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CAPÍTULO III PROTEÇÃO SOCIAL E AÇÃO/ASSISTÊNCIA SOCIAL EM

3.5 A Proteção Social no Brasil

101 O modelo corporativo/conservador é o que melhor descreve o estado de bem-estar brasileiro, muito especialmente, na sua fase inaugural, segundo Guerreiro (2010). A construção de um Estado de bem-estar no Brasil deu-se por caminhos bastante distintos dos países europeus, afirma a autora. Na época não foram criadas leis ou instituições visando minorar e/ou controlar a situação de extrema pobreza da população.

O Brasil do século XIX, centrado na escravidão e na grande propriedade rural, não assistiu aos grandes deslocamentos das massas do meio rural para o urbano, à explosão populacional, ao crescimento rápido e desordenado das cidades, à destruição dos postos de trabalho, enfim, fenômenos decorrentes da Revolução Industrial e que tanto temor causou às elites dos países europeus. A Constituição brasileira de 1891, promulgada dois anos após a proclamação da República e três após a abolição da escravidão, embora garantisse alguns direitos civis e políticos, não fazia nenhuma menção aos direitos sociais (Guerreiro, 2010, p. 29).

De acordo com Benevides (2011) o Brasil possui um histórico marcado pela tradição e pelo conservadorismo.

O sistema de proteção social caracterizou-se, ao longo de muitos anos, como pontual e fragmentado, resistindo em reconhecer a proteção social como um direito a ser garantido pelo Estado aos indivíduos. Somente com a Constituição de 1988 é que a proteção social passou a ser concebida, de fato, sob a perspetiva de direito da cidadania, configurando-se, portanto, em um Estado de Bem-Estar, no sentido de incluir os programas e medidas necessários ao reconhecimento, implementação e exercício dos direitos sociais reconhecidos em uma dada sociedade como incluídos na condição de cidadania, gerando, por conseguinte, uma pauta de direitos e deveres Benevides, 2011, p. 65).

Para Draibe (1993), o desenvolvimento do welfare State no Brasil dá-se a partir de duas fases importantes, ambas efetivadas sob regimes autoritários: a fase 1930-1943 e a fase 1966- 1971. A primeira fase (1930-1943) é marcada por uma densa produção legislativa no campo previdenciário, trabalhista e sindical, com ênfase na política do trabalho acrescida de algumas medidas de política de saúde e de educação. A segunda fase (1966-1971) concretiza-se num contexto da aceleração dos processos de industrialização e urbanização, dando-se a consolidação do sistema com radical transformação no quadro institucional e financeiro do perfil da política social.

102 No entanto, o período 1945-1964, também citado por Draibe, situa-se num contexto democrático. Este, de acordo com a autora, segue o movimento de inovação legal-institucional, nos campos da educação, saúde, assistência social e, mais tenuamente, na habitação popular, como também se expande o sistema de proteção social nos moldes e parâmetros definidos pelas inovações do período 1930-1943. Para Draibe (1993) neste período há avanços nos processos de centralização institucional e no de incorporação de novos grupos sociais no esquema de proteção, sob um padrão, entretanto, seletivo (no plano dos beneficiários), heterogéneo (no plano dos benefícios) e fragmentário (nos planos institucional e financeiro) de intervenção social do Estado. Segundo Guerreiro (2010), no período anterior à década de 1930, foram tomadas algumas medidas voltadas para a questão social, em torno dos direitos sociais. Segundo a autora, em 1917 foi sob o impacto de uma significativa Greve Geral, em São Paulo, que foi criada, no Congresso Nacional, uma Comissão Especial de Legislação Social. Além disso, afirma Guerreiro (2010), em 1919 surgiu a primeira norma legislativa reconhecendo a obrigação do empregador em indemnizar o operário em caso de acidentes no trabalho. Segundo Guerreiro, em 1926, é criada uma lei de férias, estabelecendo o direito dos trabalhadores urbanos a 15 dias de descanso anual remunerado e no ano seguinte foi estabelecido o Código dos Menores, que proibia o trabalho de crianças com menos de 14 anos e estipulava jornada de seis horas para os jovens até os 18 anos de idade.

