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IMPLEMENTAÇÃO DA PESQUISA

3.1. Pressupostos da Gerontologia Social

3.1.1. O conceito de envelhecimento e algumas de suas implicações

3.1.1.2. O envelhecimento psicológico e a personalidade

Insere-se no contexto de envelhecimento psicológico, o conceito de que a vida humana é um estado de equilíbrio, sendo este estado afetado por situações novas, inerentes à própria vida. Os jovens alcançam o equilíbrio com mais facilidade em vista da ação protetora da sociedade, de um apelo para sua integração produtiva e condições físicas mais satisfatórias.

O velho se adapta ao organismo idoso da mesma forma que se adapta à sua condição psicológica. A ausência de perspectivas para o futuro pode tornar o presente sem entusiasmo. Ele passa então a viver de passado. O interesse por novos projetos cessa e se inicia uma conversão a questões interiores não condizentes com as situações que, para viver, tem de enfrentar.

A única dimensão que muda sistematicamente com a idade é a introversão, a transferência do interesse para o interior de si mesmo, mais do que o

interesse para a ação e para os objetos do exterior, o que Erikson denomina “integração do eu”. (MORAGAS, Op. cit p. 74)

Surgem assim tipos de personalidade baseado nas experiências da cada indivíduo. Moragas (Op. cit) apresenta cinco tipos possíveis, ao descrever a personalidade dos idosos: o maduro/estável; o passivo; o defensivo; o colérico e o auto-agressivo.

Observou-se que a grande maioria dos problemas de desajustamento na velhice é resultado de incidentes ocorridos em etapas anteriores da vida, sobretudo na juventude e idade adulta, e para os quais não foi encontrada uma resposta satisfatória. Assim, com soluções postergadas, os problemas foram transferidos para a velhice, que ampliando-se consideravelmente, determinaram uma angústia maior pelo não-encontro de solução. A velhice como etapa final de vida é, também, a época do acerto de contas do indivíduo consigo mesmo. Conflitos, angústias e decepções acumulados se tornam quase intransponíveis.

Quanto a isso Moragas (Op. cit), aludindo a Erikson aponta, conforme segue:

Nas últimas etapas da maturidade tardia que se podem sobrepor ao começo da velhice, a pessoa procura a integridade de si mesma, em face ao desespero. A integridade do eu importa na aceitação da vida até o presente, com seus aspectos positivos e negativos. Se existe integridade, o idoso chega ao fim da vida com um sentido de realização pessoal, enquanto o desespero implica não-aceitação do que foi a própria vida, tomando consciência de que não há mais tempo para recuperá-la. (MORAGAS, op.cit. p.72)

Esse período pode gerar uma “crise de identidade”, quando fatos podem fazer oscilar os fundamentos da própria identidade12 e forçam uma reformulação. (Moragas, Op. cit p.73).

Neste contexto surgem outros conceitos importantes como o autoconceito e autovalorização.

Nosso conceito de nós mesmos se auto-aperfeiçoa e nos dá maior segurança. A identidade se estabiliza com o envelhecimento à medida que a experiência reforça a percepção que se tem dela. Quanto mais tempo a pessoa mantém a identidade, mais se sente segura de que a percepção de sua personalidade é a adequada. (...) O conceito de si mesmo é muito importante quando se analisa a personalidade em qualquer idade, visto que proporciona um juízo da pessoa

12 Identidade pode ser definida como a “integração do conhecimento que a pessoa tem de suas potencialidades físicas

em relação ao que ela pensa de si mesma e ao que os outros pensam dela.(...) Se existe proporcionalidade entre o que nós e os outros pensamos sobre nossa pessoa e sobre nossas realizações, existirá satisfação, personalidade integrada e adaptação à realidade. Por outro lado, se nossas percepções de nós mesmos não correspondem às que os outros têm de nós e ao que esperamos da vida, existirá frustração, insatisfação, negativismo etc. (MORAGAS, Op. cit p.73-4)

A autovalorização embute o sentimento de auto-estima:

Com a maturidade tardia e o começo da velhice, a valorização realista se baseia em reconhecer a diminuição de funções e em fazer o que deve ser feito. A auto-estima depende, então, de mais qualidades morais do que de sucessos sociais. (...) A auto-estima aumenta com a idade à medida que a pessoa se torna mais livre para adaptar seu papel a menores exigências sociais. (MORAGAS, Op. cit p.75)

Neste sentido, o autor ainda sugere:

Quanto mais dividida esteja a auto-estima entre diversas atividades ou interesses, trabalho, família, afeições, o envelhecimento será mais equilibrado, já que a probabilidade de perder um fator de estima é menor. (MORAGAS, Op. cit p.76)

3.1.2. A capacidade intelectual na velhice

O estudo da capacidade intelectual na velhice pode ser enquadrado como um subtópico do processo de envelhecimento psicológico.

