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A Política Pública para a Juventude no Governo Fernando Henrique Cardoso

CAPÍTULO 2 POLÍTICA PÚBLICA PARA A JUVENTUDE

2.3 A Política Pública para a Juventude no Governo Fernando Henrique Cardoso

O que vimos na política pública para a juventude no final da década de 90 reflete a própria compreensão que o Estado brasileiro tinha dos jovens, e também a forma como estavam estabelecidas as relações entre o Estado e a sociedade civil, ou seja, as políticas estavam voltadas para uma juventude em situação de risco e vulnerabilidade social.

Sposito e Carrano (2003, p. 21) reconhecem nas formulações da política pública para a juventude nesse período a compreensão da condição juvenil sendo vista como um elemento problemático, estando contidas na política para juventude estratégias para o enfrentamento dos problemas da juventude.

Isso se expressa, por exemplo, na criação de programas esportivos, culturais e de trabalho orientados para o controle social do tempo livre dos jovens, destinados especialmente aos moradores dos bairros periféricos das grandes cidades brasileiras (SPOSITO; CARRANO, 2003, p. 21).

Durante esse período vários programas foram pensados não como política estratégica para os jovens, mas sim com a ideia de prevenção, de controle de ações compensatórias para o segmento juvenil.

Sposito e Carrano (2003) apresentam um quadro analítico sobre as políticas públicas construídas pelo governo federal no período de 1995 a 2002, descrevendo programas e projetos, seus objetivos e metodologias anunciadas, e puderam identificar as principais tendências dos mesmos. Resgatar essas informações se faz necessário, pois além de apresentar um quadro geral das ações governamentais que foram realizadas especificamente para os jovens durante esse governo, demonstra também que o governo Lula, ao assumir o mandato, não foi o primeiro a investir de forma efetiva em política para o segmento juvenil. É claro que as críticas apresentadas pelos estudiosos da política, de forma geral, apontam um conjunto de fragilidades presente nas mesmas. O primeiro problema apresentado pelos autores no seu artigo está relacionado à dificuldade de ter acesso às informações sobre os programas e projetos, sendo apresentado como um primeiro diagnóstico a ausência de registro sobre a avaliação e o acompanhamento gerencial das políticas realizadas. Ao todo os autores identificaram 30 programas/projetos governamentais,

que abrangiam a faixa etária de 15 a 25 anos, e mais três ações sociais de caráter não governamental que tiveram amplitude nacional; são eles: o Programa da Capacitação Solidária, Projeto Rede Jovem e Programa Alfabetização Solidária, os mesmos surgem a partir do Programa Comunidade Solidária.

Como está presente no quadro 01 abaixo, no período que vai de 1995 a 2002 a distribuição dos 30 programas/projetos aconteceu em 11 (onze) instâncias responsáveis, sendo assim distribuídas: 05 (cinco) no Ministério da Educação, 06 (seis) no Ministério de Esporte e Turismo, 06 (seis) no Ministério da Justiça, 01 (um) no Ministério de Desenvolvimento Agrário, 01 (um) no Ministério da Saúde, 02 (dois) no Ministério de Trabalho e Emprego, 03 (três) no Ministério de Previdência e Assistência Social, 02 (dois) no Ministério de Ciência e Tecnologia, 02 (dois) no Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, 01 (um) no Gabinete do Presidente da República (Projeto Alvorada), e, por último, 01 (um) de caráter interministerial com função de realizar a integração das ações de 11 projetos/programas focados em jovens, localizado no Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão. Um destaque apresentado pelos autores do artigo está relacionado ao número de programas/projetos em um mesmo ministério, pois eles apontam que isso não proporcionou nenhuma garantia de uma maior atenção e nem uma ação mais eficiente nas questões relacionadas à juventude25.

Quadro 01

Localização dos programas/projetos do governo FHC por instâncias responsáveis

INSTÂNCIA RESPONSÁVEL PELO PROGRAMA Nº DE PROGRAMAS

Ministério da Educação 05

Ministério de Esporte e Turismo 06

Ministério da Justiça 06

Ministério de Desenvolvimento Agrário 01

Ministério da Saúde 01

Ministério de Trabalho e Emprego 02

Ministério de Previdência e Assistência Social 03

Ministérios de Ciência e Tecnologia 02

Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República 02

Gabinete do Presidente da República 01

Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão 01

Fonte: Quadro criado a partir dos dados disponibilizados por Sposito e Carrano (2003)

25

Sposito e Carrano (2003) apresentam como exemplo a presença de apenas um único programa no Ministério, que tem uma longa duração que apresenta ações institucionais orgânicas, focalizadas, com uma reflexão teórica e com articulação com redes governamentais e com a sociedade civil, diferente dos seis programas presentes no Ministério dos Esportes, que demonstravam baixa capacidade de coordenação de suas ações, quase nenhuma reflexão sobre a problemática da juventude e pouca articulação com os atores da sociedade civil.