Por iniciativa do patronato brasileiro foi instituída em 1923, através do Decreto Legislativo 4.682/1923, a Lei Eloy Chaves que criou as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAP) dos Ferroviários, que assegurava, apenas para essa categoria profissional, aposentadoria (reforma) por tempo de serviço, invalidez ou velhice; pensão para os dependentes em caso de falecimento, custeio das despesas funerárias e assistência médica, segundo Guerreiro (2010). “Tratava-se de uma primeira legislação, mais eficaz, voltada para a assistência social. Organizada por empresa, a contribuição era dividida entre os operários, o governo e os patrões, mas na sua organização não havia interferência governamental” (Guerreiro, 2010, p. 30). Apesar de ser resultado de uma iniciativa do patronato, a Lei Eloi Chaves é considerada o momento inaugural do sistema previdenciário brasileiro. Esse modelo de proteção social contributivo excluía a população que não possuía um vínculo empregatício restando, neste caso, os serviços assistenciais que eram desenvolvidos, sobretudo pela Igreja, de forma descontínua e com caráter de benemerência.

103 Nos anos de 1930, as CAP’s foram reunidas nos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAP), organizados pelo Estado, como autarquias federais, por categoria profissional surgindo, assim, uma previdência social de abrangência nacional, com ampliação do quantitativo de segurados78. Os Institutos de Aposentadorias e Pensões “cobriam riscos relativos à perda temporária ou permanente da capacidade de trabalho (velhice, incapacidade física, doenças e pensões dos viúvos ou dependentes) e serviços de assistência médica” (Guerreiro, 2010, p. 31). Entretanto, estruturados por categoria profissional, de acordo com divisões locais e regionais, os IAP’s criaram um sistema de benefícios nada universal, que contribuía para acentuar desigualdades sociais e congregavam trabalhadores da mesma categoria e não mais por empresa, como nas CAP’s79.

O Estado que emerge na década de 1930 é intervencionista, autoritário, centralizador e corporativista, segundo Guerreiro (2010), e este passa a regular e fiscalizar as relações entre o capital e o trabalho. Assim sendo, os sindicatos foram reconhecidos pelo Estado, contudo, passaram a ser totalmente tutelados por ele. Segundo a autora, em 1932, para um maior controle dos trabalhadores, é instituída a carteira de trabalho, considerada, na prática, a carteira de identidade do trabalhador80.

O período compreendido entre 1930 e 1943 tem, na sua legislação trabalhista e na criação dos IAP’s, a sua face mais importante e inovadora, de acordo com Guerreiro (2010). Mas as mudanças que ocorrem nas áreas da saúde e da educação também foram significativas para a construção do welfare state, afirma a autora. Além de nacionalizadas e centralizadas, são criados inúmeros instrumentos administrativos, financeiros, institucionais e políticos para gerir essas duas áreas, que haviam sido reunidas, em 1930, num único ministério: o Ministério da Educação e Saúde Pública.

78 Pode-se citar o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos - IAPM (ano de 1933), o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos comerciários - IAPC (ano de 1934), o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos bancários - IAPB (ano de 1934).

79 O sistema público de seguridade criado no período, os direitos sociais só eram assegurados aos trabalhadores cujas profissões fossem reconhecidas oficialmente. Trabalhadores rurais (que formavam a maioria dos trabalhadores do país), autônomos, desempregados, domésticos, etc, estavam excluídos do sistema. Ao excluir parte significativa da população, os direitos sociais, não universalizados, passam a ser percebidos como “privilégios” e não como “direitos” (Guerreiro, 2010).

80 A legislação social cobria uma serie de benefícios: regulamentação do horário, trabalho da mulher e do menor, férias, salário mínimo, estabilidade, pensões e aposentadorias, etc. Toda essa legislação referida ao campo do Direito do Trabalho e elaborada gradualmente, foi reunida, em 1943, na Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, que se tornou conhecida como a “bíblia do trabalhador” (Guerreiro, 2010).

104 A criação da Legião Brasileira da Assistência, LBA, em 1942 sinaliza uma centralização no campo da assistência social. Criada na esteira da Segunda Guerra Mundial, a LBA é a primeira instituição de assistência social de âmbito nacional. Em parceria com organizações filantrópicas, as suas ações voltam-se para o grupo materno infantil e para os idosos carentes.

