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CAPÍTULO III PROTEÇÃO SOCIAL E AÇÃO/ASSISTÊNCIA SOCIAL EM

3.1 A Proteção Social

O Estado de bem-estar ou Estado-providência fazem oposição à pobreza, à exclusão social e à desigualdade em grande parte dos países. No entanto, a história aponta-nos que uma prática de proteção foi pensada por populações mais antigas da humanidade. De acordo com Alexander (1995), o rei Hamurabi da Babilónia (1792-1750 a.C) emitiu o Código de Hamurabi, que criava o primeiro código de leis, que incluíam a proteção das viúvas, órfãos e dos “fracos contra os fortes”. Segundo Alexander (1995), nos anos 500-400 a.C, os judeus formularam o Talmud, uma vasta compilação de leis orais, que prescrevia exatamente como os fundos de caridade deviam ser recolhidos e distribuídos, incluindo a nomeação de cobradores de impostos para administrar o sistema. Pouco tempo depois, na Antiga Grécia, o filósofo Aristóteles (386-322 a. C.) reconhece o homem como um animal social que necessariamente deve cooperar e ajudar os seus semelhantes.

Depois de Cristo a história mostra-nos que em 1215, o Rei João da Inglaterra assinou a Carta Magna. Esta seria a precursora de documentos modernos de direitos civis. Também na Inglaterra, em 1349, segundo o autor, o Estatuto dos Trabalhadores, veio para controlar o movimento de trabalhadores, fixar um salário máximo e tratar as pessoas pobres como

72 criminosos. Em 1536, houve a criação da lei, promulgada na Inglaterra, para a punição dos resistentes vagabundos e mendigos. Esta aumentaria as penas para mendigar e faz com que a responsabilidade para a assistência aos pobres recaia sobre as paróquias, exigindo que as autoridades locais fornecessem recursos através de contribuições voluntárias nas igrejas.

As raízes do Estado-providência no Reino Unido, segundo Giddens (2013), remontam às Leis dos Pobres (Poor Laws) de 1601 e à dissolução dos mosteiros que eram os responsáveis por ajudar os pobres.

O Estado-providência, segundo Giddens (2013), é o Estado em que o governo desempenha um papel central na provisão de segurança social, através de um sistema que providencia serviços e benefícios para responder às necessidades básicas das pessoas, como cuidados de saúde, habitação e rendimento. Neste sentido, uma função importante do Estado-Providência, “consiste em gerir os riscos enfrentados pelas pessoas ao longo de suas vidas: doenças, incapacidade, perda de emprego e envelhecimento” (Giddens, 2013, p. 569). Contudo, os serviços sociais fornecidos e o nível de gastos variam de país para país.

Para Benevides (2011) o Estado de bem-estar e o Estado-Providência são definições que fazem referência à ação estatal na organização e implementação das políticas de provisão de bem-estar, independentemente do grau em que se efetiva a participação do Estado, reduzindo os riscos sociais aos quais os indivíduos estão expostos, baseando-se em uma noção de direito social (...) Também estão ligadas a uma determinada relação entre o Estado e o mercado, na qual o segundo tem alguns de seus movimentos modificados pelo primeiro de modo a se reduzir os resultados socialmente adversos do mercado. Além disso, há a noção de substituição da renda, quando esta é perdida temporária ou permanentemente, dados os riscos próprios aos quais as economias capitalistas estão expostas. Vale mencionar ainda, a busca da presença da manutenção da renda em pelo menos um patamar mínimo de modo a que as necessidades dos indivíduos sejam atendidas, mesmo a dos que se encontram fora do mercado (Benevides, 2011, p. 12).

Importa dizer que a expressão Estado-Providência foi criada por pensadores liberais franceses, de acordo com Rosanvallon (1984). Segundo este autor, esta expressão foi usada em 1860, por Émile Ollivier, deputado republicano francês, ao críticar o aumento das atribuições do Estado, na época, subordinada a uma filosofia social que só reconhecia o interesse particular de cada indivíduo e o interesse geral. Seguidamente foi retomada pelo economista, Èmile Laurent, que defendia um Estado “erigido numa espécie de providência”. Segundo o autor, esta recomenda

73 “como alternativa o desenvolvimento de associações de previdência, que faria a mediação entre o interesse geral e o particular de cada indivíduo” (Rosanvallon,1984, p. 111).

O Welfare State (Estado de Bem-estar) é uma expressão utilizada pelos ingleses e é muito mais recente que a expressão Estado-Providência, conforme Rosanvallon (1984). De acordo com o autor, a expressão Welfare State surgiu na década de 194041 com o Plano Beveridge, relatório elaborado pelo inglês William Beveridge, sobre o sistema de segurança social britânico, em 1942. O plano traz o objetivo à segurança social de “libertar o homem da necessidade, garantindo uma segurança de rendimento”. Esse documento organiza a política de segurança social como um sistema generalizado42, unificado e simples43, uniforme44 e centralizado45 (Rosanvallon, 1984, p.

