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CAPÍTULO 3: O processamento dos tópicos – Módulo 1

3.3.1 Uma abordagem ou um procedimento

3.3.1.5 O ensino de vocabulário

O ensino de vocabulário foi um dos primeiros temas surgidos com a dupla 2 (Alice e Luana). Na primeira aula assistida por mim, as professoras trabalharam com uma quantidade enorme de vocabulário. Primeiro, com cardápios contendo vários nomes de pratos e ingredientes desconhecidos. Em seguida, uma série de palavras relacionadas ao mesmo tema, mas não tão usadas, como saca-rolha e espremedor de alho e batata. O ensino do vocabulário consistia na apresentação e explicação do que cada item significava. As professoras consideravam que se haviam ensinado algo, o que foi ensinado deveria ter sido aprendido, e se sentiam até mesmo irritadas caso isso não houvesse acontecido: “Qual é o contrário de duro? Hanna, eu te ensinei isso na aula passada.” Essa fala da Alice demonstra a sua insatisfação de o ensino não ter sido equivalente à aprendizagem. Neste momento, ela considerou que o ocorrido era uma falha da sua aluna. Luana também demonstrou surpresa com o fato de os alunos precisarem de oportunidades em sala para utilizar o vocabulário novo: “Como praticar?” Pesquisas, como a desenvolvida por Coady (1994, pag.225), serviram para mostrar que o ensino do vocabulário, como de outros aspectos da língua, é cíclico e os aprendizes precisam de “dez a doze exposições a uma palavra através do tempo para aprendê- la bem”.37

Além do mais, a aprendizagem de um item de vocabulário deve levar em consideração a escolha pessoal do aprendiz, como cita Hatch e Brown (1995).

Da mesma forma que Alice, Luana, ao trabalhar com os cardápios, passou superficialmente pelo novo vocabulário. Segundo Hatch e Brown (1995), são cinco os passos essenciais para a aprendizagem de vocabulário: encontrar a palavra (input), ter acesso à forma, ter acesso ao significado, consolidar a forma e o significado da palavra na memória e usar a palavra. Às vezes, como no caso dos cardápios, ficava-se apenas no passo 1. Em outros casos, chegava-se até o terceiro passo, mas raramente se pensou que o trabalho do professor incluía algo mais, como dar oportunidades de gravar a palavra nova e utilizá-la em novos contextos.

No nosso primeiro encontro colaborativo, depois de mostrar alguns trechos da aula gravada, chamei a atenção para a forma como as professoras estavam lidando com o ensino de vocabulário. A professora Alice, por várias vezes, exigiu a recuperação do vocabulário “ensinado” e ficou frustrada por isso não ocorrer, como pode ser visto no excerto 40.

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Excerto 40

Anelise: Neste caso específico de vocabulário, se a gente partir do princípio que elas estão no Básico 1, é só tomar cuidado pra você não exigir assim:

“Qual é o contrário?” “Mas eu não sei qual é o contrário.” E você exigir assim: “Não, mas qual é o contrário? Hanna, eu te ensinei na aula passada.

Na aula passada, você sabia.”(enunciado gerador de tensão)

Alice: É, foi mais por isso que eu perguntei. Como de certa forma a Hanna teve uma resposta muito positiva quando a gente tava tratando dessas questões de vocabulário, eu imaginei que as outras pudessem ter o mesmo tipo de resposta. Caso elas não tivessem, a Hanna poderia falar. Mas ela também não lembrava, o que me assustou, porque na medida em que eu tive uma aula com ela na segunda e na quarta não lembra o que ela falou na segunda. (reflexão)

Anelise: Eu dei esse exemplo porque na última aula aconteceram várias vezes de você pedir o vocabulário que as pessoas não sabiam e você ficar esperando... Não, eu acho ótimo partir dos alunos, pedir pra eles mesmo. Só lembrando que, assim, talvez não conheçam mesmo o vocabulário. (enunciado gerador de tensão)

(SC6 – 06/10/07)

Apesar de a professora Luana agir da mesma forma, exigindo do aluno um conhecimento já apresentado, mas não trabalhado “eu falei isso também?”, a sua participação nos encontros era bem discreta. O diálogo ficava mais centrado entre mim e a professora Alice. Esse tipo de postura nos privava de um debate mais rico, pois, nesses casos, acabava prevalecendo a voz da professora formadora, como pode ser visto no excerto 40.

