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Capítulo 1 – Infância, Direitos da Criança e Cidadania

4. Da participação social da Infância a um verdadeiro protagonismo das crianças

4.2. Protagonismo da Infância

O debate sobre o protagonismo infantil inicia-se na América Latina na década de 60, muito ligada à corrente da educação popular e estende-se ao contexto da infância nos anos 70, com o surgimento dos movimentos sociais de crianças e adolescentes trabalhadores, em diferentes países da região. Esta nova corrente está centrada nas crianças marginalizadas e exploradas, em condições de exclusão, começando a reivindicar o seu reconhecimento como

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sujeitos de direitos e protagonistas do seu desenvolvimento, inclusivo muito antes da existência da Convenção.

É importante ter em conta que o protagonismo é um conceito que resulta de uma construção social que se enriquece continuamente pelas experiências dos actores sociais nas suas comunidades. É um termo, ao qual historicamente se foram atribuindo diversas definições, de acordo com a concepção política e social e em consonância com a ideologia do grupo social que o utiliza. Existem, portanto, diferentes definições. Para Radda Barnen, cit. por Anivitarte et. al. (2003:48), o protagonismo é “aquella participación que juega el papel principal, que le da el toque especial y dinamismo a la situacion. En este sentido se habló de protagonismo a nível de las acciones (el mejor papel es el de protagonista) y del protagonismo en las decisiones (el que lleva el mando)”.

Também Gaytán, cit. por Anavitarte et al. (2003:48), define o protagonismo infantil como “el proceso social mediante el cual se pretende que niñas, niños y adolescentes desenpeñen el papel principal en su desarrollo y el de su comunidade, para alcanzar la realización plena de sus derechos, atendiendo a su interés superior. Es hacer práctica la visión de la niñez como sujeito de derechos y, por lo tanto, se debe dar una redefinición de roles en los distintos componentes de la sociedade: niñez y juventud, autoridades, família, sectores nos organizados, sociedade civil, entidades, etc”.

Autores como Cussiánovich e Liebel, cit por Anavitarte et al (2003:50), reforçam a ideia de que o paradigma conceptual do protagonismo constitui o enfoque privilegiado para enriquecer a participação das crianças. Defendem que se deve conceber o protagonismo como um tempo e espaço onde as crianças participam com critério, decidem, intervêm e influenciam as relações, as decisões que dizem respeito a esses mesmos quotidianos. O discurso da promoção do exercício da cidadania infantil terá, assim, que considerar a participação efectiva das crianças nos seus quotidianos, no sentido de uma contínua intervenção e acção das crianças na definição e organização desses mesmos quotidianos, para que a crianças ao participarem se tornem protagonistas.

Como refere Mayall, cit. por Anavitarte et al (2003:61), pensar numa cidadania para a infância implicará sempre um esforço para promover o protagonismo das crianças e jovens como agentes participativos nas relações sociais, como grupos sociais fundamentalmente implicados no processo de relação social.

De acordo com Gaytán, cit. por Soares (2005:122), existem três mecanismos essenciais para desenvolver o protagonismo:

Organização infantil - sensibilização do contexto familiar e de outros mais institucionais,

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de acordo com os seus interesses; participação infantil - pretende incrementar o poder da infância organizada na sua relação com os adultos. Sendo um factor determinante neste processo o poder, à medida que passa do nível mais baixo do exercício do poder infantil, que é a adultocracia (não existe qualquer espécie de acção das crianças) e começa a percorrer um caminho que se inicia pela sinalização seguido da consulta e representação, inicia-se um percurso crescente de acesso ao poder, à acção e participação; expressão infantil - é a manifestação do ser, pensar e sentir das crianças, que deverão estar em correspondência com os seus interesses, mas são também reflexo das influências que a criança sente por parte dos pais, professores, meios de comunicação social, revelando portanto diferentes graus de autenticidade.

A participação protagonista é um processo de aprendizagem, tanto para as crianças como para os adultos, em que as diferenças de poder e as relações hierárquicas, autoritárias e colossais entre crianças e adultos têm que deixar de existir para que se possam promover as trocas. Anavitarte et. al. (2003:63) referem que esta participação pressupõe entre outros os seguintes benefícios: pessoais - fomenta a auto-estima, ajuda a desenvolver a capacidade crítica e a responsabilidade, melhora as competências de comunicação a expressão de sentimentos e ideias, o diálogo a negociação e a resolução de conflitos, o desenvolvimento de valores solidários e democráticos, o conhecimento e reivindicação dos seus próprios direitos, facilita o crescimento pessoal e social, potencia e melhora os processos de identidade; sociais - promove o respeito e compreensão das suas propostas por parte dos adultos, faz aumentar o poder e facilita os processos de identidade pessoal e social, potência a integração e o reconhecimento da infância como grupo social, melhora a presença real das crianças em sociedade, proporciona e influência as suas propostas, visões e capacidade de trocas sociais, para a infância.

Reconhecer as crianças como actores sociais implica fomentar a sua capacidade de actuar, conhecer, questionar, e transformar o seu meio social, político e económico. Exercer os seus direitos como actores sociais não implica em nenhum sentido a adultização da infância, mas não podemos negar-lhes competências e capacidades como responsabilidade, capacidade crítica ou a tomada de decisões, porque são exclusivas dos adultos. Implica reconhece-las como pessoas activas, com capacidades e valores próprios, participantes do seu próprio processo de crescimento e desenvolvimento pessoal e social. Implica pensá-las como pessoas presentes que pesquisam, analisam, interpretam e transformam a sua própria realidade com competências sociais e individuais. Reconhecer estas competências, capacidades e direitos da infância supõe uma grande mudança na forma de fazer, sentir e pensar nas nossas situações quotidianas com as crianças.

O protagonismo da infância não nega a necessidade de protecção de um grupo social especialmente vulnerável ao atropelo dos seus direitos fundamentais, assim a melhor forma de

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os proteger é promovendo e garantindo o direito a ser actores principais da sua existência, tanto em sentido individual como colectivo. O protagonismo converte-se num caminho válido para alcançar um futuro diferente para a infância, converte-se também numa política alternativa que supõe um enorme entendimento em todos os aspectos centrados na infância.

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Capítulo 2 – As Crianças Ciganas como minoria étnica e como grupo