº 36.602, de 24.04.00, diversos mandados de segurança já foram impetrados.200

Nesta visão, José Afonso da Silva ensina que o direito ao trabalho, “conjuga-se - mas não se confunde com a liberdade de trabalho, ofício e profissão consignada no art. 5o, XIII.”201

Adiante, o estudo estará voltado ao direito ao trabalho propriamente dito, o qual resta previsto no já mencionado Capítulo II, denominado “Dos Direitos Sociais”, no artigo 6o, que

assim reza:

São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

199 SILVA, Kleber Moreira da. Inconstitucionalidade do exame de suficiência instituído pelo Conselho Federal de Contabilidade. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2382>. Acesso em: 14/04/2011. 200 LIMA, Fernando. Liberdade de exercício profissional (o caso dos taxistas de Belém). Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=501>. Acesso em: 14/04/2011.

Assim, quando o “trabalho” é reconhecido no artigo 6o como um direito social, está

fazendo alusão ao “direito de ter um trabalho”, ou à “possibilidade de trabalhar”. Destarte, pode-se afirmar, com José Afonso da Silva, que não pode haver confusão do seu conteúdo com o conjunto de regras objetivas relacionadas ao direito do trabalho, o qual, por sua vez, “tem sua base e princípios delineados no art. 7o, formando o direito dos trabalhadores ou

direitos trabalhistas.”202

O autor referenciado203 diz que, em uma análise conjunta do artigo 6º com o art. 1º, IV (que assinala os valores sociais do trabalho como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito), mais o disposto no art. 170 (que apresenta a valorização do trabalho como uma das bases da ordem econômica com a finalidade de garantir vida digna a todos) e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII), revelam que se trata de um direito à obtenção ao trabalho, por ser este o meio mais significativo de se ter uma existência digna – por conseguinte, de grave conteúdo inconstitucional toda forma de política recessiva que gere o desemprego.

A distinção dentre o conteúdo normativo dos artigos 6o e 7o da Constituição da República é de grande importância, porquanto tais conteúdos acabem envolvendo campos teóricos diferentes, mesmo estando intensamente conectados.

O artigo 6º reconhece de forma explícita o “direito ao trabalho” como um direito econômico, social e cultural (a expressão “direitos sociais” foi empregada em um sentido amplo); e o artigo 7º prevê os “direitos dos trabalhadores”.

Ainda assim, o reconhecimento do direito ao trabalho na Carta Maior não está relacionado exclusivamente ao artigo 6o. O caput e o inciso VIII, do artigo 170, adotam um papel de relevo:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]

VIII - busca do pleno emprego; [...].

E, por derradeiro, o artigo 193 ratifica a primazia do trabalho na ordem constitucional brasileira ao estabelecer que: “a ordem social tem como base o primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.

202 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 185-186. 203 Ibidem, p. 185-186.

Diante dessas exposições tangentes às disposições normativas envolvendo o reconhecimento da liberdade de trabalho e do direito ao trabalho no Texto Maior, todas as atenções serão dirigidas para o estudo da fundamentabilidade do derradeiro.