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Origens da ação afirmativa: experiência de outros países

6 O BRASIL CONTEMPORÂNEO E AS AÇÕES AFIRMATIVAS

6.2 Origens da ação afirmativa: experiência de outros países

A Índia, a partir da sua independência, já passou a sofrer um processo de adoção de ações afirmativas, chamadas de “políticas de reservas”. A própria Assembléia Constituinte do pós-independência, em 1950, propôs vários artigos com medidas de discriminação positiva, como cotas de cargos públicos destinados especialmente aos dalits, conhecidos como os intocáveis. Tal Constituição deu sua grande contribuição ao abolir, pelo menos de forma teórica, o sistema de castas naquele país.

De acordo com os ensinamentos de José Jorge Carvalho295, no mundo, o país que se estende ao longo do tempo com maior registro de ações afirmativas é a Índia.Bhimaro Ramji Ambedkar foi o criador do sistema de cotas: ele era líder dos dalits, os intocáveis, casta inferior naquele país. Bhimaro conseguiu, em 1948, inserir na Constituição daquele país as cotas voltadas aos dalits nas instituições de ensino, bem como no serviço público, visando, de certa maneira, contrabalançar desigualdades milenares. Até os dias de hoje, a Índia mantém cotas para os intocáveis.

O que impressiona diante da experiência indiana é que a implantação destas políticas foi, em primeiro momento, bem aceita pela maior parte da sociedade, que entendia tratar-se de medidas necessárias para promover setores minoritários anteriormente discriminados. A fase onde, contudo, se observou uma maior inquietação deu-se em 1990, dando margens a processos na Suprema corte e conflitos políticos no Parlamento, o que acabaram por aumentar a produção de ideias relacionadas ao tema e, consequentemente, o surgimento de novas soluções aplicadas às necessidades locais.

As ações afirmativas neste país estabeleceram-se através de cotas, principalmente voltadas para a destinação de vagas de trabalho no setor público. O setor privado, por sua vez, esteve excluído desta obrigatoriedade. O objetivo principal era inserir as minorias no mercado de trabalho, fazendo-as parte da sociedade que produz e consome bens.

Como visto anteriormente, nos Estados Unidos as primeiras ações afirmativas surgiram em 1961, como forma de superar os preconceitos enraizados culturalmente, para efetivar a igualdade garantida constitucionalmente nos contratos com o governo federal:

295 CARVALHO, José Jorge de. Inclusão Étnica e Racial no Brasil – a questão das cotas no ensino superior. São

SEÇÃO 301 [...] (1) o contratante não discriminará nenhum empregado ou candidato a emprego por causa de sua raça, credo, ou origem nacional. O contratante adotará ação afirmativa para garantir que os candidatos sejam empregados e que os empregados sejam tratados durante o emprego, sem consideração para com sua raça, credo ou origem nacional [...].296

Em dois de julho de 1964 foram adotadas, pelo presidente norte-americano Lyndon B. Johnson, medidas mais eficazes no combate à discriminação, como a Civil RightAct (Lei dos Direitos Civis), que proibia a segregação em locais públicos, a discriminação no mercado de trabalho baseando-se em discernimento racial, cor, sexo ou mesmo na procedência nacional do indivíduo. Datada de 24 de setembro de 1965, a Executive Order nº 11.246 determina o fim não só das práticas discriminatórias em meio aos que firmam contratos com o Governo Federal, mas também que sejam tomadas medidas adequadas para incluir minorias raciais e étnicas na área de recrutamento, contratação de pessoal, dentre outras, inclusive salários dignos; desta forma, a definição de ação afirmativa se sedimentou.297

Através da experiência dos Estados Unidos, Canadá, África do Sul e Europa passaram a implantar sistemas de cotas ou políticas com maior abrangência de ação afirmativa e, diversamente dos nortes-americanos, não se limitaram aos negros e latinos.

A legislação canadense garante a possibilidade de ações afirmativas. As leis federais regulam as políticas no âmbito da administração públia (v.g. artigo 15 da Canadian Charter of Rights and Freedoms) e as normas providenciais cuidam das relações privadas (artigo 14, 1, do Ontario Human Rights Code). A Suprema Corte verifica a constitucionalidade das ações afirmativas a partir da correspondência do fator de discriminação e a distinção implantada.298

Diante de um passado extremamente opressor, configurado por lutas entre as diversas etnias e pelo apartheid, a incursão africana nas políticas afirmativas adveio da necessidade de trazer novos padrões de igualdade através da equiparação de oportunidades e benefícios antes dados apenas à classe dominante. Tais políticas também foram fundamentais para a transição pacífica para a democracia naquele país.