A Constituição de 1946 utilizou, de forma inédita, a expressão “previdência social” e instituiu o mecanismo de “contrapartida”, como forma de manter o equilíbrio entre receita e despesas dentro do Sistema da Seguridade Social, bem como passou a proteger expressamente os denominados “riscos sociais”.

Ainda na vigência da Constituição de 1946, surgiu a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) em 1960, que unificou os diversos IAP’s81, iniciando o processo de universalização da Previdência Social, no Brasil. Contudo, a LOPS manteve a exclusão dos trabalhadores rurais e dos domésticos do sistema previdenciário. De acordo com Guerreiro (2010), até 1964, o país atravessou uma fase de efervescência democrática e os direitos políticos foram ampliados, mas do ponto de vista da cidadania social poucas foram as alterações e, a partir de 1964, o Brasil mergulha em outra fase de autoritarismo, porém os militares investiram nos direitos sociais, afirma a autora.

O “auxílio-desemprego” foi instituído pela Constituição de 1965 e a previdência social dos trabalhadores rurais somente foi instituída em 1971, com a criação do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (PRORURAL), que utilizava recursos do FUNRURAL, por meio da Lei Complementar n.º 11/1971. Em 1977 foi criado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), no seguimento da Lei n.º 6.439/1977, o que possibilitou a integração das áreas de previdência social, assistência social e assistência médica, bem como a gestão das entidades ligadas ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS)82.

81 A unificação dos IAP’s em um só instituto ocorreu somente em 1º de janeiro de 1967, por meio do Decreto-Lei n.º 72/1966, que criou o Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) e consolidou o sistema previdenciário brasileiro.

82 As entidades integrantes do SINPAS são: IAPAS – Instituto de Administração Financeira da Previdência Social – autarquia responsável pela arrecadação, fiscalização e cobrança das contribuições; INPS – Instituto Nacional de Previdência Social – autarquia que administrava os benefícios; INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – autarquia responsável pela saúde; FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – fundação responsável pela promoção de política social em relação ao menor; CEME – Central de Medicamentos – órgão ministerial responsável pela distribuição de medicamentos; LBA – Fundação Legião Brasileira de Assistência – fundação responsável pela Assistência Social; DATAPREV – Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social - empresa pública, gerencia os dados previdenciários.Com exceção da DATAPREV, que hoje gerencia os

105 Ao longo dos anos, segundo Guerreiro (2010), mudanças significativas haviam ocorrido na estrutura do welfare state no Brasil. Contudo, o caráter não redistributivo permanecia. De acordo com a autora, durante o regime militar o país havia crescido e se modernizado, mas as desigualdades sociais aumentaram. E foi na década de 1980, numa transição democrática, que surgem questionamentos em torno do welfare state no país. “Um dos pontos em questão, sobretudo para os setores mais comprometidos com o processo democrático em curso, era torná- lo mais inclusivo e universal” (Guerreiro, 2010, p. 36). E este debate foi fundamental no processo que resultou na Constituição de 1988.

Foi com a promulgação da Constituição de 1988 que ocorreu a grande inovação em matéria de seguro social. A Constituição estabelece no caput do artigo 194º que a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações destinadas a assegurar os direitos fundamentais relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

Com a promulgação da Constituição muitos avanços ocorreram na seguridade social. A saúde passou a ser um dever do Estado e um direito de todos, independentemente de contribuição. É dever do Estado prestar assistência social às pessoas carentes, sem exigência de contribuição, como forma de assegurar o mínimo existencial, materializando o corolário da dignidade da pessoa humana. A Previdência Social tornou-se a única modalidade de proteção social que exige contribuição dos segurados, como condição para ampará-los de futuros infortúnios sociais e de outras situações que merecem amparo (riscos sociais). “Garantir os direitos do cidadão foi uma preocupação central da Constituição” (Guerreiro, 2010, p. 39).

No Brasil, a pobreza era estigmatizada como “classe perigosa” e tratada como “caso de polícia”, segundo Chalhoub (2001). O Estado brasileiro começa a visualizar a pobreza como um problema associado à questão social e, portanto, da sua responsabilidade, a partir da década de 1930, tendo como primeira fase a estruturação das políticas sociais no país, porém uma “assistência social” voltada para a caridade, a filantropia e a solidariedade religiosa.

