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3 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS

3.1 O DIREITO FUNDAMENTAL À IGUALDADE E O ENFRENTAMENTO A SUB-

Passaremos a tratar do direito fundamental à igualdade e como ele se relaciona com o fenômeno da sub-representação negra e feminina no Congresso Nacional. Partimos do acúmulo apresentado no tópico anterior, em que apontamos que somente com relações materiais de igualdade a realização plena do Estado democrático de Direito se tornaria possível. E, na estrutura dessa nova conformação estatal estão, em nossa opinião, os direitos políticos.

As assimetrias encontradas na sociedade brasileira demonstram que existem sujeitos dominados e dominantes, e que o fenômeno jurídico reflete essas condições, de acordo com a perspectiva do Direito achado na rua. Concorrem para uma interpretação crítica feminista do direito, que enxerga na moldura normativa uma tradução do patriarcado e, além disso, na leitura de Rita Sousa, demonstram um ponto de partida racialmente situado.

Com essas sínteses, partimos para a análise do direito fundamental à igualdade. No pensamento de Mello204 a análise do art. 5º, caput, da Constituição Federal implica

em uma leitura dupla: em primeiro lugar, não se limita em estabelecer um nivelamento entre todos os cidadãos, em segundo lugar, implica que a Lei não pode violar a isonomia. Em suas palavras:

Imagina-se que as pessoas não podem ser legalmente desequiparadas em razão da raça, ou do sexo, ou da convicção religiosa (art. 5° caput da Carta Constitucional) ou em razão da cor dos olhos, da compleição corporal, etc. Descabe, totalmente, buscar aí a barreira insuperável ditada pelo princípio da igualdade. É fácil demonstrá-lo. Basta configurar algumas hipóteses em que estes caracteres são determinantes do discrimen para se aperceber que, entretanto, em nada se chocam com a isonomia (MELLO, 1993, p. 15).

Mello205 aponta que sob duas circunstâncias a isonomia restaria prejudicada. A

primeira diz respeito à singularização do elemento de discrímen que consolide a adoção da medida ao longo do tempo, no sentido de individualizar a política. Ao passo que a segunda circunstância aponta para a necessidade da identidade individual com o critério de diferenciação estabelecida pelo Estado, não pode ela se encontrar em outrem.

204 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. São Paulo:

Malheiros, 1993.

De maneira que, se a política de diferenciação é destinada a mulheres, aos homens não lhe cabe reivindicá-la, ao mesmo passo que esse mesmo comando estatal não pode se dirigir à identidade individualizada do cidadão. Assim, tomando como exemplo a política de reserva de vagas para as mulheres, nas candidaturas atinge-se uma coletividade de sujeitas e não apenas uma mulher. Os debates sobre as implicações do direito fundamental à igualdade não se resumem ao debate da isonomia.

De acordo com Martins206, a busca por liberdade e igualdade foram as pautas

centrais do constitucionalismo do séc. XVIII, e tem sido encontradas na ampla maioria dos textos constituintes que tem como fundamento a democracia207. O autor demonstra

que há um estado de colisão entre ambos os direitos inerente ao seu próprio conteúdo. Na leitura de Martins:

A diferença [...] reside na técnica jurídica das garantias: nos direitos de liberdade, questiona-se se a intervenção do Estado na área de proteção do direito pode ser justificada com base em um limite constitucional. No caso dos direitos de igualdade, não há um âmbito da vida social específico, também chamada de área de regulamentação, sobre o qual recairia a específica proteção (área de proteção), por se tratar de uma

norma relacional, mas se busca verificar se houve tratamento desigual e,

em havendo, se pode ser justificado (MARTINS, 2012, p.57, grifos do autor).

Seguindo sua interpretação a conformação do direito fundamental à igualdade se distingue dos direitos de cunho prestacional. Não haveria, na interpretação do autor, uma identidade entre os direitos sociais e o direito de igualdade, em seus termos, “principalmente porque medidas de fomento de um grupo representam desvantagem para os excluídos, não contemplados pela vantagem” (MARTINS, 2012, p.58). O que não implica em uma interdição de que políticas legislativas que reconheçam a existência de desigualdade não possam ser adotadas. A esse respeito Martins aponta que:

Um tratamento desigual pelo Estado legislador pode restar justificado se corresponder a um limite constitucional ao direito fundamental à igualdade e se o método de limitação usado pelo legislador atender ao critério da proporcionalidade com um limite ao seu poder de limitar o direito decorrente de seu próprio vínculo ao direito fundamental. O limite pode ser, inclusive, o direito fundamental à igualdade de outrem (MARTINS, 2012, p. 58).