Em uma distribuição temporal, em relação aos dois mandatos do presidente FHC e os programas e projetos em tela, vale destacar que 03 (três) programas são anteriores à sua gestão, tendo sido confeccionados na gestão do Presidente Itamar Franco. São eles: Programa Saúde do Adolescente e do Jovem (Ministério da Saúde); Programa Especial de Treinamento (PET – Ministério da Educação); e Prêmio Jovem Cientista (Ministério da Ciência e Tecnologia). Além disso, como consta no quadro abaixo, no primeiro mandato da gestão de FHC, que foi de 1995 a 1998, foram criados seis programas: Jogos da Juventude e Esporte Solidário (Ministério dos Esportes e Turismo); PRONERA (Ministério do Desenvolvimento Agrário); PLANFOR (Ministério do Trabalho e Emprego); Capacitação Solidária e Alfabetização Solidária (Gabinete do Presidente da República/Conselho Comunidade Solidária).

Mesmo tendo clareza de que a quantidade de programas não deve servir de referência para avaliarmos a ação do governo, consideramos uma intervenção bastante tímida por parte da gestão ao realizar durante os quatro anos de mandato apenas seis programas, tendo como princípio que havia uma carência significativa nas áreas de educação, saúde, lazer e formação para o trabalho. Além disso, os programas criados não demonstravam apresentar uma ação articulada entre si e nem tão pouco com os ministérios em que eles faziam parte.

Quadro 02

Programas governamentais realizados na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso – período de 1995 a 1998 - primeiro mandato INSTÂNCIA RESPONSÁVEL

PELO PROGRAMA

NÚMERO DE PROGRAMAS

NOME DOS PROGRAMAS

Ministério de Esporte e Turismo 02 Jogos da Juventude; Esporte Solidário Ministério de Desenvolvimento Agrário 01 PRONERA Ministério de Trabalho e Emprego 02 PLANFOR Gabinete do Presidente da República 01 Capacitação Solidária e Alfabetização Solidária Total 06

Fonte: Quadro criado a partir dos dados disponibilizados por Sposito e Carrano (2003).

Diferentemente da primeira gestão, o segundo mandato de FHC (1999 a 2002) apresentou um aumento significativo de programas, o que representa um quadro diferente relacionado às ações governamentais voltadas para a juventude,

isso porque a gestão ampliou de 6 para 18 a quantidade de programas, “[...] representando uma verdadeira explosão da temática juventude e adolescência no plano federal, ainda que esta tenha ocorrido num quadro de grande fragmentação setorial e pouca consistência conceitual e programática” (SPOSITO; CARRANO, 2003, p. 22).

Foram criados os seguintes programas: Projeto Escola Jovem, Financiamento Estudantil e Programa Recomeço (Ministério da Educação – 03 projetos); Olimpíadas Colegiais, Projeto Navegar e Esporte na Escola (Ministério do Esporte e Turismo – 03 projetos); Serviço Civil Voluntário, Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual, Programa de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e Programa Paz nas Escolas (Ministério da Justiça - 04 projetos); Jovem Empreendedor (Ministério do Trabalho e Emprego - 01 projeto); Centro da Juventude e Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano (Ministério da Previdência e Assistência Social - 02 projetos); Prêmio Jovem Cientista do Futuro (Ministério da Ciência e Tecnologia – 01 projeto); PIAPS e CENAFOCO (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República – 2 projetos); Brasil em Ação (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – 1 projeto); Projeto Alvorada (Presidência da República - 01 projeto).

Quadro 03

Programas governamentais realizados na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso – período de 1999 a 2002 - segundo mandato

INSTÂNCIA RESPONSÁVEL PELO PROGRAMA

NÚMERO DE PROGRAMAS

NOME DOS PROGRAMAS

Ministério da Educação 03 Projeto Escola Jovem, Financiamento Estudantil e Programa Recomeço

Ministério de Esporte e Turismo 03 Olimpíadas Colegiais, Projeto Navegar e Esporte na Escola Ministério da Justiça 04 Serviço Civil Voluntário, Plano

Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual, Programa de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e Programa Paz nas Escolas

Ministério de Trabalho e Emprego

01 Jovem Empreendedor Ministério de Previdência e

Assistência Social

02 Centro da Juventude e Agente Jovem de Desenvolvimento Social e Humano

Ministérios de Ciência e Tecnologia

01 Prêmio Jovem Cientista do Futuro Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República 02 PIAPS e CENAFOCO Gabinete do Presidente da República 01 Projeto Alvorada Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão 01 Brasil em Ação Total 18

Fonte: Quadro criado a partir dos dados disponibilizados por Sposito e Carrano (2003).

