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O emprego da linguagem no jornal O IMPARCIAL

O DISCURSO JORNALÍSTICO E O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA: O Fato e a Interpretação ∗

4. O emprego da linguagem no jornal O IMPARCIAL

Volum e 3 - Apêndice 7 Ant onio Thom a z Júnior

foi aprimorando os artifícios para evidenciar a existência da verdade (foto, rádio e TV). A rapidez, o momentâneo, ou o caráter de instantaneidade do fato dá a aparência do acontecimento acontecendo e, neste sentido, o fato e o relato são indiferenciáveis.

Nosso estudo então, se baseia no entendimento da linguagem como processo produtivo. A linguagem é trabalho simbólico, portanto, “a palavra é a arena onde se confrontam os valores sociais contraditórios; os conflitos da língua refletem os conflitos de classe no interior mesmo do sistema [...] A comunicação verbal, inseparável das outras formas de comunicação, implica conflitos, relações de dominação e de resistência, adaptação ou resistência à hierarquia, utilização da língua pela classe dominante para reforçar seu poder, etc” (BAKHTIN, 1997, p. 14).

Convém esclarecer que embora de posse da compreensão de que a linguagem jornalística é composta pela união de várias linguagens: a linguagem verbal escrita, a fotográfica, a gráfica e a diagramática (Dias, 1996), nossa análise se restringe à linguagem verbal escrita, mais especificamente, à questão do registro da linguagem.

O jornal, como qualquer bem cultural (material e/ou simbólico) pertencente às diferentes classes sociais é revelador dos valores, preocupações e interesses dos grupos sociais.

Não trataremos aqui, evidentemente, de analisar o jornal O Imparcial tendo por base manuais de redação de outros jornais, a título de comparações, contudo é possível verificar que há um conjunto de procedimentos que regulamenta a prática jornalística. No jornal também se encontram os indicativos para a compreensão do jornalismo, isto é, seus vínculos com o mercado – patrocinadores, consumidores – e o cotidiano de um espaço que tem como função a informação dos fatos. Alguns jornais, a Folha de São Paulo, por exemplo, têm como tendência o discurso de um veículo mais intelectualizado e, assim, menos submetidos às regras do mercado/lucro. No entanto, o predomínio é sua função mercadológica.

Caberia talvez, indagar aqui por que e como essa publicação envereda, em termos de linguagem, para uma formação discursiva que se caracteriza por uma forma específica de veicular a notícia sobre os atos dos trabalhadores (MST) através de uma linguagem recheada de jargões jurídicos.

A razão, em princípio, pareceu-nos a busca de identificação entre a linguagem do jornal e a de um público leitor muito específico, ou seja, objetiva-se levar para um público leitor as ações do MST, como sem legitimidade, daí talvez a predileção do jornal pelo noticiário sensacionalista e pejorativo entremeado por termos jurídicos. Busca-se, portanto, atender à expectativa deste público leitor, da mesma forma como quem fala procura satisfazer às expectativas lingüísticas de seu interlocutor.

Acompanhemos alguns fatos noticiados nas manchetes do jornal O Imparcial:

Advogado quer proteção policial permanente contra os sem-terra. (ADVOGADO, 21 abr. 19995, p. 5).

Polícia Militar transfere despejo de sem-terra acampados na Arco Íris . (POLÍCIA, 18 abr. 1995, p. 6).

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(JUIZ, 12 jan. 1997, p. 8). Invasão urbana.

(INVASÃO, 14 ago. 1996, p. 2). Fazendeiros querem proteção da PM (FAZENDEIROS, 17 jul. 1996, p. 6).

Liminar de despejo de sem-terra deve sair amanhã (LIMINAR, 7 jan., 1992, p. 16).

Sem-Terra descumprem ordem judicial.

(SEM-TERRA.,13 out. 1995, p. 3).

Justiça manda prender líderes do MST.

(JUSTIÇA, 30 out. 1995,p.5).