A ditadura do Estado Novo (1937/1945) trouxe os primeiros passos para a regulação da assistência social no Brasil através da instalação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS)83 em 1938. O Conselho era vinculado ao Ministério da Educação e Saúde (Sposati, 2007, sistemas informatizados do Ministério da Previdência Social e presta serviços de tecnologia da informação a outros órgãos e entidades federais, todas as entidades acima foram extintas.

106 p. 14). O CNSS tinha como função “analisar as adequações das entidades sociais e de seus pedidos de subvenções e isenções além de dizer demandas dos “mais desfavorecidos” (Sposati, 2007, p. 15).

Mais tarde, outro marco na história da assistência social brasileira é a fundação da Legião Brasileira de Assistência (LBA), em 1942, por Darcy Vargas, primeira-dama da República e esposa do Presidente Getúlio Vargas. A LBA objetivava articular as senhoras para prestar assistência aos combatentes brasileiros que lutavam na II Guerra Mundial e as suas famílias. “A ideia de legião era a de um corpo de luta em campo, ação” (Sposati, 2007, p. 19).

Segundo Sposati (2007) a LBA torna-se uma sociedade civil sem fins lucrativos e orientada para “congregar as organizações de boa vontade”. Neste período, a assistência social, como ação social, diz a autora, é ato de vontade e não direito de cidadania. Com o fim da guerra a assistência social alarga as suas ações às famílias da grande massa não previdenciária e “passa a atender as famílias quando da ocorrência de calamidades, trazendo o vínculo emergencial à assistência social” (Sposati, 2007, p. 20).

Para Yazbek (2008) a LBA volta-se para a assistência à maternidade e à infância, com ações paternalistas e de prestação de auxílios emergenciais e paliativos à miséria, interfere junto aos segmentos mais pobres da sociedade mobilizando a sociedade civil e o trabalho feminino (Yazbek, 2008, p. 11).

Destaque-se que a LBA trouxe para primeiro plano da assistência social, as primeiras damas da República, bem como as dos municípios, uma vez que as mesmas eram responsáveis por presidir a Legião a nível Nacional e Municipal.

Após o apoio às famílias dos “pracinhas”, como eram chamados os combatentes, a LBA passa a se firmar na área social, porém como ato de vontade e não de cidadania. Esta passa a atender as famílias da grande massa não previdênciária, no entanto em situações de calamidade e, deste modo, traz o vínculo emergencial para a assistência social (Sposati, 2007, p. 20). Neste período, segundo Sposati (2007), não se pensa em relações democráticas ou em dar voz aos usuários do serviço.

Em 1969, a LBA é transformada em fundação e vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social, tendo a sua estrutura ampliada e passando a contar com novos projetos e programas. Por meio da LBA, segundo Maximo e Melo (2014), o Estado incorpora o discurso da

107 pobreza e miséria com um viés de patriotismo. E, de acordo com a autora, as entidades assistenciais privadas ligadas à LBA serviam de instrumento de controlo social e político.

Para desenvolver a suas funções, a LBA precisava de serviço técnico, de pesquisas e trabalhos técnicos na área social e, desta forma, buscou auxílio junto às escolas de Serviço Social. “A LBA era a maior agência de Serviço Social do Brasil”, conforme Maximo e Melo (2014), e implementava ações de auxílio assistencial e compensatório (Maximo e Melo, 2014, p. 6).

Segundo Sposati (2007) a LBA, ao longo dos anos, projeta um caráter político populista, no entanto, buscando alcançar propostas mais próximas do Serviço Social e ainda com saídas na tecnocracia e na democrática (Sposati, 2007, p. 21). A LBA foi extinta em 1995, de acordo com Sposati (2007).

Outro marco para a Assistência Social brasileira deu-se durante a ditadura militar, com Ernesto Geisel, que através da Lei n.º 6.036, de 1º de maio de 1974, cria o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS). O Ministério ensaia algumas políticas de combate a pobreza.

A década de 1980, para o Brasil, é marcada por números expressivos de miséria absoluta. Neste período surge, na Nova República, o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) que particulariza a assistência social como política pública e reconhece o usuário como sujeito de direito, o que não se consolida, de acordo com Sposati (2007).

Em 1988 surge a nova Constituição e com isso a Assistência Social passa a ter status de Política de Seguridade Social e um direito do cidadão. Contudo, somente em 1993 a assistência social passa a ser regulamentada no Brasil.