No tocante à análise das políticas públicas voltadas para a juventude realizadas pelo governo federal do período citado, Sposito e Carrano (2003) apresentaram as seguintes constatações: primeiro que os programas em sua grande maioria eram recentes, tendo sido a maior parte implantado nos últimos cinco anos de governo, o que explica em parte a incipiente institucionalização e fragmentação da política, pois, para os autores, “as ações desarticuladas e a superposição de projetos com objetivos, clientela e área geográfica de atuação comum, exprimem a frágil institucionalidade das políticas federais de juventude” (p. 30). Os autores percebem isso ao afirmarem que dependendo do local em que partiam os programas e projetos, existiam mudanças nos sentidos políticos e sociais das ações, no recorte etário do público-alvo, sendo assim, “[...] alguns ministérios se dedicam à assistência, alguns pretendem a inclusão dos “jovens carentes” e outros dão um caráter profilático às suas ações, implementando medidas saneadoras pra evitar a violência” (p. 30-31).

O segundo aspecto localizado no estudo é que em alguns programas foi dada ênfase a uma fetichização da capacitação dos jovens, sem levar em consideração o momento conjuntural que apresentava um mercado de trabalho que sofria de momento de instabilidade por causa da recessão e oferecendo pouquíssimas oportunidades de emprego para os jovens.

A presença dos conceitos de protagonismo juvenil e jovens em situação de risco social aparece como o terceiro aspecto, isso porque os mesmos estão presentes em documentos de órgãos do governo federal e organizações não- governamentais referentes a projetos e programas relacionados à juventude.

Aliás, essas idéias foram marcadas mais por apelo social do que conceitos ancorados em diagnósticos sociais e reflexões analíticas sobre o tema da juventude. Na grande maioria dos casos,

representam simplificações facilitadoras do entendimento de realidades sociais e culturais complexas e também códigos de acesso para financiamentos públicos orientados por uma tão nova quanto frágil conceituação de projeção social e cidadania participativa. Estimular o protagonismo juvenil, expressão tantas vezes encontrada em texto de projetos variados, parecer ser auto- explicativa até o momento em que nos perguntamos sobre o seu verdadeiro significado (SPOSITO; CARRANO, 2003, p. 31).

Os autores ainda vão afirmar que nas ações relacionadas às políticas públicas para a juventude no governo FHC predominou a política de focalização no combate à pobreza em detrimento de políticas para juventude em caráter universal. Isso porque as ações buscaram atender jovens considerados carentes ou em situação de risco social, pertencentes a municípios de baixo IDH.

Dessa forma, Sposito e Carrano (2003) concluem que

[...] O diagnóstico que emerge dos dados empíricos, ainda que preliminar, indica que o Brasil, do ponto de vista global, optou por um conjunto diversificado de ações muitas delas efetivadas na base do ensaio e do erro – na falta de concepções estratégicas que permitam delinear prioridades e formas orgânicas e duradouras de ação institucional que compatibilizem interesses e responsabilidades entre organismos do Estado e da sociedade civil. Nesse sentido, é possível afirmar que a herança deixada pelo governo incide mais sobre projetos isolados, sem avaliação, configurando a inexistência de um desenho institucional mínino que assegure algum tipo de unidade que nos permita dizer que caminhos na direção da consolidação de políticas e formas democráticas de gestão (p. 31).

A partir dos argumentos que foram evidenciados acima, é possível pressupor que uma política pública para o segmento da juventude surge a partir de duas possibilidades: uma relacionada com a problemática da inserção social dos jovens excluídos, onde a gestão a partir dessa problemática vai contemplar em sua agenda ações voltadas aos jovens, e a outra possibilidade surge através da organização dos diversos segmentos sociais, que lutam pela inserção das questões ligadas aos jovens nas agendas públicas, pressionando, desta forma, o poder público para que venha a inserir em sua agenda ações direcionadas à construção de políticas públicas para a juventude, possibilitando assim a inserção social.

Após a apresentação de alguns aspectos relacionados ao debate sobre a juventude e as políticas públicas concernentes, é necessário desenharmos com mais detalhes o nosso objeto empírico de pesquisa: o ProJovem, a política para

juventude foco desse estudo. Para tanto, reportaremos à política para juventude no Governo Lula, momento em que tal política é instituída.