Aqui nessas manchetes, os sujeitos ou atores sociais falam por si. A Justiça ordena a desocupação, a PM manda desocupar, os proprietários exigem a desocupação e os trabalhadores rurais sem-terra só desocupam a força. O movimento então, é: para cada ação ilegal (eles são invasores) dos trabalhadores rurais sem-terra há uma ação legal da PM (ela faz desocupar), portanto, a suposição de que o leitor conhece a estrutura hierárquica e as funções dos setores que compõem a máquina administrativa do Estado. Neste sentido as manchetes-título evidenciam o mapa de ações e funções dos governos Federal, Estadual, ITESP, e diferenciam, a partir da vinculação com a propriedade, quem está contra e quem está a favor da lei. O procedimento em relação à terra, a propriedade e à lei é uma linha divisória entre os movimentos sociais e o Estado. As manchetes sobre as ações do MST, no jornal O Imparcial, avaliam essas ações praticadas, abonando a lei que protege a posse da terra.

Essas manchetes-título também atestam a preocupação do jornal com a adeqüação da linguagem ao juridicismo, o que também sinaliza o comportamento do Estado rumo à judiciarização da luta pela terra no Brasil. O uso de expressões policialescas e/ou jurídicas como, por exemplo, liminar de reintegração de posse, proteção judicial, etc., caracterizam um discurso que atende as regras de linguagem de um determinado grupo e revela o comprometimento do jornal com a formação da imagem do MST como fora da lei, desordeiro, ilegal e ilegítimo, portanto, ao mesmo tempo em que constrói uma imagem da justiça como uma instituição acima do bem e do mal, conferido-lhe o verniz da imparcialidade e neutralidade. Exemplo de procedimento semelhante encontramos nas notícias abaixo:

PM vai despejar sem-terra amanhã: A PM transferiu para amanhã a operação que cumprirá a

reintegração de posse concedida pela justiça de Mirante do Paranapanema contra invasores da fazenda Arco Íris. (PM vai despejar Sem-Terra amanhã, 18 abr. 1996, p.6).

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As expressões despejar, invasões, tática, promover, revelam a flagrante tendência da informação e a preocupação em suprir possíveis deficiências ou dúvidas do leitor sobre a falta de legitimidade das ações do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra. Mediante essas expressões, que são usuais na composição das manchetes e leads do jornal, está inscrita, nos parece, a medida dos interesses que orientam a produção da notícia. O leitor tem subsídios que o conduz a uma tomada de posição em relação ao conflito (observe que o relato nem ao menos identifica a ação como necessária por se tratar de terras devolutas). De qualquer forma os recursos lingüísticos empregados facilitam uma compreensão equivocada e, certamente, desfavorável ao MST.

Um outro aspecto importante é observar o problema da unidade de linguagem no jornal. Ao lermos a notícia, percebemos que o jornal tem a pretensão de encaminhar a redação para a idéia de um estilo uno, equilibrado, “correto”, que daria ao jornal uma teórica e utópica unidade lingüística, com a vantagem de colaborar com a imparcialidade e com a mais pura informação dos fatos. Aliás, essa é uma prática bastante comum em nosso jornalismo. Todos se dizem imparciais e neutros, quando na realidade, eles mesmos sabem que é impossível a imparcialidade no relato de qualquer fato jornalístico. A verdade é que essa pretensão nem sempre se realiza e a variedade e o impacto das notícias acabam levando, freqüentemente, esse estilo para fora dos parâmetros previstos, além de desvendar um discurso ideológico e a serviço da classe dominante. Vejamos alguns exemplos:

Clima de medo: O advogado Daniel Schwenk, um dos principais defensores dos fazendeiros do Pontal do Paranapanema, com cerca de 80 clientes, disse ontem (10) que a maioria absoluta dos que possuem gleba acima de 500 hectares naquela região, está disposta a fazer acordo com o Estado para que as áreas sejam transformadas em projetos de assentamentos de trabalhadores. Segundo Schwenk, esta situação é decorrente do clima de medo e intranqüilidade geral criado na região a partir de 1990, quando o MST transformou o Pontal do Paranapanema em sua principal base de atuação no interior do Estado. Além das invasões com as seguidas depredações das fazendas, os sem-terra conseguiram também gerar um clima de absoluta insegurança pessoal entre os fazendeiros, através da violência que caracterizou alguns conflitos. (CLIMA, 11 abr. 1995, p.5).

