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O entendimento de juventude e a contribuição da sociologia da juventude a

CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZANDO O DEBATE SOBRE A JUVENTUDE

1.2 O entendimento de juventude e a contribuição da sociologia da juventude a

A temática da juventude como um objeto de pesquisa foi foco de maior interesse por diversas áreas do conhecimento a partir da última metade do século XX (HOLLINGSHEAD, 1968). Verifica-se um grande interesse de várias áreas profissionais envolvidas com pesquisas e estudos relacionados com os fenômenos físicos e psicológicos dos adolescentes e uma ênfase muito grande relacionada às questões ligadas aos problemas ocasionados pelos adolescentes. Hollingshead (1968, p. 99) afirma que existe uma diferença grande no que se refere ao olhar da Sociologia para a adolescência diferentemente das outras áreas do conhecimento, pois, para esta área, a adolescência “é o período da vida de uma pessoa que se define quando a sociedade na qual ele funciona cessa de considerá-lo (homem ou mulher) uma criança e contudo não atribui o status, os desempenhos e funções do adulto”.

Dessa forma, o autor é enfático em esclarecer que a adolescência não está ligada à questão de um tempo específico para acontecer, e que as questões relacionadas às modificações fisiológicas e físicas por si só não apresentam um interesse específico para o campo da Sociologia. Ou seja, o interesse dessa área do conhecimento estaria concentrado no comportamento do adolescente a partir da influência da sociedade, não na própria adolescência. O autor não desconsidera a contribuição das diversas áreas relacionadas à adolescência, porém para ele a expressão “comportamento adolescente”

se refere à modalidade de ação social da gente jovem. Acreditamos que o comportamento adolescente é um tipo de comportamento de transição que depende exclusivamente da sociedade, e mais ainda da posição que o individuo ocupa dentro da estrutura social, e não dos fenômenos biopsicológicos relacionados a essa idade, tais como puberdade, ou as condições supostas psico-orgânicas conhecidas pelos termos de “impulsos”, “solicitações”, e “tensões”, da linguagem leiga (HOLLINGSHEAD, 1968, p. 100).

Além disso, o autor chama atenção para a categoria classe social, pois ela influencia de forma marcante a característica do comportamento do adolescente.

A partir das considerações deste autor, podemos inferir em primeiro lugar que diversas áreas do conhecimento contribuíram para compreender melhor o período intitulado juventude. Em segundo lugar, que coube à Sociologia se diferenciar dessas áreas a partir de sua especificidade compreendendo a juventude a partir da influência que a própria sociedade exerce sobre esse grupo social.

Dentre as várias questões relacionadas ao estudo da juventude no campo da Sociologia, existem duas que chamam atenção, por ambas apresentarem em comum a imprecisão tanto no que se refere aos limites de idade que compõe a juventude, como também a própria questão conceitual.

No que tange à questão conceitual, Flitner (1968, p. 40-41) chama atenção que “não é possível ignorar a falta de precisão com que são aplicados os conceitos ‘juventude’, ‘rapazes’ e ‘moças’, ‘os jovens’, que são utilizados como contraste para ‘criança’”.

Neste sentido, Stoetzel problematiza a questão da falta de precisão com relação aos limites para essa definição:

Mas a coisa não fica tão fácil quando se trata de precisar os limites de idade da categoria: que fronteiras anteriores e posteriores se deve adotar? O dicionário ajuda muito pouco; suas indicações, quando não são vagas, são suspeitas de arbitrariedade. Desejar- se-iam determinações fundadas sobre a natureza das coisas (1968, p. 119).

Ainda segundo o autor, é preciso ficar claro que a distinção das idades é por essência realizada pela própria sociedade, pois cada uma faz a interpretação à sua maneira tendo como indicação as questões sócio-culturais.

Aprofundando o debate sobre a questão conceitual, Rosenmayr esclarece inicialmente que

O termo “juventude” designa um estado transitório, uma fase da vida humana, cujo início é muito claramente definido pela aparição da puberdade; quanto ao fim da juventude, varia segundo os critérios e os pontos de vista que se adotam para determinar se os indivíduos são “jovens”. Por “juventude” compreendemos não somente uma fase da vida, mas também os indivíduos concretos que pertencem aos grupos de idade definidos como jovens (1968, p. 133).

O autor explica que o termo juventude compreende a população entre quatorze e vinte quatro anos de idade, por outro lado chama a atenção sobre a importância de se fazer a distinção dentro desse universo, entre os adolescentes e os jovens e adultos10. Outro destaque está relacionado à importância atribuída à idade dos 18 anos, pois esta serve como um marco diferenciador das responsabilidades legais, e que estão presentes em legislações de diversos países.