É precisamente nesse limite que entendemos que as políticas de ação afirmativa

206 MARTINS, Leonardo. Liberdade e Estado Constitucional: leitura jurídico-dogmática de uma

complexa relação a partir da teoria liberal dos direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2012.

se situam, em nossa leitura. A identificação da situação de desigualdade de setores sociais implica na adoção de medidas legislativas que, partindo de critérios de proporcionalidade, busquem promover essa igualdade. O jurista apresenta uma proposta de método para o desenho que fundamenta os tratamentos diferenciados. Segundo sua lição208, é necessário

que o legislador aponte, como fundamento para a política que irá promover a distinção, um escopo e meio lícito, compatível com a ordem constitucional e, por fim, busque medidas que causem menos danos a condição do direito à igualdade do sujeito que não será inserido na vantagem legislativa criada.

O cuidado na elaboração de medidas que apresentem como pano de fundo a promoção do direito à igualdade é uma limitação nítida à posição de superioridade do Estado, para que não atue como um indutor de desigualdades, produzindo um efeito inverso ao esperado. Assim como o exemplo que trouxemos no debate do Apartheid legislativo, ou no sistema estadunidense do Jim Crow, as políticas estatais que partem da diferença não devem ser utilizadas para perpetrar uma lógica de opressão, especialmente direcionadas aos grupos minoritários. Sob uma égide constitucional e democrática tal conformação não encontra espaço.

Alerta Martins209 que os fundamentos utilizados pelo Estado não necessariamente

precisam externar a atenção a um fenômeno social que aponte para a materialidade de condições de tratamento diferenciado entre os sujeitos de direito. O exemplo que o autor apresenta é o tratamento da Administração em função da legislação tributária, que utiliza de tratamentos desiguais para sua elaboração. O Estado não pode agir com arbitrariedade na formulação das medidas que provoquem uma vantagem específica210. O autor aponta

ainda para a necessária interpretação sistemática para dimensionar o direito fundamental à igualdade. Em seus termos:

Há uma relação entre o direito fundamental à igualdade e o princípio constitucional do Estado social, adotado explicitamente pela

Grundgesetz sem estabelecer um rol de direitos fundamentais sociais e

implicitamente pela CF brasileira por justamente ter estabelecido tal rol e por outras disposições constitucionais relativas à ordem econômico- social. Assim, em interpretação sistemática com o princípio do Estado social, o direito fundamental à igualdade implica deveres de atuação positiva (MARTINS, 2012, p. 58).

208 MARTINS, 2012, p.59.

209 MARTINS, Leonardo . Direito Fundamental à Igualdade. In: CANOTILHO, J.J. Gomes; MENDES,

Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lênio L.; LEONCY, Léo F. (Org.). Comentários à Constituição

do Brasil. 2ª ed.São Paulo: Saraiva, 2018, v., p. 223-236.

210 MARTINS, Leonardo . Direito Fundamental à Igualdade entre Homem e Mulher. In: CANOTILHO,

J.J. Gomes; MENDES, Gilmar F.; SARLET, Ingo W.; STRECK, Lenio L.; LEONCY, Léo F. (Org.).

Como debatido anteriormente, essa leitura articulada da Constituição não transforma a natureza da igualdade de direito de resistência em prestacional, mas autoriza a adoção de medidas que visem dirimir as assimetrias na sociedade. Como o texto constituinte originário fez questão de explicitar, o direito geral à igualdade centra-se na proibição de distinções de qualquer natureza. E, como observa Martins211, houve um

tratamento especial do texto constituinte quanto às relações de igualdade entre homens e mulheres, expresso no art. 5º, I. Em seu sentir:

O caráter peculiar da igualdade garantida a homens e mulheres titulares do direito à igualdade entre os gêneros é que, ao contrário do direito geral à igualdade, cujas principais concretizações se dão pela proibição da discriminação baseada na cor, raça, origem etc., não se trata de uma simples proibição de discriminação negativa, mas também de uma proibição de discriminação positiva ou proibição de privilégio. É o que decorre da expressão “são iguais em direitos e obrigações” (grifo do autor) (MARTINS, 2018, p.242).