296 SILVA, Sidney Pessoa Madruga da. Discriminação positiva: ações afirmativas na realidade brasileira.

Brasília: Brasília Jurídica, 2005, p. 66.

297 Ibidem, p. 67.

298 MALLET, Estêvão; MERINO, Lucyla Telles; PERES, Antonio Galvão; FAVA, Marcos Neves. Direito do Trabalho e igualdade étnico-racial. In PIOVESAN, Flávia; SOUZA, Douglas (org.). Ordem Jurídica e iguldade ético-racial. São Paulo: Prol. Ed., 2006, p. 305-343.

A “reparação” ou “transformação”, como preferem nomear a ação afirmativa, constitui-se em um instrumento “tanto para promover a “igualdade no emprego” quanto o “empoderamento econômico” dos grupos sub-representados”, afirma Manuela Tomei299.

A base legal para estes avanços surgiu com a promulgação da Constituição sul- africana de 1996, que menciona a necessidade de reconhecer as injustiças do passado, asseverando, em seu capítulo segundo que o Estado não deve discriminar injustamente.

O Employment Equity Act (Ato para a Equidade no Emprego), de 1998, é um complemento à referida Constituição. Este ato, que foi a primeira lei para a igualdade a entrar em vigor na África do Sul em favor de mulheres, pessoas portadoras de deficiências, africanos negros, pessoas de cor e indianos, possuía duas metas distintas: promover a igualdade de oportunidades e o tratamento justo através da eliminação da discriminação injusta; e reparar as desvantagens no emprego sofridas por grupos específicos através de políticas de ação afirmativa.

A Europa divergiu radicalmente do “modelo” norte-americano, pois se voltou a medidas relativas a gênero e origem nacional e não a raça ou cor. Cotas raciais não existem neste continente, porém alguns experimentos ocorreram com relação às cotas destinadas às mulheres, tanto na Itália como na França. Todavia, estas práticas acabaram sendo recebidas como inconstitucionais, de acordo com Manoel Gonçalves Ferreira Filho300.

Na Malásia, massacrada por lutas entre etnias diferentes, fora adotado um novo plano econômico em 1970 que visava o equilíbrio racial e a erradicação da pobreza. Tal plano, por exemplo, estabeleceu “como meta que, por volta de 1990, os bumiprutas7 teriam 30% do capital de negócios do país (em 1970, sua participação somava apenas 2% do capital empresarial do país)”, de acordo com Manuela Tomei301.

Cidinha da Silva302 mostra a aplicação em diversos países:

299 TOMEI, Manuela. Ação Afirmativa para a Igualdade Racial: características, impactos e desafios. Genebra.

Traduzido por Hélio Guimarães. 2005, p. 21. Disponível em: http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/discrimination/pub/acao_afirmativa_igualdade_racial_227.pdf.> Acesso em: 20/09/2011.

300 Em palestra ministrada no VI Encontro Nacional de Direito Constitucional em São Paulo, de 18 a 20 de

setembro de 1997. Apud MENEZES, Paulo Lucena de. Ação afirmativa (Affirmative action) no direito norte-

americano. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 150. 301 TOMEI, Manuela. Op. cit., p. 21.

302 SILVA, Cidinha da (org.). Ações Afirmativas em Educação: Experiências Brasileiras. São Paulo: Selo Negro,

Na Índia, desde a primeira Constituição, em 1948, previam-se medidas especiais de promoção dos Dalits ou Intocáveis, no parlamento (reserva de assentos), no ensino superior e no funcionalismo público. Na Malásia, foram adotadas medidas de promoção da etnia majoritária (os Buniputra) sufocada pelo poder econômico de chineses e indianos. Na antiga União Soviética adotou-se uma cota de 4% de vagas para habitantes da Sibéria na Universidade de Moscou. Em Israel, adotam-se medidas especiais para os Falashas, judeus de origem etíope. Na Nigéria e na Alemanha há ações afirmativas para as mulheres; na Colômbia, para os (as) indígenas; no Canadá, para indígenas e mulheres, além de para de negros (as), como as medidas existentes na África do Sul.

No que diz respeito ao mercado de trabalho, reproduz-se gráfico, elaborado por Manuela Tomei303, que resume as mais importantes implementações das políticas afirmativas:

As ações afirmativas foram e são implantadas como o objetivo de proporcionar a convivência entre os diferentes mediante a desconstrução das desigualdades sociais e a facilitação do acesso dos grupos discriminados às oportunidades em todos os níveis da sociedade.

303 TOMEI, Manuela. Ação Afirmativa para a Igualdade Racial: características, impactos e desafios. Genebra.

Traduzido por Hélio Guimarães. 2005, p. 14. Disponível em:

< http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/discrimination/pub/acao_afirmativa_igualdade_racial_227.pdf.> Acesso em: 20/09/2011.