Fugate e Lamdin (1997) enfatizam a “importância de atividade mental contínua”13 como forma de alongar o processo de envelhecimento e manter o cérebro, fonte de nossa cognição, ativo:

Como a ausência de doenças orgânicas, o cérebro ativo que é “exercitado” regularmente e esticado ao seu limite, funcionará por mais tempo e melhor que o cérebro inativo (...) um intelecto ativo pode neutralizar o declínio físico. (FUGATE; LAMDIN, Op. cit, tradução nossa)14

13 “The importance of continued mental activity.”

14 “Given the absence of organic disease, the active brain that is “exercised” regularly and stretched to its limits will

Digno de nota é a ênfase dada ao fato de que a capacidade cognitiva na velhice não deixa de existir, exceto em casos de patologia. Ressalta-se ainda que o não uso do cérebro, ou seja, o não exercício intelectual, por outro lado, pode ser fonte de problemas de saúde. Dessa forma, é de vital importância que o idoso se envolva em atividades intelectuais.

Exceto por doenças orgânicas, o cérebro ativo resiste à deteriorização. (...) A capacidade ou órgão não usado pode atrofiar ou inclusive se tornar uma fonte de doenças. (…) O cérebro certamente envelhece. Mas, o envelhecimento pode ser reduzido (ou se tornar invisível) pelo exercício mental ativo em situações de aprendizagem desafiadoras. (…) O exercício mental aumenta a função cerebral. (FUGATE; LAMDIN, Op. cit, tradução nossa)15

No entanto, o exercício intelectual deve ser acompanhado pela interação social, se há de ser sustentado, conforme expressa Fugate e Lamdin (Op. cit):

A função cognitiva é sustentada pelo envolvimento social ativo. (...) Butler (1968) escreveu que a manutenção de contato social, responsabilidade social e objetivo na vida estão todos associados com uma melhor função cerebral. (…) O envolvimento social pode ocorrer de várias formas. (FUGATE; LAMDIN, Op. cit, tradução nossa)16

“O poder da conexão mente-corpo” (FUGATE; LAMDIN, Op. cit)17 juntamente com a socialização é exemplificada pelo caso de Dmitra, relatado por Fugate e Lamdin (Op. cit). Dmitra, uma senhora de 86 anos de idade, morava com a família e tinha como traços marcantes de sua personalidade o pessimismo, a hostilidade e a agressividade, tornando a vida familiar difícil. Em vista disso, resolveu-se que um lar de idosos seria a solução para a felicidade da família. No seu novo lar, Dmitra assim como os seus colegas deviam envolver-se em atividades intelectuais, o ensino de literatura grega, no caso dela. Esse envolvimento mudou sua

15

“Excluding organic disease, the active brain resists deterioration (…) The unused capacity or organ can atrophy or even become a disease center. (…) Brain certainly do age. But aging can be slowed (or made invisible) by active mental exercise in challenging learning situations. (…) Mental exercise increases brain function.” (Tradução nossa)

16 “Cognitive function is sustained by active social involvement. (…) Butler (1968) wrote that maintenance of social

contact, social responsiveness, and goals in living were all associated with better brain function. (…) Social involvement can occur in many ways”. (Tradução nossa.)

personalidade, antes negativa, para uma personalidade positiva e agradável. A explicação para isso se deve ao fato de que

A oportunidade de exercer um papel construtivo entre seus colegas, a fez recuperar um senso de identidade. (...) Ela, aparentemente, foi re-energizada pelo aprendizado e ensino ativo que agora ocupava o seu tempo. (FUGATE; LAMDIN, Op. cit, tradução nossa)18

Talvez nos perguntemos qual a relevância disso tudo num contexto mais abrangente. A resposta surge:

Dmitra pode viver mais ou não, mas certamente ela vive melhor e deixará um legado de lembranças positivas – sua aprendizagem aprimorou não só a sua qualidade de vida, mas a de sua família também. (FUGATE; LAMDIN, Op. cit, tradução nossa)19

O caso de Dmitra também nos faz atentar para “a realidade de atrofia cerebral num ambiente não estimulante”, que existe em muitos asilos e lares e as conseqüências disso para o idoso como ser social e individual. (FUGATE; LAMDIN, Op. cit)20. Além disso, o caso de Dmitra mostra que a aprendizagem necessita não só de um cérebro ativo, mas também de um ambiente propício para se efetivar.

