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CAPÍTULO 4: O processamento dos tópicos – Módulo 2

4.2 A colaboração

4.2.3 O trabalho reflexivo-colaborativo

Nas muitas pesquisas feitas sobre o trabalho colaborativo-reflexivo envolvendo professores, como nas de Jesus, Mello e Dutra (2007), Freitas (1999), Dutra, Mello, Araújo, Oliveira, Souza e Oliveira ( 2003), Jorge (2005) e Magalhães e Celani (2005), apontam-se os muitos aspetos positivos dessa forma de ação, mas poucas demonstram as dificuldades existentes na condução de um trabalho realmente colaborativo. Os resultados obtidos nesta pesquisa também apontam os pontos positivos da colaboração, mas mostram igualmente os momentos de tensão e desconforto que surgiram ao longo dos dois semestres de trabalho conjunto.

Os comentários feitos pelas professoras, principalmente nas entrevistas finais, deixam clara a importância que elas deram à sua formação inicial ocorrida nos moldes desse curso. Segundo Alice “Eu acho que os encontros eram a melhor parte do processo. Eu acho que era quando a gente podia conversar, colocar em discussão aquilo que a gente tinha observado, comparar as nossas metodologias, como que a gente deu uma coisa, como que demos outra. Então eu acho que os encontros eram realmente a parte mais produtiva do processo44.”

Andréia igualmente demonstra a sua satisfação com sua formação: “Eu acho que fez toda a diferença (esse curso de formação). Eu cresci demais, melhorei muito. Nem se compara as primeiras aulas com essas últimas. [...] Essa questão da gravação, eu achei muito bom você poder se ver depois, ver o que você fez. Porque às vezes você faz inconscientemente. [...] Essa questão dessa observação ser feita com outros professores, eu acho isso interessante também.”

Entretanto, esta pesquisa aponta também algumas dificuldades encontradas pelo grupo na sua condução. Os moldes como esse curso foi desenvolvido procuraram criar um ambiente em que todos os envolvidos pudessem se expor tanto na condução de suas aulas como nas discussões posteriores. O objetivo era criar uma zona interpretativa45 na qual problemas surgem e são solucionados com a ajuda de todos, pois essa zona interpretativa é que leva à coconstrução do conhecimento profissional. Entretanto, as professoras confessaram que, por vezes, não se sentiam confortáveis para experimentar (ousar fazer coisas diferentes) nas suas aulas, com receio dos comentários que poderiam surgir depois. O excerto 8 mostra como Alice usava a reflexão crítica para avaliar até mesmo o nosso ambiente de formação.

44

Como explicado no Capítulo 2, item 2.9, as falas foram mantidas tal qual registrou-se quando da transcrição. 45

Excerto 8

Alice: Eu queria só falar uma coisa. Achei muito interessante aqui no final (de um texto sobre colaboração escrito por mim) você falando isso: que (o trabalho colaborativo-reflexivo) exige, que não é fácil de acontecer porque tem que atingir a igualdade dessa divisão, dos problemas, esse equilíbrio. Eu fiquei me perguntando dessa experiência minha com as reuniões até que ponto o trabalho colaborativo pode influenciar positivamente ou negativamente na atuação do professor. [...] Eu fiquei me perguntando até que ponto que isso tá prejudicando minha aula. De certa forma, eu devo estar

pensando: “Não, peraí, deixa eu pensar mais. Isso eu tenho que esquematizar.” Eu estou colocando tudo dentro de um molde pra poder ser a

aula que você vai filmar, entendeu? Eu fiquei refletindo em relação a isso e aí eu coloquei duas coisas no peso em relação ao trabalho colaborativo. Tem, sim, a importância de você se questionar, o outro vendo a sua aula e refletindo em conjunto, as ações também conjuntas. Agora, pelo outro lado, rola um fluxo de receios, do medo de tentar. Às vezes eu fico com muito medo de tentar alguma coisa no dia que você vai estar lá. (enunciado gerador de tensão + reflexão)

Anelise: Que triste.