Outro aspecto levantado pelo autor está relacionado ao contexto socioeconômico em que estão inseridos os adolescentes e os jovens e as questões ligadas às transformações sociais e culturais, pois as mesmas não se apresentam de forma igual nos vários sistemas sociais ou políticos e nos diversos estágios de desenvolvimento da economia e nas diversas camadas sociais, pois “as condições socioeconômicas nas quais os jovens crescem no mundo moderno vão de um extremo a outro, desde um “sistema ambiental de pobreza” até a “civilização da abundância” (ROSENMAYR, 1968, p. 151). Desta forma, se faz necessário considerarmos que as condições socioeconômicas em que estão inseridos os jovens têm influência em sua forma de intervir nas transformações sociais e culturais. Ao afirmarmos que eles são responsáveis pelas transformações sociais, não podemos deixar de ressaltar que de acordo com a classe social a que eles pertençam teremos formas e maneiras diferentes de atuar perante a própria sociedade.

Nesta direção é que vão emergir diversos sentidos e significados a essa etapa da vida que vai estar ancorada em cada lugar, e em cada cultura, a seus respectivos valores e concepções de mundo e de homem.

Echavarria (1968) aponta a existência de vários estudos voltados para a juventude, levando-o ao indagar qual seria o interesse pela idade juvenil. Ele apresenta duas razões que levam a esse interesse. São elas: de um lado, o interesse em entender a experiência da juventude contemporânea que, no presente, se apresenta de forma mais ou menos “excêntrica” despertando preocupações em geral. O outro interesse estaria na possibilidade de pensar o futuro da própria

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Rosenmayr (1968) destaca que o campo da Sociologia apresenta a necessidade de realizar subdivisões no que se refere à juventude. O término do período da adolescência, com todo o conjunto de mudanças fisiológicas presentes no corpo das pessoas, finda por volta dos 18 anos ou mesmo mais cedo, isso de acordo com certos grupos sociais ou étnicos, em certas partes do mundo. O autor chama atenção para o período da adolescência, pois segundo ele a pessoa necessita de um certo tempo para uma reação psicológica com novas atitudes e formas de comportamentos presentes na própria adolescência, isso tudo a partir das várias modificações fisiológicas. Ele classifica como adolescência o período entre 14 e 18 anos de idade.

juventude, e da sociedade em geral, tendo como referência a situação atual dos jovens. Segundo o autor, seja qual for o interesse,

todos aceitam sem maiores preocupações a previsão banal de que o caráter que a sociedade e a história tomarão no amanhã dependem em grande parte das reações, já em desenvolvimento, da mocidade ante as condições de vida favoráveis ou adversas, que tenham encontrado entre nós (ECHAVARRIA, 1968, p. 181-182).

O autor chama atenção para o fato de que entre os diversos trabalhos publicados sobre a juventude o destaque foi dado aos jovens que apresentavam problemas de condutas excêntricas, como os beddy-boys ingleses ou a de casos parecidos em outros países, sendo muito semelhantes pelos nomes extravagantes e também pela conduta que apresentavam. Nessa perspectiva, a grande questão é que a atual produção bibliográfica estaria preocupada não tanto com o problema da juventude-problema, porém sim com o problema da juventude, com um grande destaque aos problemas presentes na juventude.

Com efeito, quando se fala do problema da juventude se destaca o caráter problemático de um período, não com pouca injustiça, seja dito de passagem, diante da situação possivelmente semelhante de outras idades. Isto quer dizer que se considera a juventude como sujeita intimamente a maiores problemas ou como constituindo por sua vez um problema dentro de uma determinada estrutura social, enquanto o adulto sobrecarregado de problemas não se vê a si mesmo como um problema social. Ambas as coisas, ao contrário, são notórias na idade senil11 (ECHAVARRIA, 1968, p. 182-183).

Podemos destacar, então, que os estudos vão se preocupar com as questões sociais que envolvem a juventude. Dentre estas podemos citar a questão do abandono familiar, as condições econômicas em que fazem parte os jovens, do trabalho precoce precário e mal remunerado, da violência contra e provocadas pelos os jovens, da precocidade em relação à maternidade/paternidade, da constituição de novas famílias, entre outros pontos que, de uma forma direta ou indireta, refletem diversos problemas presentes na sociedade. Outro aspecto que aparece de forma subjacente à preocupação com o problema da juventude está ligado às inquietações dos adultos relacionado com o futuro da juventude atual.

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Segundo Echavarria (1968), a velhice representa atualmente, nas sociedades modernas, um campo problemático quem sabe muito mais sério que o da juventude.

De toda forma, não se pode deixar de destacar que existe uma certa aceitação no que se refere ao entendimento da juventude como um grupo demográfico, entre as faixas etárias dos 14 aos 25 anos. Segundo o autor,

Não é tão fácil, por outro lado, estabelecer um acordo sobre o tipo de unidade que significa a juventude é um mero agregado estatístico? Um grupo social? Uma dimensão permanente da estrutura da vida? Em qualquer caso, não deixa de se apresentar unida ao campo mais amplo do processo histórico, e então, empregue-se ou não o termo geração, a juventude assume ainda mais sua singular importância (ECHAVARRIA, 1968, p. 183-184).

