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CAPÍTULO II – EMANCIPAÇÃO, CIDADANIA E SERVIÇO SOCIAL

2.3 As Dimensões da Emancipação

2.3.1 O Empowerment como processo para a emancipação

Segundo Baquero (2012) o empowerment é um conceito que tem raízes na Reforma Protestante de Lutero, no século XVI, onde a ideia estava relacionada com a noção de que a própria pessoa, ao ter o acesso aos escritos em alemão (língua materna), assume de forma independente a interpretação da bíblia. Contemporaneamente, assegura o autor, este expressa-se nas lutas pelos direitos civis, no movimento feminista e na ideologia da "ação social", presentes nas sociedades dos países desenvolvidos, na segunda metade do século XX. Nos anos 1970 esse conceito é influenciado pelos movimentos de autoajuda e nos 1980 pela psicologia comunitária. Na década de 1990 recebe o influxo de movimentos que buscam afirmar o direito da cidadania sobre distintas esferas da vida social, entre as quais a prática médica, a educação em saúde, a política, a justiça e a ação comunitária (Baquero, 2012).

Pinto (2011) assegura que o empowerment é ação, é práxis, tanto dos sistemas-cliente da intervenção social, como dos sistemas de intervenção - nomeadamente dos profissionais do trabalho social que procuram alcançar o empowerment dos clientes.

Para Gohn (2004) há dois tipos de processos de empowerment mais utilizados: um refere-se ao processo de mobilizações e práticas destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidades - no sentido do seu crescimento, autonomia, melhora gradual e progressiva de suas vidas; e o outro refere-se à ações destinadas a promover a integração dos excluídos, carentes e indivíduos necessitados de bens elementares à sobrevivência, serviços públicos, atenção pessoal etc., nos sistemas precários, que não contribuem para organizá-los – porque os atendem individualmente, numa ciranda interminável de projetos de ações sociais assistenciais (Gohn, 2004, p. 23).

Horochovski & Meirelles (2007) apontam duas perspetivas de empowerment: a perspetiva neoliberal/neoconservadora e a perspetiva freireana, gramsciana e habermasiana. Para os autores, a primeira perspetiva vê o empowerment como o fortalecimento da esfera privada, deixando-se às associações e comunidades a resolução dos seus problemas. A segunda perspetiva trata o

empowerment como reforço de um espaço público de transformação e emancipação dos grupos

56 O que vem a ser empowerment? A palavra de língua inglesa tem origem no termo power (poder). Pinto (2011) desconstruiu o conceito de poder e de empowerment na sua tese doutoral e, de acordo com esta autora, são muitas “as questões que povoam o complexo domínio da conceptualização e análise do poder”. Contudo, é importante que se diga que não existe na literatura uma definição de poder que seja consensual, assim como de empowerment.

Bourdieu (1989) defende que nas relações sociais todos os indivíduos envolvidos não são unicamente passivos. Para o autor, não existem sujeitos totalmente carenciados de poder, nem sujeitos com poder absoluto. Quanto a esta questão Pinto (2011) acrescenta que

Esta conceção do poder é determinante para a intervenção social, e em particular para o Serviço Social crítico e para a abordagem de empowerment. É fundamental este entendimento de que os menos poderosos não são desprovidos de poder, que pelo contrário têm efetivamente poder, que deve ser mobilizado e utilizado (Pinto, 2011).

Gutiérrez (1990) refere-se explicitamente ao poder na definição do conceito de

empowerment. Para a autora, o empowerment é visto como um processo de acréscimo de poder

pessoal, interpessoal e político, de modo que os indivíduos possam agir no sentido de melhorarem as suas vidas (Gutiérrez, 1990, p. 149).

Herriger (2009) define o empowerment como a auto capacitação; fortalecimento do poder individual e de autonomia; e que se refere a processos biográficos em que as pessoas desenvolvem mais energia para ganho (o poder político; habilidades face as tensões da vida diária). O autor descreve o empowerment como um processo de solubilização, de coragem, e de capacitação, onde as pessoas em situações de discriminação ou de exclusão social tornam-se cientes do assunto, enfrentam o problema, desenvolvem as suas próprias forças, individual e coletiva, e aprendem a usar os recursos para uma vida autodeterminada. Este autor identificou duas leituras para o empowerment, sendo a primeira descrita como um processo de auto capacitação e auto apropriação das próprias forças. Empowerment refere-se aqui a um processo de auto início e autocontrolo de (re)produção de autodeterminação e autonomia na formação das suas próprias vidas. Esta definição enfatiza, assim, o aspeto da autoajuda e da auto-organização ativa. A segunda leitura enfatiza os aspetos de apoio e promoção da autodeterminação pelos profissionais, num processo de (re)estimular a aquisição de forças de autoformação, incentivar e apoiar o utente. Empowerment é nesse sentido acompanhar, apoiar o utente. Segundo o autor o processo de empoderamento tem um efeito a longo prazo. Este processo produz uma segurança

57 básica em termos de estilo de vida pessoal e inclusão social, as pessoas em causa podem ser a força motivacional para a mudança nas suas próprias trajetórias de vida.