Embora saibamos que a aprendizagem também possa ocorrer na velhice, porém de forma mais lenta (MORAGAS, 2004, p. 66), prevalece a crença de que as pessoas idosas não possuem capacidade de aprender, pelo menos numa condição ideal (conjunto de níveis de percepção, discernimento e ação competente), e, ainda, existe a idéia de que os mais velhos agem por reações instintivas, organizadas em série por um aprendizado anterior e reproduzido sem maior critério, na época da velhice.

Alguma dificuldade de aprendizagem na velhice existe de fato. A literatura sugere que o declínio intelectual do idoso decorre da menor capacidade de captar e estruturar informações sendo, portanto, resultante de uma deficiência no processamento de informações. Ao receber

18 “Given the opportunity to play a constructive role among her peers, had recovered her sense of self (…) She was

apparently re-energized by the active learning and teaching that now engaged her time.“

19 “Dmitra may or may not live any longer, but certainly she is living better and will leave behind a legacy of positive

memories. – her learning enhanced not only the quality of her life but her family’s life as well.”

uma informação, o idoso se confunde, por não diferenciar com facilidade os aspectos mais significativos. Daí, as dificuldades de reter e recordar informações. No entanto, se o método utilizado para a transmissão da mensagem for mais lento, e se os conteúdos forem mais bem dosados, as falhas no aprendizado se reduzem consideravelmente.

Pereira e Vieira (1996) apresentam alguns fatos em relação ao desempenho de atividades intelectuais, culturais, sócio-recreativas, laborais e afetivas dos idosos. Segundo as autoras, os idosos podem obter rendimentos semelhantes aos mais jovens nas atividades que desenvolvem. A diferença está no fato de que eles gastam mais tempo para executá-las. Com a idade, perde-se a agilidade, mas não a habilidade, isso ocorre por razões biológicas: mudanças no sistema nervoso central, perda de acuidade sensorial e fatores de ordem emocional. Quanto a isso, Moragas (Op. cit) sustenta

que a assimilação de novos conhecimentos, aptidões e hábitos podem ocorrer em qualquer idade, modificando-se apenas, a velocidade dessa assimilação. (...) Quanto ao idoso, a aprendizagem pode implicar mais tempo, sem afetar a integridade do seu papel social. Neste caso, a velocidade de assimilação não tem a mesma importância de que quando somos membros da população ativa. O rendimento na aprendizagem pode ser prejudicado por uma série de fatores não cognitivos, aqueles não diretamente relacionados com a capacidade de aprendizagem: motivação, saúde boa ou má, interesse, etc. (...) O idoso necessita de um tempo maior de estímulos motivadores adequados para uma efetiva aprendizagem. (MORAGAS, Op. cit: 66)

As perdas fisiológicas são irreversíveis, porém, os fatores psicológicos podem ser revertidos. Pereira e Vieira (Op. cit) salientam que o estímulo ambiental, ou seja, as interações sociais com diferentes grupos, exerceriam o papel fundamental de não permitir que idéias se cristalizem. (Cf. o caso de Dmitra, citado acima). No que se refere à aprendizagem, os idosos apenas levam mais tempo para atingi-la, mas após aprender, apresentam o mesmo desempenho dos jovens.

No que se refere à inteligência na velhice, Moragas (Op. cit) citando Cattell esclarece que

A inteligência se divide em inteligência fluida e inteligência cristalizada. A inteligência fluida representa a aptidão fisiológica e neurológica para resolver novos problemas e organizar a informação em situações concretas. Baseia-se na dotação biológica original da pessoa, não considera as influências da cultura e é medida pelo resultado dos testes, de acordo com exatidão e velocidade. Nestes testes, os velhos revelam-se inferiores aos

jovens, em rendimento. A inteligência cristalizada se baseia no produto da educação, nos conhecimentos e na experiência que os indivíduos adquirem no seio de uma cultura. É medida por testes de compreensão verbal e, neles, os idosos obtêm melhores resultados que os jovens. (MORAGAS, Op. cit p.62)

A escolaridade dos alunos idosos constitui-se, portanto, uma importante variável no estudo da capacidade intelectual na velhice. De fato, “a educação é uma das variáveis mais poderosas e misteriosas”21.