Assim, tomando por exemplo a política de cotas para candidaturas femininas, percebe-se que poderiam ser lidas como uma condição de privilégio das mulheres em relação aos homens, ferindo o comando constitucional de igualdade de gênero. Contudo, como o próprio autor apresenta, é necessário que se faça uma interpretação sistemática da CF que autoriza o estado a utilizar essas medidas para testar, em seus termos, “no campo sociopolítico e a prerrogativa de realizar prognósticos” (MARTINS, 2018, p. 246). A síntese dos debates teóricos sobre o direito à igualdade indica que é lícito ao Estado estabelecer políticas legislativas que busquem a promoção da igualdade material, desde que obedecidos elementos de proporcionalidade na adoção das medidas.

A leitura sistemática do texto constitucional articula ao direito de igualdade os elementos de enfrentamento às desigualdades baseadas no gênero (ou sexo?) e na raça, e cabe ao Estado estabelecer medidas que atendam às necessidades desses grupos orientados pela efetivação dos direitos fundamentais. De maneira que medidas afirmativas, por exemplo, encontram nessa leitura do direito à igualde uma forte sustentação constitucional. Ainda que tenham que atender a critério objetivos e demandem, como afirma Martins, uma complexa interpretação constitucional, essas discriminações têm gerado efeitos positivos na busca da concretização dos direitos dos segmentos minoritários, especialmente no Brasil.

Ainda que não carreguem consigo a potência de alterar profundamente as relações de dominação, em nosso sentir, contribuem para a realização da igualdade material, e no limite, da própria democracia. Como dissemos no primeiro capítulo, entendemos a democracia como “um projeto de enfrentamento das estruturas de dominação vigentes numa determinada sociedade“ seguindo a esteira de Miguel212, é precisamente na

formulação da política legislativa que pode ser dado consequência aos comandos constitucionais de promoção da igualdade.

Ou seja, entendemos que, no enfrentamento à sub-representação feminina no Congresso – situação concreta de desigualdade – a argumentação jurídica que tome como ponto de partida a isonomia é crucial. Tanto do ponto de vista jurídico, ao compreender que o debate de mulheres e raça se intercruzam e provocam efeitos na sociedade brasileira. Tanto que o texto constituinte originário faz questão de destacar o compromisso com o enfrentamento e superação do machismo e do racismo. Assim, do ponto de vista do direito à igualdade articulado com a leitura sobre os direitos políticos, extraímos que os mecanismos de diferenciação são fundamentais para alcançar a igualdade prevista no art. 5º, caput. Dito de maneira assertiva, compreendemos que a realização dos direitos políticos das mulheres negras no campo da democracia representativa que experimentamos demanda a adoção de políticas afirmativas específicas.

No espaço do Legislativo federal o debate sobre essas medidas tem sido acumulado, especialmente no debate da inserção das mulheres na disputa eleitoral. Segundo Sônia Miguel213, a primeira iniciativa que pensou em reserva de vagas

candidaturas femininas é de iniciativa de Marco Penaforte (PSDB/CE), apresentada na Câmara Federal em 1993. Contudo, a reserva de vagas é inaugurada em 1995. Conforme Eneida Martins214:

Para atender à Plataforma de Ação Mundial da IV Conferência Mundial da Mulher, em Pequim, assinada pelo Brasil em setembro de 1995, foi incluído um dispositivo de cotas na Lei n. 9.100, de 29 de setembro de 1995, que estabelecia normas para a realização das eleições legislativas municipais seguintes. Tal Plataforma recomendava ações afirmativas para a aceleração da diminuição das defasagens quanto às exclusões das mulheres dos centros de poder político.

212 MIGUEL, Luís Felipe. Ibidem. p.96.

213 Miguel, Sônia Malheiros. A política de cotas por sexo: um estudo das primeiras experiências no

Legislativo brasileiro. Brasília: CFEMEA, 2000.

214 MARTINS, Eneida Valarini. A política de cotas e a representação feminina na Câmara dos Deputados.

Monografia (especialização). Curso de Especialização em Instituições e Processos Políticos do

Dois anos depois, a decisão é ampliada para os demais cargos do legislativo eleitos pelo sistema proporcional pelo art. 10, parágrafo 3º, da Lei n.º 9504/97.215 Na esteira de

Sônia Miguel216, a presença dos movimentos feministas no Congresso ganha peso a partir

de 1995, destacando a atuação da Deputada Federal Marta Suplicy, que teve protagonismo no processo de organização da bancada feminina da Câmara dos Deputados em torno da pauta.

