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O encontro que define os meninos e meninas como protagonistas

Capítulo 4 – Início do projecto de investigação-acção participativa com crianças

4. O encontro que define os meninos e meninas como protagonistas

Antes do primeiro encontro fiquei apreensiva, a intranquilidade apoderou-se de mim. E muitas perguntas viajaram no pensamento. Eu não “os/as” conhecia, apenas sabia idades, nomes, que moravam ali no Bairro (Bairro Social), que ano de escolaridade frequentavam e em que escola, que eram irmãos, primos, que os pais eram beneficiários do Rendimento Social de Inserção, que alguns eram feirantes, que um estava preso por tráfico de droga, … mas isso não me permitia saber quem era cada um deles, enquanto pessoa individual. A expectativa era muita, e pensava: se eles me perguntavam porque os escolhi a eles, eles de etnia cigana? Que expectativas terão em relação a mim? Que aspectos contribuirão para que a minha intervenção seja positiva, e se crie um vinculo entre nós?

Pensar que cresci pensando que os “Outros” eram Ciganos e que nunca os tive como colegas na escola. E que quando ia para a escola os via nos acampamentos, junto das fogueiras dos cavalos, das carroças, correndo descalços, junto dos adultos de barbas longas, vestidos de preto e cabelos compridos. A roupa a secar nas silvas e nas árvores e os cobertores dobrados debaixo dos toldes, que os abrigava. Os adultos sentados à volta da fogueira faziam cestos.

Era um misto de medo e curiosidade, porque estava sempre bem presente o aviso” portas- te mal vêm os ciganos e levam-te no saco”. Mas também invadia a minha memória uma “velhinha” cigana toda vestida de preto que ao domingo de manhã passava pela minha casa a vender: cestos, pentes, sabonetes, naftalina, fitas … e ao mesmo tempo pedia couves, batatas, o que alimentasse... A minha mãe comprava sempre e dava sempre, acho que elas se entendiam muito bem, pois o processo era demorado.

Fiz o meu percurso escolar sem encontrar crianças ciganas. Tirei o curso de educadora, iniciei o meu trabalho e só muito mais tarde, comecei a observar a frequência de crianças ciganas no jardim-de-infância e no 1º Ciclo e a constatar a grande dificuldade que isso implicava para as Instituições de ensino. Que realidade iria agora encontrar, enquanto investigador com um percurso de vida onde a etnia cigana sempre viveu na exclusão, e com um conhecimento académico que permitiu construir uma maior capacidade de reflexão entre outros no domínio da infância, da exclusão/inclusão, dos Direitos Humanos da interculturalidade etc.

Era agora, apenas agora, através do mestrado no âmbito da educação social, que surgia a oportunidade, de “viver” um bocadinho com as crianças/jovens ciganos no que desejávamos, construir um caminho facilitador de lhes dar voz, de serem por algum tempo participantes e protagonistas.

Antes da primeira reunião, com todas as crianças/jovens, fui duas vezes ao ATL, para contactar informalmente com as que o frequentam (crianças mais novas em idade pré escolar e primeiro Ciclo). Eram apenas 5 crianças dos 4 aos 12 anos todos de etnia cigana e familiares.

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Integrei-me nas suas actividades, naturalmente escutando-os, falando com elas, entrando nos seus jogos, actividades. O meu objectivo era criar um “espaço de relação”, facilitador na comunicação a estabelecer com os protagonistas, que ia decorrer na primeira reunião de apresentação, bem como perceber o espaço físico que nos envolvia e vivenciar um pouco as actividades e relacionamentos no ATL.

4.1 E iniciámos… “desde-com”

Chegou o dia da nossa reunião. Cheguei ao ATL com a Psicóloga, e fomos recebidas com muita alegria, sendo puxadas para ver o que estavam a fazer. Faltavam os mais velhos, que chegaram em grupo, e que os mais novos receberam também com alegria, gritando, falando alto: “Já lanchaste?”, perguntava a irmã mais velha; “Quero ir para casa”, pedia a mais nova; “Espera, já vamos! Vai brincar”.

A sua comunicação alternava, com gritos, abraços, ralhetes e a expressão verbal variava entre o português e o “caló”, tornando-se incompreensível muitas vezes.

Aquela heterogeneidade foi algo a que não estava habituada (idades: 4, 5, 9, 10, 13, 15), mas a verdade é que na família também era assim; confirmámos que andavam sempre uns com os outros: “cuidavam-se e protegiam-se”.

Veio a verificar-se que a participação aconteceu, independentemente da idade, tendo-se implicado cada um, de acordo com os seus interesses, motivações e competências, nas diferentes actividades.

Os mais velhos sentavam-se nas mesas e os mais novos continuavam a brincar, esperando que algo acontecesse, depois de a Psicóloga me ter apresentado, de nos cumprimentarmos e de eu agradecer terem vindo.

