• Nenhum resultado encontrado

O DISCURSO TESTEMUNHAL E O PROJETO DE ADESÃO

TESTEMUNHAL PUBLICITÁRIO

2. O ESTUDO DOS GÊNEROS NA MÍDIA PUBLICITÁRIA TELEVISIVA

2.3 O DISCURSO TESTEMUNHAL E O PROJETO DE ADESÃO

O ato de testemunhar em uma publicidade televisiva não significa somente relatar experiências; os gêneros publicitários sempre almejam algo mais, e envolver seu interlocutor é um de seus interesses. Assim como em qualquer texto, é necessário considerar o outro, isto é o auditório, nos termos da Retórica e da Nova Retórica. Os gêneros publicidade e propaganda, em especial, que visam a ganhar a adesão de um grupo, não podem desconsiderar essa questão.

A Nova Retórica insurgiu no cenário filosófico, diferente da Retórica clássica, com a orientação de que os argumentos de um discurso devem destinar-se a um sujeito ativo, participante do ato comunicativo. Mas tal qual a Retórica antiga tem no auditório um dos elementos constitutivos do ato discursivo. Em sua concepção, contudo, para se referir a esse sujeito, considera que ele não é passivo, mas interage e se posiciona criticamente, levando o orador, assim, a adaptar seus argumentos ao seu público (PERELMAN e TYTECA, 2005, p.7).

Bakhtin (2003), por sua vez, chama esse auditório, em sua Estética da criação

verbal, de autor-contemplador e, vale notar que em ambas as teorias, tanto o sujeito

que testemunha quanto o seu auditório estão situados historicamente em um contexto social e são partes integrantes de segmentos sociais.

A relação dialógica que se estabelece entre os sujeitos interlocutores permite que ambos se constituam e sejam constituídos pela linguagem. Os significados que são produzidos na interação são frutos de avaliações feitas por esses sujeitos que são situados em um contexto mais localizado e, ao mesmo tempo, em um contexto mais amplo, além de estarem inscritos em dadas ideologias. Isso ocorre tanto da parte do publicitário quanto daqueles que com ele interagem (testemunha e consumidor). Assim, podemos dizer que a compreensão tem um caráter ideológico e tem uma relação direta com o encontro de palavras. Podemos dizer, ainda, que os juízos de valor são sempre cronotópicos, isto é, estão situados em um espaço/tempo determinados.

Conforme Bakhtin, em Marxismo e filosofia da linguagem:

A significação objetiva forma-se graças à apreciação; ela indica que uma determinada significação objetiva entrou no horizonte dos interlocutores – tanto no horizonte imediato como no horizonte social mais amplo de um dado grupo social. Além disso, é à apreciação que se deve o papel criativo das mudanças de significação. A mudança de significação é sempre, no final das contas, uma reavaliação: o deslocamento de uma palavra determinada de um contexto apreciativo para o outro (BAKHTIN, 2010, p.140).

A partir disso, depreende-se a questão posta por Bakhtin sobre o valor: o que tem valor para um sujeito, uma significação, para outro, pode não ter; o que não necessariamente compromete o sentido, mas é passível de uma ressignificação diante das circunstâncias historicamente situadas.

Na tentativa de chamar a atenção de seu interlocutor, o autor precisa se valer de artifícios que chamem a atenção daqueles aos quais quer atingir, de modo que eles se sintam atraídos pelo que lhes está sendo oferecido. Assim, a argumentação que vai constituir seu discurso deve levar em conta as características de seu auditório, de modo que haja identificação; o que, na teoria bakhtiniana, faremos menção à

empatia, termo usado pelo filósofo para esse momento da interação em que surge o

interesse. Assim, toda a argumentação deve ser pautada nas particularidades do interlocutor ao qual se quer influenciar.

Para a teoria bakhtiniana, que nos atravessa e da qual estamos nos valendo para esta pesquisa, na contemplação da publicidade, pensando na relação dialógica que ocorre entre o herói (a testemunha) e o auditório (autor-contemplador), a empatia é o encontro da singularidade do “eu” (enquanto auditório interlocutor) com a palavra outra. Em Para uma filosofia do ato, Bakhtin fala um pouco sobre essa noção da empatia estética [vizivanie] diferenciando-a da empatia pura (em que o sujeito perde- se em si mesmo na contemplação) e atribuindo-lhe um caráter de essência da contemplação estética, embora reconheça que não é o único:

Esses momentos têm sentido e são realizados por quem se identifica, situado fora da individualidade, dando forma e objetivando a matéria cega da empatia. Em outras palavras, o reflexo estético da vida viva não é por princípio autorreflexo da vida em movimento, da vida em sua real vitalidade: tal reflexo pressupõe um outro sujeito da empatia, que é extralocalizado (BAKHTIN, 2010 [1920-24], p. 61).

Nesse momento, que é, também, o momento da escuta do outro, já não se trata mais do mesmo sujeito (auditório inicial), mas de um outro. Isso porque a palavra outra penetrou o “eu” desse sujeito da interação. Esse sujeito inicial está deslocado, vivendo o encontro da palavra alheia com a palavra própria. Mas:

Eu vivo ativamente a empatia com uma individualidade, e, por conseguinte, nem por um instante sequer perco completamente a mim mesmo, nem perco o meu lugar único fora dela. Não é o objeto que se apodera de mim, enquanto ser passivo: sou eu que ativamente o vivo empaticamente; a empatia é um ato meu, e somente nisso consiste a produtividade e a novidade do ato (BAKHTIN, 2010 [1920-24], p.62, grifos do autor).

No decorrer de suas reflexões, o filósofo diz, ainda, que compreender um objeto significa compreender o nosso dever em relação a ele, portanto, o fato de haver a empatia estética não significa que houve a plena compreensão do evento, mas, ao retornar à nossa singularidade enquanto sujeitos da interação, respondemos ativamente e responsavelmente, aderindo ou não. O que ocorre nesse processo de adesão é, inicialmente o silenciamento. É quando nos colocamos na escuta do outro para dar, em sequência, a valoração posterior à palavra alheia.

Assim, a adesão é a resposta ativa responsável do “eu” em um ato singular. É um passo que o “eu” toma. Passo responsável, fruto do encontro da palavra própria com a palavra de outrem.

2.4 A ARGUMENTAÇÃO E A EMOÇÃO NAS PUBLICIDADES E