Dando sequência à linha temporal do avanço das políticas afirmativas para mulheres no campo dos direitos políticos, Sônia Miguel217 elenca a proposição do

deputado Edinho Araújo (PMDB-SP). O PL nº 2695/1997 previa, em seu § 2º, art. 10, que no mínimo 30% (trinta por cento) das vagas de cada partido ou coligação deveriam ser preenchidas por candidaturas de mulheres. Apesar da importante modificação legislativa, os impactos da medida não alcançaram os efeitos pretendidos, de acordo com Oliveira:

No caso brasileiro, a lei de quotas não contempla sanções em caso de descumprimento dos percentuais mínimo e máximo para candidaturas de cada sexo, e amplia a quantidade de candidaturas a serem lançadas pelos partidos políticos ou coligações. Tais aspectos enfraquecem a exigibilidade da norma e desfavorecem a efetividade da política de quotas eleitorais de gênero (OLIVEIRA, 2015, p. 164).

E o questionamento da necessidade da política, tomando por fundamento o debate sobre o direito fundamental a igualdade persiste. No ano de 2007, o Partido Social Cristão (PSC) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3986)218 com pedido de

liminar junto ao Supremo Tribunal Federal, alegando que a lei feria o princípio da igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres. O processamento da ação prossegue, mas o pedido liminar foi indeferido pelo Relator da ADI, Min. Eros Grau. Hoje a relatoria da citada ADI está sob a responsabilidade do Ministro Luiz Fux.

De acordo com Veras219, nas disputas de entre 1996 e 1998 o número de

candidatas passou de 6,15% (seis vírgula quinze por cento) para 10,35% (dez vírgula

215 Cf. OLIVEIRA, 2015. 216 Cf. MIGUEL, 2000. 217 MIGUEL, ibidem.

218 BRASIL. Ação Direta De Inconstitucionalidade nº 3986. STF. Disponível em

<http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=2574389> Acesso em 27 de jan. de 2019.

219 VERAS, Gabriella Galdino. A representação feminina na política brasileira: análise sobre a efetividade

da cota de gênero prevista na lei 9.504/97. Monografia (Graduação) Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais - FAJS, Centro Universitário de Brasília, Brasília (DF), 2016.

trinta e cinco). Contudo, esse maior número de candidaturas não implicou em ampliação do número de cargos. Em 1994, eram 32 mulheres na Câmara Federal e, em 1998, apenas 20 (vinte) deputadas eleitas. Em 2010, a “minirreforma eleitoral”, buscou melhorar a política de cotas. A Lei 12.034/2010 substituiu a expressão - “deverá reservar” - por “preencherá”, que em nossa leitura não foi uma opção feliz do texto no sentido de conferir maior proteção ao objeto da lei. O verbo e o tempo empregado reforçam o caráter programático da norma, prejudicando a interpretação mais imperativa da mesma. Outra alteração importante foi o acréscimo de 10% (dez por cento) de tempo a mais de propaganda partidária destinada às mulheres.

Outra disposição fundamental recaiu sobre os recursos. Ficou reservado o percentual de 5% (cinco por cento) do Fundo partidário para a organização da participação de mulheres na política institucional. Uma das sanções em caso de descumprimento do mandamento é o aumento dessa reserva na casa de 2,5% (dois vírgula cinco) do valor para o ano seguinte, implicando ainda em impedimento de movimentar os recursos com fins alheios ao debate do engajamento das mulheres na política.

Mesmo avançando nos mecanismos legislativos para efetivar as políticas de cotas, entende Oliveira220 que a existência de insuficientes mecanismos de punição do

descumprimento das normas incentivam a não observância dos comandos por parte dos partidos. Ainda que a jurisprudência do TSE venha pacificando o entendimento que no caso de não se alcançar o índice de 30% (trinta por cento) de candidatas, o partido ou a coligação deve reduzir o número de candidatos do sexo masculino para se adequar a política de cotas. Mesmo assim, as mulheres permanecem sub-representadas.

A polêmica reforma eleitoral que tramitou em 2017, tinha boas propostas para avançar nesse campo. As propostas se consolidaram em duas novas legislações - Lei nº 13.487/2017 e Lei nº 13.488/2017. As alterações - votadas às vésperas do prazo limite para qualquer alteração eleitoral - envolveram diretamente os temas trabalhados que acabaram centrando-se no debate sobre o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), como o recurso será obtido e distribuído.