Cerca de 50 trabalhadores ligados ao MST e que fazem parte do assentamento emergencial da Fazenda São Bento, bloquearam durante todo o dia de ontem a Agência do Banco do Brasil em Mirante do Paranapanema, em protesto pela suspensão de créditos agrícolas pelo Governo Federal. Os manifestantes, que carregavam bandeiras do MST, impediram o funcionamento da agência, não permitindo nem mesmo que um carro-forte pudesse desembarcar malotes. (CERCA, 18 abr. 1995, p.6)

A reforma agrária no Pontal já nasceu sobre o signo da violência: Instalado o governo Franco Montoro, comprometido com as esquerdas mais radicais, um dos primeiros atos do Palácio dos Bandeirantes, transmitidos às suas lideranças políticas em Presidente Prudente, na época, foi o de iniciar a reforma agrária no Pontal do Paranapanema. Sem qualquer planejamento, mas representando apenas uma vontade política e ideológica, criaram a gleba XV de Novembro que até hoje é um simulacro de reforma agrária. Seus líderes Zelmo Denari e Adilson Gil de Oliveira, o primeiro como Procurador do Estado e o segundo como diretor da Divisão Regional agrícola, perpetraram verdadeiro crime ao destruírem uma fazenda tão planejada que contava com o financiamento do Banco Mundial, a Santa Marina, de propriedade do Sr. Plínio Dias Junqueira Júnior. A Santa Marina vinha investindo pesado na implantação de forrageiras e no aprimoramento genético do Nelore. De uma hora para outra a propriedade foi mutilada, o rebanho confinado, instalações destruídas interrompendo a atividade econômica de uma grande empresa pecuária. Os tempos mudaram, agora sem os motivos políticos de Denari e Adilson Gil, mas com uma pesada carga ideológica, do MST, Pastoral da Terra, da Igreja Católica, via CNBB.

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O PMDB perdeu o controle de sua reforma agrária que foi assumido pelo PT e pela CUT, tendo seu representante na área o Sr. José Rainha. É a tão apregoada reforma agrária que estamos assistindo: a destruição de propriedades altamente produtivas, como a do Sr. Kurata, em Mirante do Paranapanema. Agora o Instituto de Terras promete novos rumos para o assentamento de sem/terras na região. É esperar para ver. (A REFORMA, 18 abr. 1995 p.2)

As expressões acima utilizadas, clima de medo, insegurança, de uma hora para

outra, controle, destruição, aparecem no texto jornalístico com tamanha naturalidade, que não é

demais afirmar que é uma evidência que o jornal compartilha com a opinião de um segmento de classe e cujos desdobramentos são perceptivas pelo tom das notícias apresentadas; não há isenção de opinião, nem imparcialidade nas matérias. Essas ocorrências, que despontam de forma aparentemente aleatórias (não é todo dia que esse tom emerge), evidenciam a influência que o discurso jornalístico pode exercer e a relativa força (unificadora) da linguagem empregada. As adjetivações são buscadas intencionalmente e constituem a tônica do discurso que permeia a posição do jornal frente à questão da terra e o MST no Pontal do Paranapanema e que compactua, conforme Thomaz Júnior (2001), com as práticas e o discurso latifundista.

Ao tratar das práticas da elite latifundiária no país, Bruno (1997, p. 12) vai dizer que essas são adjetivações “que aparecem como reorganizadores de novos símbolos e novas práticas e se remetem a uma linguagem que se converte em discurso e juízo.” Isso, no nosso entendimento, explicaria por que determinadas manifestações lingüísticas são sancionadas e outras, excluídas.

De modo geral, O Imparcial não oferece dificuldades à leitura e compreensão de seus textos, como podemos observar nas reportagens anteriores. Na realidade o jornal busca estabelecer uma interação próxima com o leitor, visando ao discurso soar familiar e isento de julgamentos e/ou valores. Essa familiaridade, verificada pelo formato que ele dá ao noticiário, possibilita a satisfação (aparente) da necessidade e capacidade informativa, pelo leitor.

A título de exemplificação do que estamos afirmando, passaremos ao exame de dois textos retirados do O Imparcial:

Notícia 1: Sem-Terras ocupam três fazendas no Pontal: Desde a madrugada de

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