115). Para Beveridge a política de segurança social só tem sentido se estiver ligada a uma política de pleno emprego, pois o desemprego, na visão do inglês, é o principal risco social e o Estado deve proteger os cidadãos neste sentido (Rosanvallon, 1984, p. 116).

Rosanvallon (1984) aponta que foi na Alemanha que surgiram os primeiros elementos da política social que resultaram no Estado de Bem-estar moderno, como resultado da força crescente do partido social-democrata. Wohfahrstaat, termo alemão, vem sendo usado desde a década de 1870, juntamente com o termo Sozialstaat, para denominar as reformas dos anos 1880, realizadas por Otto Bismarck. O governo de Bismark, com o objetivo de constranger o crescimento do partido social-democrata, segundo Rosanvallon (1984), procurou desenvolver uma política social ativa que cobria alguns riscos do trabalho e da sobrevivência da classe trabalhadora. Como resultado, até 1889, os trabalhadores alemães já contavam com o seguro- doença, proteção contra acidentes de trabalho e seguro velhice-invalidez.

Sublinha-se que os sistemas de proteção social, na Europa, foram organizados em torno de duas conceções de proteção social: o modelo Bismarkiano e o modelo de segurança social Beveredgiana46. Estes consolidaram-se após a Segunda Guerra Mundial quando houve a

expansão da cidadania e dos direitos sociais.

41Ainda que a menção à Welfare Policy (Política de Bem-estar) ocorra desde o início do século XX. 42Abrange o conjunto da população, seja qual for o seu estatuto de emprego ou o seu rendimento. 43Uma quotização única abrange o conjunto dos ricos que podem causar privações do rendimento. 44As prestações são uniformes seja qual for o rendimento dos interessados.

45Preconiza uma reforma administrativa e a criação de um serviço público único.

46 Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, surge na Inglaterra o Plano Beveridge, que propõe a instituição do welfare state que por sua vez, tem na sua origem influências, tanto do modelo macroeconómico Keynesiano, como do Fordismo e, fundamentalmente, do Plano Beveridge.

74 Essas duas conceções, na visão de Zimmermann (2005), distinguem-se pelo caráter, pela forma de contribuição e pelo financiamento dos sistemas de segurança social. O modelo bismarckiano, de acordo com Zimmermann (2005), é caracterizado pela contribuição individual como critério para o aferimento de benefícios. Por outro lado, segundo o autor, o modelo beveridgiano, caracteriza-se pelo seu caráter universal, não exigindo contribuição individual anterior para a obtenção de um benefício básico, aferindo o direito ao benefício pela característica definidora da cidadania, ou seja, o simples fato da pessoa ter nascido ou possuir a cidadania de um determinado país. “O financiamento dos programas de caráter universal não se dá via contribuições individuais, mas por tributos gerais” (Zimmermann, 2005).

Tanto o modelo de seguro social de Birsmarck como o de Beveridge, para Faleiros (2010), pressupunham a existência de um regime salarial para a implementação da proteção social (Faleiros, 2010, p. 197) e nenhum dos dois modelos exclui a presença do Estado e do mercado na constituição dos sistemas de proteção social. No entanto, nota-se maior presença do Estado, através do financiamento público às políticas sociais, no caso beveridgiano, relativamente ao modelo bismarckiano, embora o Estado tivesse ainda assim algum controlo (Faleiros, 2010)47.

Historicamente, é crucial para a garantia dos direitos da proteção o vínculo formal de trabalho, visto que este se move pela lógica do contrato, ou do seguro social, e permite o desemprego a trabalhadores ou mesmo com trabalho independente, desprotegidos e à margem do sistema. Isto porque o financiamento deste modelo é originado pela contribuição direta de empregados e empregadores, extraídos nas folhas de salários, com uma gestão basicamente centralizada pelo Estado, comparticipado pelos contribuintes, ou seja, empregadores e empregados (Boschetti, 2003)48.

A lógica bismarckiana de seguros sociais predominou nos sistemas de proteção social dos países do Centro/Sul da Europa ocidental (França, Alemanha, Áustria, Países Baixos, Itália, Portugal, Grécia e Espanha), de acordo com Boschetti (2012), facto este que, segundo a autora, atribuiu a estes países um tipo de direito social fortemente, porém não exclusivamente,

47No modelo bismarckiano cada benefício é organizado em Caixas, que são geridas pelo Estado, com participação dos contribuintes, ou seja, empregadores e empregados (Boschetti, 2003).