O relatório da chamada “reforma política”, que teve mais de quinze versões, continha dispositivos que podem ser considerados avançados, especialmente no debate de gênero. O deputado Vicente Cândido (PT/SP), relator da proposta, sugeriu medidas

como o voto em lista fechada para o legislativo nas eleições de 2018 e 2022, com ordem dos candidatos e regra para alternância de gênero.

A proposta foi derrotada ainda na Câmara dos Deputados, por 369 votos contra, 99 votos a favor e 2 abstenções. Outros instrumentos importantes como o teto para as doações de pessoas físicas as campanhas parlamentares e a proibição ao autofinanciamento foram vetadas. Permaneceram os limites para os gastos nas campanhas de acordo com os cargos.

O único avanço que observamos do ponto de vista do debate de gênero e raça, foi o acréscimo do art.93-A, que consta na Lei 13.488/2017. A norma estabelece que em anos eleitorais o TSE deve veicular conteúdos nos meios de comunicação que incentivem a participação feminina, de jovens e da comunidade negra. Antagonicamente, a reforma retira a possibilidade de programas partidários irem ao ar em anos não eleitorais, o que é avaliado como um desserviço. Extinguir a propaganda partidária das grandes mídias não contribui para que mais mulheres e pessoas da comunidade negra sejam chamadas a organizar-se politicamente.

Esses resultados desanimadores são explicados por Miguel221 de maneira

sintética. Diz o autor que “a ausência de mulheres no corpo de representantes contribui para perpetuar as condições de seu próprio afastamento, reafirmando a esfera pública como território masculino”222. Tal argumento, reforça a nossa percepção da necessidade

de conjugar política de presenças com ideias, é necessária a presença desses sujeitos no momento da elaboração desse direito que busque a realização da igualdade.

Recentemente, duas importantes consultas ao Tribunal Superior Eleitoral surgem como elementos interessantes para o debate da participação feminina nas eleições. A primeira223, feita pela Senadora Lídice da Mata (PSB-BA), tem como objeto a ampliação

da reserva de vagas de 30% de mulheres nas candidaturas, garantidas por lei, para os cargos nas instâncias partidárias. A consulta ainda requer que o TSE se pronuncie sobre os efeitos que os partidos devem sofrer caso não cumpram a norma, a solução apontada por Lídice da Mata vai no sentido de indeferimento da participação das agremiações nos pleitos eleitorais. O processo foi distribuído para a Ministra Rosa Weber, única mulher

221MIGUEL, Luis Felipe. Perspectivas sociais e dominação simbólica: a presença política das mulheres entre Iris

Marion Young e Pierre Bourdieu. Rev. Sociol. Polit., Curitiba , v. 18, n. 36, p. 25-49, Jun. 2010.

222 MIGUEL, 2010, p.28.

223 BRASIL. Consulta nº 060381639.2017.6.00.0000. Ministério Público Federal. Disponível em

<http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/Consulta060381639.2017.6.00.0000.pdf> Acesso em 19 de jan. de 2019.

da composição atual do órgão colegiado. Até o fechamento deste trabalho não houve resposta à consulta, para que se pudesse confrontar o que se elaborou naquela Corte.

Ainda nesse âmbito, é importante ressaltar a importante decisão do TSE ao aplicar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, sobre a utilização do fundo eleitoral para financiamento das candidaturas de mulheres. A consulta, provocada por parlamentares do Congresso Nacional, foi fundamental para solidificar os passos na construção de condições mais igualitárias para as disputas eletivas de mulheres já em 2018224. Ao

examinar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5617225, o Plenário da Corte decidiu

que é constitucional o uso de 30% dos recursos para o financiamento de candidaturas femininas, aduzindo ainda que a medida não pode ter um prazo de expiração, posto que as condições de desigualdades entre os gêneros, nas disputas institucionais da política, ainda não desapareceram.

O TSE, acompanhando o entendimento do STF, ao aprovar a resolução que fixou os procedimentos administrativos pertinentes ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), destacou que o percentual de 30% não deve ser encarado como o teto do investimento em candidaturas femininas, mas o ponto de partida. O mesmo percentual diferenciado deve ser usado inclusive no tempo de TV e de rádio, destinado à propaganda

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