Ao estimular o cérebro, a educação pode estabelecer mais aptidão neurológica cedo na vida, bem como preparar as pessoas para permanecerem cognitivamente ativas ao longo da vida. (FUGATE; LAMDIN, Op. cit, tradução nossa)22

Tem-se apontado a possível relação entre o aumento da longevidade e o aumento dos níveis educacionais em nossos dias:

Um alto nível de educação parece estar associado com longevidade, e tem havido um aumento considerável nos níveis educacionais e na longevidade dos mais velhos de hoje. (…) Pessoas mais bem educadas são mais saudáveis, conforme envelhecem. Talvez pelo fato, ou de que através da educação eles aprenderam a se cuidar, ou a ligação entre educação e rendimentos financeiros mais elevados tenha contribuído para um estilo de vida mais saudável, ou ainda, que haja algumas características genéticas envolvidas. (FUGATE; LAMDIN, Op. cit, tradução nossa)23

Neste sentido, Fugate e Lamdin (Op. cit) observam, ainda, que pessoas que têm a vida muito ativa, ao invés de sedentária, seja viajando, lendo livros ou fazendo cursos, mantêm suas funções intelectuais, de forma que o efeito positivo da educação não se restringe apenas à educação formal.

21Education is one of the most powerful and mysterious variables” (Dr. Richard Suzman apud FUGATE; LAMDIN,

Op. cit)

22 “By stimulating the brain, education may establish more neuronal pathways early in life as well as prompt people

to remain cognitively active throughout life.”

23“A high level of education seems to be associated with longevity, and there has been a dramatic increase in the

education levels and the longevity of today’s older adults.(…) Better educated people are healthier as they age. It may be that through their education they have learned how to take care of themselves, or that the links between education and higher income have contributed to a healthier life style, or that some genetic characteristics are at work.”

Quando se compararam grupos de diferentes gerações, e, portanto, padrões diferenciados de cultura e informação os resultados podem ser diferentes devido, não a idade em si, mas a fatores sócio-políticos.

Moragas (op.cit. p. 230) salienta:

A resposta dos idosos à oferta educacional varia de acordo com o nível educacional, classe social e profissão exercida. (...) No futuro, a demanda de atividades educacionais e culturais mudará profundamente, pois grupos de aposentados terão níveis mais elevados de educação formal. A pedagogia dirigida aos idosos deve ser mais inovadora, propiciando a formação em domicílio, com os meios possíveis de comunicação: terminais de informática, vídeo, telefone, etc, superando os modelos atuais de formação de adultos em salas de aula.

Pereira e Viera (op.cit.) afirmam que as atividades intelectuais e culturais para os idosos devem contribuir para o bem-estar, melhor qualidade de vida e enriquecimento cultural. Universidades, escolas, cursos ou eventos culturais como palestras, cursos de línguas e de arte, prática da escrita, da boa leitura e de palavras-cruzadas são apresentadas como sugestões.

O problema parece estar então no fato de que, quando um idoso decide aprender algo, as

coisas não lhe são facilitadas por um ambiente obcecado com o tempo de assimilação e que não lhe permite um papel social significativo. Os maiores êxitos com a aprendizagem ocorrem com pessoas de um nível educacional mais elevado que freqüentemente exercitavam suas aptidões: profissionais liberais, educadores, diretores. Daí, concluímos que os que mais aprendem durante a vida adulta – seja em dotes físicos, intelectuais ou de classe social – estão melhor equipados para viver a etapa da velhice. (MORAGAS, Op. cit p.67)

No que tange à capacidade intelectual na velhice, concordamos com Guidi e Pinto (1999):

O que permanece como verdade é que não se pode afirmar, cientificamente, que existe um declínio na capacidade mental e intelectual devido ao simples envelhecimento. Alguns estudos realizados sobre esse particular, apresentam pequenas diferenças entre idosos e jovens, diferenças essas que estão muito ligadas a circunstâncias sociais, a bloqueios e à falta de motivação, todos afetando negativamente os mais velhos. Em contrapartida, muitos estudos não apresentaram diferença alguma. Apesar disso, entretanto, o pensamento científico, mais puro e acertado, ainda não conseguiu destruir certas imagens, que as sociedades têm sobre a incapacidade dos velhos, insistindo em colocá-

los como incompetentes para uma auto-gestão e produção intelectual. A pressão social e psicológica pode ser tão forte que os envelhecidos preferem comportar-se de tal forma, pois manifestar incompetência é encontrar, para muitas situações, a forma inteligente de viver melhor. (Guidi; Pinto, Op.. cit.)