48Um comparativo da proteção social entre Portugal e Brasil foi assunto de artigo realizado em conjunto com as colegas de doutoramento Tatiana Calmon e Cláudia Santos. Ver mais em: Valduga, T.L., Calmon, T.D. & Santos, C.P. (2017). Os sistemas de proteçăo social em Portugal e no Brasil: uma agenda para o Serviço Social. Trabajo Social Global – Global Social Work. Revista de Investigaciones en Intervención social, 7 (12), Enero-junio 2017, 25- 46.

75 “estruturado em torno da organização do trabalho e por regimes profissionais, o que atribui a esses sistemas uma forte fragmentação. A maioria das prestações sociais e seus montantes dependem da posição ocupada pelos trabalhadores no mercado de trabalho” (Boschetti, 2012, p. 760-761).

Para Bonoli (1997) um estado de bem-estar puramente Bismarckiano não tem “preocupação estritamente com a pobreza, mas sim por aquela parte da população que não participa do mercado de trabalho” (Bonoli, 1997). Enquanto que na política social beveridgeana, segundo o autor, está definido como objetivo a prevenção da pobreza e é dirigida a toda a população de um país. Contudo, é importante que se diga que muitas teorias têm surgido ao longo dos anos para explicar o Estado de bem-estar, sendo Marshall e Esping-Andersen grandes referências nesta questão.

Marshall (1950), em Citizenship and Social Class and other essays, trouxe a evolução da cidadania, especialmente no caso da Grã-Bretanha, a qual seria um dos fundamentos do Welfare

State (Estado de bem-estar). Conforme já abordamos anteriormente, Marshall (1950) propôs

dividir em três partes a cidadania, ou seja, para o autor esta seria a junção dos elementos: civil, político e social. Conforme Marshall (1950), o “civil é composto dos direitos necessários para a liberdade individual, à liberdade da pessoa, à liberdade de expressão, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça” (Marshall, 1950, p. 10). O grande diferencial deste comparativamente aos outros dois é a sua defesa e afirmação de todos os direitos em termos de igualdade. Ele é representado pelos tribunais de justiça. O direito político, diz o autor, “é o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um órgão investido de autoridade política ou como eleitor” (Marshall, 1950, p. 11). Quanto ao social, o autor afirma que é um conjunto de direitos que garantem um mínimo de bem-estar económico, como também assegura ao direito de compartilhar ao máximo na herança social e de viver a vida de acordo com as normas vigentes na sociedade. E quando falamos de Cidadania Social, este autor diz que as instituições associadas a ela são o sistema educacional e os serviços sociais (Marshall, 1950, p. 11).

Historicamente, segundo Marshall (1950), os direitos civis surgiram primeiro, antes da “Reform Act” de 1832 . Os direitos políticos, surgiram depois, no século XIX, porém só foram

76 reconhecidos em 1918. Foi somente no século XX que os direitos sociais alcançaram a igualdade de parceria com os outros dois elementos da cidadania (Marshall, 1950, p. 27-28).

Desde então, a visão de Marshall influenciou debates a cerca da cidadania, especialmente no que se refere ao modo de promover a “cidadania ativa” (Giddens, 2013).

Por outro lado, Esping-Andersen (1990), em The Three Worlds of Welfare Capitalism, destaca que sociedades nacionais diferentes seguiram caminhos distintos em direção aos direitos e cidadania e, deste modo, criaram diferentes regimes de segurança social. O autor diz que “o

welfare state não pode ser compreendido apenas em termos de direitos e garantias”. Segundo o

autor é preciso considerar também de que forma as atividades estatais se entrelaçam com o papel do mercado e da família em termos de provisão social. O autor formula uma tipologia de Welfare

states, a qual contempla três categorias: liberal, corporativista (conservador) e social-democrata.

Ao criar esta tipologia o autor avaliou o nível de “desmercantilização”. O modelo liberal seria um modelo altamente mercantilizado. Teria como exemplo países como os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália, nos quais predomina uma assistência aos pobres, reduzidas transferências universais e planos modestos de segurança social. O modelo corporativista foi caracterizado como conservador e “fortemente corporativista”. Um regime altamente desmercantilizado, porém não necessariamente universal. Neste modelo, enquadram-se países como Alemanha, França, e Áustria, por exemplo. Neste caso os benefícios sociais estão, na sua maioria, dependentes de contribuições dos beneficiários. O modelo social-democrata foi assinalado como altamente desmercantilizado. Este apresenta uma política de welfare state que, segundo o autor, procura promover a igualdade. Os serviços de previdência são subsidiados pelo Estado e todos os cidadãos têm direito (benefício universal). Exemplos deste modelo seriam a Suécia ou a Noruega.