Alice: Então esse medo de tentar, a incompreensão do outro e muitas vezes uma visão muito sistemática da aula. Então, às vezes, eu tenho muito medo de tentar em algum espaço que seria o meu espaço de tentar, porque eu estou sendo filmada, estou sendo observada, eu tenho que fazer um relatório, essa questão. Não por você, mas pesando no trabalho colaborativo como um todo. Até que ponto o trabalho colaborativo pode podar aquela pessoa. (reflexão) Andréia: Eu fico com medo, Anelise, de dar gramática. Eu fico tentando chegar na gramática antes de você filmar a minha aula. (tensão colaborativa)

Alice: Era só uma reflexão que eu queria fazer.

Anelise: Importantíssima. Essa igualdade que deve atingir é igualdade no sentido de todas as pessoas terem coragem de colocar o que quer. Seria isso a parte da igualdade, mas tem um momento, não sei se está aí (no texto) ou em outro lugar, que acaba influenciando. Por exemplo, o fato de eu estar aqui na supervisão, não apenas na supervisão, a pessoa que dá aula há mais de 20 anos. Eu sei que isso tem um peso, acaba que tem um peso extra.

Alice: Você colocou assim: “Esses elementos de tensão, de conflito, que

devem ser encarados como uma tensão geradora de conhecimentos em

perspectivas divergentes que enriquecem o resultado final.” Eu sei que a

gente deve encarar essa tensão que a gente fica. Até mesmo essa reflexão como um algo que pode ser positivo, como algo que vai enriquecer nossa formação, mas ao mesmo tempo eu fico me perguntando até que ponto isso pode estar podando. Mesmo que você não vá assistir, de ficar pensando. Eu sei que a gente tem que refletir, mas será que isso não está podante, tentar uma coisa que seja legal, de dar uma alternativa na aula, justamente no meu espaço de estágio? Eu fico pensando nesse tipo de coisa. (reflexão)

Andréia: Não, eu não acho. Eu acho que melhorei muito, mas que às vezes eu fico com medo. Igual tem coisas que eu dou que eu penso muito na maneira que eu vou dar, seguir suas orientações, porque realmente melhorou muito a aula. Mas eu fico com medo de dar certas coisas perto de você com você filmando.[...] (reflexão)

Andréia: A gente tem que aprender, não é fácil, você fazer a crítica, não é fácil a gente sair bem igual você pensou que tinha saído. Não é fácil, mas a gente tem que aprender a lidar com isso. (reflexão + ação-transformadora) (SC6 – 03/06/08)

Essa conversa funciona como uma meta-análise e demonstra o quanto as professoras estavam imbuídas do espírito da reflexão crítico-colaborativa. Elas não apenas estavam a todo momento refletindo e avaliando suas aulas, como o fizeram igualmente com o próprio curso de formação. A fala de Alice foi muito importante ao levantar as vantagens e desvantagens das gravações com subsequentes comentários por parte dos participantes. Para evitar críticas ao seu trabalho, as professoras estavam, por vezes, com receio de inovar, de agir diferente do molde do que consideravam uma boa aula. Obviamente esse receio não estava agindo no melhor interesse do desenvolvimento das professoras. O espaço do curso é o mais apropriado para tentar ações inovadoras, mesmo que elas encontrem críticas. As professoras procuravam evitar os momentos de tensão, mesmo conscientes de que eles são geradores de conhecimentos, pelo fato de não ser fácil escutar críticas, como aponta Andréia: “Não é fácil, mas a gente tem que aprender a lidar com isso.”

Esse monitoramento das formas de agir em sala de aula foi um recurso utilizado por ambas as professoras para evitar os conflitos que poderiam vir, em seguida, com o visionamento da aula e com a discussão nas sessões colaborativas. Por um lado, isso é positivo, pois mostra a preocupação das professoras em agir da forma mais adequada possível para tornar suas aulas cada vez melhores. Por outro lado, esse monitoramento pode ser considerado ruim, pois ele impedia as professoras de agirem de forma natural. Esse foi o ponto crucial que Alice abordou na sua fala: até que ponto o trabalho colaborativo ajuda ou prejudica a formação inicial de um professor.

Depois dessa espécie de desabafo sobre o assunto, em que as professoras mostraram sua maturidade ao fazer críticas pertinentes sobre o formato desse curso de formação colaborativo-reflexivo, elas sentiram-se mais à vontade, pois descobriram que o problema não era individual, mas era compartilhado pela outra professora. Elas passaram a se sentir mais confiantes e menos cobradas depois desse encontro. Eu igualmente procurei incentivar as professoras a ousar mais, mesmo que isso refletisse em algumas sugestões diferentes das outras participantes.