Adams (2008) sustenta que o empowerment pode ser aplicado a indivíduos, grupos, organizações, comunidades e sistemas políticos. O autor refere que é a capacidade dos indivíduos, grupos e/ou as comunidades para ganharem o controlo sobre as suas circunstâncias, exercerem o poder e atingirem os seus próprios objetivos, e o processo pelo qual, individual ou coletivamente, são capazes de se ajudarem a si e aos outros para maximizar a sua qualidade de vida.

Neste sentido, Faleiros (1996) assegura que a intervenção em Serviço Social deve ter uma intencionalidade para o empowerment individual que forneça aos indivíduos ferramentas, capacidades e autonomia para interpretar e mudar a sua própria condição, que remeta para uma dimensão mais coletiva.

Ninacs (2003) assegura que o empowerment “trata-se de um encadeamento simultâneo de etapas das diferentes esferas, que em conjunto e em interação proporcionam a passagem de um estágio sem poder a um estágio no qual o indivíduo se torna capaz de agir de acordo com as suas próprias escolhas” (Ninacs, 2003, p. 23).

De acordo com este autor, a intervenção tem por base três tipos de empowerment: individual, organizacional e comunitário. O individual corresponde ao processo de apropriação do poder por uma pessoa ou grupo; o organizacional refere-se à apropriação do poder por uma organização, no seio da qual uma pessoa, grupo ou outra organização são empoderadas; e o comunitário corresponde à tomada em mãos pelo coletivo da comunidade do seu meio comunitário. Desta forma, a perspetiva do empowerment não pode ser utilizada apenas como forma de transferir a responsabilidade apenas para os indivíduos.

Segundo Ninacs (2003) o empowerment individual é sustentado por quatro esferas: participação, competências, autoestima e consciência crítica. O empowerment comunitário, de acordo com o autor, envolve quatro esferas: comunicação, capital comunitário, competências e participação. E quanto ao organizacional, o qual intermedeia o empowerment individual e o comunitário, por ser o contexto no qual o indivíduo e as comunidades entram em processo de

58 A consciência crítica é uma dimensão importante do conceito de empowerment. Freire (1970) defende que as pessoas desenvolvem o seu poder com a perceção crítica da forma como existem no mundo. Segundo o autor a consciência crítica é a chave para a transformação social e deve ser desenvolvida ao longo do processo de empowerment, uma vez que na sua ausência, qualquer processo deste tipo poderá fracassar. Nesse sentido, o empowerment pode ser gerado de um processo de ação social no qual os indivíduos assumem o papel de protagonistas das suas vidas através da interação com outros indivíduos, produzindo assim um pensamento crítico da realidade em que vivem, a possibilitar a edificação de capacidades, tanto pessoal como social, e facilitando a transformação de relações sociais de poder (Baquero, 2012).

Baquero (2012) acrescenta que o empowerment envolve um processo de

consciencialização, que segundo o autor, é “a passagem de um pensamento ingênuo para uma consciência crítica” (Baquero, 2012, p. 181). Para este autor, empowerment, enquanto categoria, perpassa noções de democracia, direitos humanos e participação, mas não se limita a estas. É mais do que trabalhar no nível conceptual, envolve o agir, implicando processos de reflexão sobre a ação, visando uma tomada de consciência a respeito de fatores de diferentes ordens – económica, política e cultural – que conformam a realidade, incidindo sobre o sujeito. Neste sentido, um processo de empowerment eficaz necessita envolver, tanto dimensões individuais, quanto coletivas.

Pinto (1998) assegura que o empowerment é um processo de reconhecimento, criação e utilização de recursos e de instrumentos pelos indivíduos, grupos e comunidades, em si mesmos e no meio envolvente, que se traduz num acréscimo de poder – psicológico, sócio-cultural, político e económico – que permite a estes sujeitos aumentar a eficácia do exercício da sua cidadania. Baquero (2012) acrescenta que o empowerment configura-se como um processo de ação coletiva que se dá na interação entre indivíduos, o qual envolve, necessariamente, um desequilíbrio nas relações de poder na sociedade.

Numa perspetiva emancipatória, Horochovski & Meirelles (2007) consideram que empoderar é o processo pelo qual indivíduos, organizações e comunidades angariam recursos que lhes permitam ter voz, visibilidade, influência e capacidade de ação e decisão.

Como o acesso a esses recursos normalmente não é automático, ações estratégicas mais ou menos coordenadas são necessárias para sua obtenção. Ademais, como os sujeitos que se quer ver empoderados muitas vezes estão em desvantagem e dificilmente obtiveram os referidos recursos

59 espontaneamente, intervenções externas de indivíduos e organizações são necessárias, consubstanciadas em projetos de combate à exclusão, promoção de direitos e desenvolvimento, sobretudo em âmbito local e regional, mas com vistas à transformação das relações de poder de alcance nacional e global. Trata-se, portanto, da promoção de direitos de cidadania que propiciem, principalmente aos estratos de (Horochovski & Meirelles, 2007, p. 486)

“Empoderar-se é vislumbrar a efetiva busca da cidadania ativa e do exercício de luta pelos interesses comuns democráticos e humanos dos cidadãos” (Hermany & Costa, 2009, p. 85).