As mudanças de postura dos professores nem sempre apareciam na fala dos professores nos mesmos encontros em que algum aspecto era discutido. Geralmente, as ações- transformadoras geradas pelos nossos encontros podiam ser observadas nas aulas e / ou apareciam nas falas nos encontros subsequentes. No caso específico do ensino do vocabulário, como pode ser visto no excerto 41, as mudanças resultantes dos nossos encontros surgiram na fala da professora, principalmente da Alice, ao conversamos sobre uma das aulas que ela dera na semana seguinte à nossa primeira conversa sobre o assunto.

Excerto 41

Anelise: E você, Alice, o que você tem a dizer da sua aula? (enunciado gerador de tensão)

Alice: A gente, não só na sala, a gente tá pensando muito naquilo do nosso último encontro. Dessa questão cíclica, da gente sempre voltar, sempre voltar. Acho que com relação a isso, eu consegui atingir na última aula, porque a gente já tinha visto esse vocabulário do apartamento, de alugar. Então sempre voltando nisso. E eu acho que elas (alunas) estão conseguindo desenvolver uma memorização melhor depois que a gente adotou essa perspectiva mais cíclica. (reflexão + ação-transformadora)

Anelise: Agora no vocabulário, achei muito interessante. Você não está só mantendo o vocabulário fechadinho do livro. Você está explorando muito mais. Achei bem interessante isso.

Alice: Eu acho que com relação a essa última aula, esse vocabulário específico da lição 5, ele tem como a gente explorar muito no cotidiano delas aqui, né? Essa coisa de ter um porteiro. Lá na Alemanha não tem, tal, delas tentarem trabalhar. Eu acho que... contando que eu e a Luana estamos pensando muito nessa questão cíclica que você falou na outra aula. Não é porque a gente já deu que elas já aprenderam. Então muito vocabulário que eu vi na segunda, eu falei tudo de novo na outra aula e elas começaram a lembrar. Então eu comecei a sentir um retorno delas. (reflexão + ação- transformadora)

Anelise: Ótimo.

Alice: E isso também gera uma certa quebra da anti frustração delas. No momento em que elas conseguem recuperar o vocabulário. E até mesmo quando elas não entram assim, foram poucas as situações que eu tive que

falar “olha eu já dei isso” e tal. Fugindo um pouco daquilo que você falou e

que não é porque eu já dei que elas já sabem. Mas elas mesmas tendem a... Como elas veem que elas conseguiram decorar uma grande parte “como eu

não consegui decorar um..” Isso força elas a buscar mesmo. Eu acho isso

legal. (reflexão) (SC7 – 27/10/07)

Pela fala da professora Alice, fica claro que o que foi discutido no nosso encontro foi repensado e que isso acabou transformando a sua prática. A mudança não foi radical, uma vez que a professora mantinha aspectos do seu ensino anterior “foram poucas as situações que eu tive que falar „olha eu já dei isso‟”, mas profunda, pois foi modificado o aspecto que as professoras, principalmente Alice, consideram como o mais importante no ensino de uma língua estrangeira, o ensino de vocabulário.

Outro aspecto importante que pode ser verificado no excerto 41 é que a fala da professora Alice está no plural “A gente, não só na sala, a gente tá pensando muito naquilo do nosso último encontro”, dando a entender que a preocupação não era apenas dela, mas também da outra professora. Como dito anteriormente, Luana não costumava se posicionar, participava muito pouco das nossas discussões. Geralmente, a influência dos nossos encontros na sua didática podia ser vista na sua prática e por meio da fala da sua companheira.

Em relação à dupla Andréia e Tiago, o ensino do vocabulário não foi um dos temas que apareceu nos nossos encontros, por ser pouquíssimo trabalhado pelos professores. Eles acreditavam que, pelo fato de os alunos terem nível avançado, não havia mais a necessidade de se ter atividades específicas de ensino de vocabulário. O seu trabalho se restringia a tirar a dúvida dos alunos em relação a palavras que surgiam principalmente nos textos lidos em sala.

Sugeri a eles a leitura de um texto sobre o ensino de vocabulário (o mesmo sugerido para a dupla 2), o que acabou influenciando a sua prática: eles passaram a utilizar, em momentos das suas aulas, algumas das estratégias presentes estudadas.

A visão dos professores sobre o ensino de vocabulário no início e no final do Módulo 1 pode ser vista no QUADRO 10.

QUADRO 10 O ensino do vocabulário

Posição inicial Posição no final do Módulo 1

Andréia e Tiago  Não há ensino de vocabulário.

 Conhecimento de algumas estratégias de ensino de vocabulário (pouco uso). Alice  Apresentação e explicação

de grande quantidade de vocabulário.

 Uso do vocabulário pelo aluno; ensino cíclico.

Luana  O vocabulário é o foco

principal no ensino de línguas.