Os regimes de Portugal e Brasil49 não se encaixam nitidamente em nenhuma das três

tipologias propostas por Esping-Andersen (1990) e também não apresentam um “modelo puro” no que diz respeito aos modelos bismarkiano e beveridgiano. No caso do Brasil, de acordo com

49De acordo com Pereira (2010) o discurso sobre o regime de bem-estar e Estado de Bem-Estar, nunca foi bem aceito no Brasil. “(…) há nos círculos intelectuais brasileiros uma crença quase generalizada de que não existe Estado de Bem-Estar (ou social, como prefiro chamar) neste país, ou até mesmo políticas de bem-estar (ou sociais). Traduzindo ao pé da letra a palavra bem-estar, e considerando a posição periférica do Brasil em relação aos países capitalistas centrais, muitos desses intelectuais, ao tomarem como parâmetro o que melhor existe em matéria de proteção social na Europa, negam a existência institucionalizada de proteção social à brasileira; e disso decorre, em grande parte, o negligenciamento do estudo de tais assuntos no país” (Pereira, 2010, p. 279-280). Em Portugal, alguns autores (Mozzicafreddo, 1997; Santos e Ferreira, 2001) defendem que não se pode falar em Estado-Providência no país.

77 Kerstenetzky (2011), o Estado de bem-estar brasileiro se aproxima da social-democracia, visto a importância da provisão pública, contudo, segundo a autora, do ponto de vista da estratificação, este aproxima-se do regime conservador, principalmente pelo peso das transferências contributivas, porém, do ponto de vista da desmercantilização, o Estado brasileiro aproxima-se do regime liberal, especialmente pela segmentação dos serviços e das transferências focalizadas. Outra evidência, no caso do Brasil, é o facto do sistema de proteção social brasileiro possuir fontes mistas de recursos. O sistema único de saúde é financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e outras fontes. Já a previdência social é organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória (Brasil, 1988, Art. 201). A assistência social recebe recursos do orçamento da seguridade social, bem como de outras fontes (Brasil, 1988, Art. 204).

Desta forma, segundo Boschetti (2003), a seguridade social brasileira, está entre o seguro e a assistência. Na mesma direção, seguem análises de Sposati (2013) que incluem reflexões no contexto de governação do partido trabalhista, em que a previdência social destina-se ao trabalhador formal. A assistência social tem operado de modo seletivo, procedendo à avaliação dos recursos financeiros dos sujeitos que procuram a sua atenção. A saúde tem contraparte na seguridade social, estabelece prioridades de atenção pelo risco da situação, cria filas de espera significativas ou agendamento com grandes intervalos de espera (Sposati, 2013). De acordo com Benevides (2011) o modelo brasileiro tem uma base conservadora, porém caminha na direção da universalização das políticas, embora tenha levado uma parcela da população a procurar provisão de bem-estar no mercado, reforçando uma estratificação entre aqueles que consomem serviços privados e os que consomem serviço público o que, na opinião da autora, dificulta a legitimidade da manutenção e expansão do Estado de bem-estar social no Brasil.

Portugal, por força do desenvolvimento tardio do Estado de bem-estar social, de acordo com Rodrigues (2010), desenvolveu um modelo particular e um conjunto de especificidades que, de certo modo, o diferenciam da maioria dos restantes países europeus (Rodrigues, 2010, p. 203). Contudo, conforme Silva (2002), Portugal enquadra-se no modelo da “Europa do Sul”50, o qual apresenta uma versão pouco desenvolvida do modelo “corporativo” defendido por Esping- Andersen (1990), “dada a natureza bismarckiana dos seus esquemas de segurança social, quer

50A “Europa do Sul” é uma realidade baseada em fatores sociopolíticos e não geográficos, composta por Espanha,

78 organizacionalmente, quer em termos de benefícios” (Silva, 2002, p. 38). Além disso, Portugal apresenta um esquema de proteção social dualista, uma vez que apresenta “uma combinação única entre tradições bismarckianas na segurança social e beveridgeanas na saúde; e pelo impacte das práticas políticas e disposições organizacionais nos outputs distributivos” (Silva, 2002, p. 39). O financiamento da segurança social portuguesa, que abrange os sistemas de proteção social de cidadania, previdencial e complementar, obedece aos princípios da diversificação das fontes de financiamento e da adequação seletiva (Portugal, 2013, Art. 87º). Desta forma, os sistemas apresentam graus distintos de proteção e diferentes formas de financiamento e de concessão de benefícios, tendo como influência vários modelos de proteção social (Valduga, Calmon & Santos, 2017).