Por outro lado, Echavarria destaca nos trabalhos analisados a existência de uma certa uniformidade da juventude presente nas sociedades industrializadas, deduzindo-se que na estrutura dessas sociedades a situação juvenil estaria entre duas situações de classes sociais diferentes. De um lado, o horizonte fechado e protegido representado pela família em que fazem parte os jovens das classes mais abastadas, de outro, o horizonte aberto, ameaçador e enigmático presente na sociedade em que pertencem os jovens pobres. “A esse respeito, o problema essencial das sociedades industriais é hoje conhecer como e com que efeitos se realiza semelhantes passos de um outro tipo de relações sociais” (1968, p. 184).

Diante do quadro que existe uma certa semelhança da juventude atual a partir de condutas extravagantes ou delituosas, que se expressam tanto nos países industrializados, como também naqueles menos avançados economicamente, o autor apresenta a hipótese de que

a autonomia dos grupos juvenis não é mais que o resultado das discrepâncias dos diversos setores sociais e culturais num momento dado, em especial do setor familiar, frente aos demais. Do caráter dessas discrepâncias dependerá a natureza da suposta autonomia dos grupos juvenis” (ECHAVARRIA, 1968, p. 186).

O autor fundamenta a sua hipótese, reconhecendo que o fenômeno da juventude deve ser compreendido a partir da consideração da estrutura social como um todo, e que as incidências nas maneiras de condutas dos jovens constituem, de acordo com a sua natureza e grau, ótimos indicadores de uma maior ou menor integração social.

Outro aspecto levantado está relacionado ao papel que é atribuído à juventude na sociedade, que é ser responsável pelo desenvolvimento do país de forma geral. Segundo Echavarria (1968), “na expressão vigente e imprecisa da “mobilização” para o desenvolvimento, a juventude aparece como uma das molas essenciais (p. 187).

Considerando a lógica que apresenta a juventude como responsável pelo próprio destino e desenvolvimento do país, Echavarria (1968) é enfático ao afirmar que o próprio olhar que a juventude tem com relação à sociedade tem um papel importantíssimo, pois,

existam ou não tais manifestações de insatisfação ou rebeldia, o dado fundamental do qual interessa partir é o fato de que o destino futuro de um país está prefigurado na interpretação que a juventude tenha de suas próprias condições, a qual inclui inegavelmente uma imagem da sociedade (p. 194).

Estas preocupações estão presentes de forma muito contundente na sociedade atual, isso porque predomina a óticabiológica de que o jovem de hoje é o adulto de amanhã. Neste caso, fica a preocupação de saber se a juventude atenderá as expectativas de produtividade exigida pela organização social capitalista. Por certo, estas preocupações estão na base das políticas públicas para juventude, conforme veremos adiante, e se afinam com o debate teórico das gerações proposto por Mannheim.

Em síntese, podemos afirmar que as contribuições teóricas de Hollingshead (1968), Stoetzel (1968), Rosenmayr (1968) e Echavarria (1968) estabelecem uma relação entre a juventude e a classe social. Estes autores vão afirmar que de acordo com a classe social em que pertença o jovem haverá uma diferença significativa na sua formação educacional e familiar, nas experiências vividas, e, também, no acesso a diversos bens de consumo, ou seja, a classe social determina/condiciona diferenciação entre os jovens, não podendo dessa forma haver uma teoria que se proponha a definir uma categoria única de juventude.

Outro elemento de aproximação presente nos trabalhos dos autores acima está relacionado à ausência de clareza no que se refere às questões conceituais relacionadas aos jovens e também a própria falta de definição em relação ao limite que determina a fase juvenil. Rosenmayr (1968) é enfático na constatação de que é

a sociedade que determina a idade da própria juventude e que de acordo com o local isso se dá de maneira diferente.

Por fim, um ponto comum entre Rosenmayr e Echavarria é o debate entre juventude e mudança social. Isso porque os autores destacam que jovens de maneira geral são vistos como aqueles encarregados ou em condições de estabelecerem transformações sociais de forma a dar um novo rumo para a sociedade. Esse tipo de ação é apontado pelo próprio Mannheim como mostramos anteriormente.

Veremos no tópico a seguir que as questões relacionadas à juventude na contemporaneidade não se diferenciam totalmente das apresentadas na segunda metade do século XX. Por outro lado, na contemporaneidade, a disparidade entre as classes sociais presente na sociedade capitalista aprofundou ainda mais os problemas relacionadas à juventude, além disso, o debate em torno da categoria juventude passou a ser visto de forma mais complexa e plural no próprio meio acadêmico.