Começamos a sentar-nos nas cadeiras à volta dos mais velhos que se sentavam na mesa com um ar descontraído, assumindo que iamos ter um momento importante.

Com uma alegria, que escondia um nervosismo receoso, apresentei-me, como profissional e como pessoa que morava perto deles, numa localidade que muitos conheciam. Eles continuaram, apresentando-se também, nome, idade, bloco onde moravam, escola que frequentavam, parentesco que existia entre eles…

Depois, da forma mais convincente que pude, expliquei-lhes que “agora” tinha voltado a estudar na Universidade e que uma das Disciplinas do curso era realizarmos um Projecto e que eu tinha escolhido fazer esse Projecto com crianças e Jovens de etnia cigana. Expliquei também o que era o Programa Cidade Amiga das Crianças. Os mais novos faziam desenhos enquanto iamos conversando, interrompendo frequentemente para dizer “coisas”…

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Nesta primeira reunião as crianças discutiram “o que era um Projecto” e trouxeram os seus conhecimentos escolares, já tinham feito projectos na escola. O Pascoal até tinha feito um cartaz em grupo sobre os Direitos das Crianças. E disseram que gostavam de mostrar aos “outros” a sua cultura.

Quadro. Os meninos e as meninas participantes

Nome Idade Nível de Ensino Parentesco entre as criaças/jovens

Família

Iara 4 Pré-Escolar Frequenta ATL

A Iara é irmã da Sara e da Carina

Vive com a mãe, o pai e 3 irmãs Trabalham nas feiras

Beneficiários de RSI

Augusto 5 Pré-escolar Frequenta ATL

É primo da Erica e da Fabiana, do Esmael , Carina , Iara e Sara. Não têm irmãos

Vive com os Pais que trabalham nas feiras. O avô vive noutro Bloco e é quem o leva à Pré

Gosta de jogar computador PlayStation e brincar na casinha

Tony 8

1º Ciclo Frequenta ATL

Mora na casa do Pascoal e da Fátima e são primos (está sob custódia da avó)

Vive na casa dos tios, onde também vive a avó paterna (viúva) que assumiu a sua responsabilidade face á separação dos pais.

Érica 8 1º Ciclo

Frequenta ATL

Irmã da Fabiana – Vive com os Pais e 2 irmãos (um irmão de 2 anos e meio).

Feirantes. Recebem RSI

Fabiana 10

1º Ciclo 4º ano Frequenta ATL

Irmã da Érica Vive com os Pais e 2 irmãos (um irmão de 2 anos e meio).

Feirantes. Recebem RSI

Esmael 8 1º Ciclo 2º ano Frequenta ATL Primo da Sara, da Carina e da Iara,

Vive com a mãe o irmão de 16 anos (não estuda)

Recebem RSI

O pai está preso, por tráfico de droga O avô mora noutro Bloco

Fátima

15 2º Ciclo 6º ano

É irmã do Pascoal Vive com os pais, avó, dois irmãos e primo. Recebem RSI.

Mãe frequenta P.Novas Oportunidades

Carina 12 2º Ciclo 5º ano

É irmã da Sara e da Iara - faz 13 anos em

Vive com a mãe, o pai e 3 irmãs, o cunhado e o avô. A Irmã Tânia foi

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Abril mãe, tem 16 anos.

Pais trabalham nas feiras Beneficiários de RSI

Sara (a) 15 2º Ciclo 6º ano

É irmã da Iara e da Carina; tem uma irmã de 17 anos (grávida)

Vive com a mãe, o pai e 3 irmãs Trabalham nas feiras

Beneficiários de RSI

Pascoal 12 2º Ciclo 5º ano

Irmão da Fátima- fez 13 anos em Dezembro

Vive com os pais, avó, dois irmãos e primo.

Recebem R S I. Mãe frequenta P.Novas Oportunidades Israel (b) 14 anos Não estuda; ajuda o pai nas

feiras

Vive com os pais Feirantes. Recebem RSI

a) Desistiu; b) Só esteve numa reunião.

Assim, a partir desta primeira reunião, que ocorreu em Outubro de 2008, numa quarta- feira, das 16:00h às 18:00H, estivemos juntos todas as seguintes quartas-feiras até ao final do mês de Abril, mostrando-se entusiasmados em participar no projecto.

Conforme se pode visualizar no quadro anterior, as crianças que participaram no Projecto tinham idades compreendidas entre os 4 e os 14 anos. São 6 meninas e 4 rapazes (o Israel só esteve numa reunião). Frequentam Estabelecimentos de Ensino Públicos, do Pré-escolar ao 2º Ciclo. A relação de parentesco entre eles é de irmãos e primos. Só frequentam este ATL meninos e meninas de etnia cigana. Moram todos no Bairro e as famílias trabalham como feirantes. São beneficiários do Rendimento Social de Inserção. O avô era a figura de referência para eles no Bairro.

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Capítulo 5 – Construção do Projecto – dar voz às crianças nas suas