• Nenhum resultado encontrado

O discurso de resistência da Escola de Frankfurt

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2012 (páginas 75-77)

Capítulo 2. Bens jurídicos coletivos e a tutela penal do meio ambiente

2.4. É possível a tutela penal de bens jurídicos coletivos?

2.4.3. O discurso de resistência da Escola de Frankfurt

A atitude crítica da tutela penal desvinculada do cuidado de interesses individuais, representada pela concepção autônoma dos bens jurídicos coletivos, é assumida por representantes da Escola de Frankfurt, cujo discurso é marcado pelo ceticismo do Direito Penal de controlar os novos riscos sociais. A postura dos representantes desta Escola é caracterizada pela defesa de um Direito Penal liberal-clássico, centrado na proteção de bens jurídicos individuais, rejeitando-se, portanto, a modernização do Direito Penal, e oferecendo um discurso de resistência.

Expoente maior da Escola de Frankfurt, WINFRIED HASSEMER sustenta que somente é possível a tutela de bens jurídicos universais se, e na medida em que, dita proteção também alcance interesses pessoais, ainda que mediatamente, funcionalizando-os para atender as necessidades do homem224. Pondera que uma noção de bem jurídico concorde com a formatação de um Direito Penal Clássico-Liberal é obtida unicamente através de orientações pessoais, razão pela qual os bens jurídicos são interesses humanos que requerem proteção penal225. Portanto, o autor defende uma visão restrita da noção de bem jurídico, abrangendo somente a tutela de objetos palpáveis, de maneira que é bastante crítico à criação de bens jurídicos vagos e superficiais, ressentidos da concreta relação entre autor e vítima, nos quais a proteção se dá pela técnica dos crimes de perigo abstrato, conhecidos pelo rebaixamento dos pressupostos de punibilidade e pela antecipação das barreiras penais226, revelando o caráter

222

Consideraciones críticas sobre la situación espiritual de la ciencia jurídico-penal alemana, p. 194.

223 GRECO, Luís, ob. cit., p. 29.

224 ―Con relación a esto, cabe aclarar, en primer lugar, que un concepto personal del bien jurídico no rechaza la posibilidad de

bienes jurídicos generales o estatales, pero funcionaliza estos bienes desde la persona: solamente puede aceptarlos con la condición de que brinden la posibilidad de servir a intereses del hombre‖ (Lineamentos de una teoría personal del bien

jurídico, p. 282).

225

Ibidem.

226 WINFRIED HASSEMER assim analisa o Direito Penal Moderno: ―Já não se trata mais da proteção de ultrapassados bens

jurídicos individuais concretos, como a vida e a liberdade, mas dos modernos bens jurídicos universais, por mais vaga e superficial que seja a sua definição: saúde pública, regularidade do mercado de capitais ou credibilidade de nossa política externa. A eles correspondem os tipos de delitos em que o moderno Direito penal se realiza: nos crimes de perigo abstrato, não se indaga de uma ameaça concreta, muito menos de um dano ao bem jurídico; para fazer nascer a pretensão punitiva, basta a prática de uma conduta considerada tipicamente perigosa, segundo a avaliação do legislador‖ (História das Idéias

preventivo e destinado à proteção da segurança cidadã, frente aos modernos riscos deste novo Direito Penal.

A funcionalização do Direito Penal para combater os perigos que estão na ordem do dia, a exemplo dos ligados aos problemas ambientais, tráfico de drogas, criminalidade organizada, desvios econômicos, tributação, informática, corrupção, comércio exterior e controle sobre armas bélicas, transformam o princípio da ultima ratio em prima ou sola ratio, uma vez que ―a resposta penal surge para as pessoas responsáveis por estas áreas cada vez mais freqüentemente como a primeira, senão como única saída para controlar os problemas‖227.

Certo de que as estruturas dogmáticas do Direito Penal são incapazes de cumprir as tarefas de modernização, porquanto as neocriminalizações comumente encontram problemas de difícil resolução nos campos da imputabilidade, causalidade, culpabilidade, ofensividade dentre outros, maculando não raro os tradicionais princípios penais, WINFRIED HASSEMER aponta para os déficits de execução deste novo Direito Penal, que se pretende eficiente, e denuncia seu caráter meramente simbólico, pois o que se busca é oferecer uma resposta aos problemas sociais da atualidade, dando-se a impressão de que providências estatais estão sendo tomadas, mas não se verifica a efetiva obtenção de resultados satisfatórios com essa política criminal228.

Enfim, esse autor rejeita a inclusão das novas formas de criminalidade no âmago do Direito Penal, se desvinculadas da tutela de interesses pessoais. Não significa que o autor desconheça os riscos atuais e seja a eles insensível; todavia, firme em sua concepção de Direito Penal amarrada a partir da ideia de contrato social e dos ideais iluministas, e adepto de uma noção liberal-clássica dos bens jurídicos, WINFRIED HASSEMER propõe a criação de ramo diverso do penal para combater as novas formas de criminalidade. Trata-se do que ele denominou de ―Direito de Intervenção‖, situado entre o Direito Penal e o Direito Administrativo sancionador, entre o Direito Civil e o Direito Público, que teria um nível

227

Idem, p. 63.

228 ―O Direito penal moderno é afeiçoado a colher os frutos da fachada empírica sem querer arcar com os custos respectivos:

quer ser instrumento de efetiva solução de problemas, mas não admite ser questionado em sua eficiência. Em presença do maciço e notório ‗déficit de execução‘ que se observa nos campos mais modernos do Direito penal, como drogas, sistema econômico e ecologia, resta sempre de uma eficiência puramente aparente e portanto simbólica‖ (Idem, p. 71). O Direito Penal simbólico e a posição do autor citado serão melhor analisados no quarto capítulo.

menor de garantias e seria projetado para aplicar penas que não fossem privativas de liberdade229.

Na linha ideológica de contenção da expansão do poder punitivo, FELIX HERZOG, outro representante da Escola de Frankfurt, adota postura bem parecida com a de WINFRIED HASSEMER, colocando-se de forma contraria à criação de um Direito Penal do risco, visto que este é contrário à tradição liberal-clássica do Direito Penal. A instrumentalização pelos partidos políticos do Direito Penal, visando à contenção dos novos riscos sociais rompe com os clássicos princípios penais, de maneira que a ampliação deste ramo do Direito às áreas em que se postula sua modernização serve apenas para ―de forma rápida, sin grandes planes y con pocos gastos en los presupuestos, demonstrar que se es consciente de un determinado problema‖230, opondo-se, por essa razão, à delegação dos mais graves problemas sociais ao Direito Penal, caso contrário, incorrer-se-á em notório populismo em prejuízo da concretização de políticas sociais e econômicas231.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2012 (páginas 75-77)