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IMPLEMENTAÇÃO DA PESQUISA

3.3. Pressupostos da Lingüística Aplicada

3.3.5 O sotaque estrangeiro – fatores determinantes

A pronúncia é o único aspecto do desempenho mais acurado da língua que tem base neuromuscular, que requer envolvimento neuromotor e tem uma realidade física. Por isso haveria um período crítico específico para a aquisição da pronúncia de uma segunda língua. Aprendizes que começam a aprender uma L2 depois dos 12 anos de idade, por exemplo, nunca passariam por falantes nativos. Porém, parece haver a possibilidade de existir aprendizes “super-excepcionais”, cerca de um em mil entre uma população de aprendizes tardios, que não seriam afetados pelas restrições do período crítico (SCOVEL, 1988 apud BONGAERTS et al, 1997).

Para Fledge (1987, 1992 a, 1992b, 1995 apud BONGAERTS et al, Op. cit) os sotaques estrangeiros são fortemente influenciados pela percepção auditiva. Citando Wode, ele descreve dois modos de percepção: o modo contínuo e o categórico. O modo contínuo permite a descrição de diferenças minuciosas nos sons da fala que chegam aos nossos ouvidos. Pequenas diferenças no grau de sonoridade em diferentes realizações. O modo categórico opera numa base de “tudo-ou-nada”. Verifica os (fonemas como marcando diferença de significado ou não. A interação entre estes dois modos de percepção permite controlar, ajustar e criar categorias fonético-fonológicas que existem na língua-alvo. A percepção de crianças bem jovens na aquisição de sua língua materna é inicialmente caracterizada por uma confiança firme no modo de percepção contínua, mas a partir de bem jovens começam a perceber que algumas das diferenças entre os fones que eles ouvem exercem um papel mais importante no sistema de sons da língua materna que outros. Elas começam a sintonizar sua percepção gradativamente para aqueles “sons-pistas” que sinalizam contrastes semântico-fonológicos e, por fazer isso, começam a construir as categorias fonético-fonológicas de suas língua materna. Por volta dos sete anos de idade, talvez mais cedo ainda, as categorias fonético-fonológicas estão firmemente estabelecidas.

Partindo deste ponto de vista, podemos concluir que pela perda das habilidades perceptuais originais ou pelo fato do acesso a essas habilidades terem ficado mais difíceis de alguma forma, após certa idade é que ocorre o sotaque estrangeiro.

Fledge (1992 a, 1992b, 1995 apud BONGAERTS et al, Op. cit) assinala uma segunda possibilidade. Partindo dos resultados de uma pesquisa experimental, concluiu que uma das principais causas de sotaque estrangeiro é que uma vez que aprendizes de uma segunda língua estabelecem as categorias fonéticas de sua língua materna, percebemos os sons da segunda língua nos termos dessas mesmas categorias, particularmente no caso daqueles sons da L2 que dividem uma porção considerável do espaço fonético com os sons da língua materna. A grande similaridade entre um som da L2 e o mais próximo da L1, resulta no fato do aprendiz não perceber as sutis diferenças entre os dois sons.

Schumann (1975, 1978 apud BONGAERTS et al, Op. cit) assegura que o sucesso dos aprendizes mais jovens em detrimento dos aprendizes mais velhos está ligado a fatores experimentais e sociopsicológicos. Aprendizes mais jovens geralmente receberiam insumos cada vez mais variados por parte de falantes nativos e seriam altamente mais motivados a adquirir uma L2 no nível do nativo.

Klein (1995 apud BONGAERTS et al, Op. cit) propõe que não são em todos os casos que os adultos recebem insumos menos adequados ou estão menos motivados. O rendimento de proficiência no sotaque lingüístico seria resultado de três fatores inter-relacionados: o processador lingüístico, o acesso e a propensão. Como a audição se deteriora com a idade, o controle motor, complexo e finamente sintonizado, necessário para uma pronúncia autêntica também se torna difícil com a idade. Não há mudanças drásticas nesses componentes biológicos do processador da linguagem antes de ingressar na fase adulta, de forma que barreiras absolutas à percepção e produção acurada de um novo sistema de sons da fala por aprendizes tardios não existem. A conquista de uma pronúncia bastante próxima da autêntica de uma segunda língua permanece possível, inclusive para aprendizes tardios, quando há o acesso intenso ao insumo dessa segunda língua. Embora este fator seja necessário, não é suficiente para se conseguir o sotaque de um nativo. Tal nível segundo Klein (Op. cit), só pode ser conseguido se o aprendiz tiver um nível muito alto de propensão – as diferentes motivações que empulsionam o aprendiz para frente na aquisição de uma L2. Se o aprendiz tiver acesso suficiente a insumo da L2 e se for de vital importância para ele soar como falante nativo da língua que está aprendendo, é possível que ele atinja um sotaque semelhante ao de um nativo, apesar do começo tardio.

Long (1990 apud BONGAERTS et al, Op. cit) por outro lado, afirma que a pronúncia sem sotaque estrangeiro é impossível a não ser que a primeira exposição seja razoavelmente cedo,

provavelmente antes dos seis anos de idade em muitos indivíduos e por volta dos doze no restante. Para Patkowski (1994 apud BONGAERTS et al., Op. cit) o fechamento do período crítico seria entre doze e quinze anos.

Neufeld (1997, 1998, 1979 apud BONGAERTS et al, Op. cit) relata uma experiência laboratorial na qual vinte estudantes universitários canadenses, falantes nativos de inglês, foram treinados na pronúncia de chinês e japonês, usando um programa de dezoito horas de instrução individualizada para cada língua. Ao final, Neufeld interpretou os resultados de sua pesquisa como indicações de que o domínio da pronúncia nativa de uma língua estrangeira é possível para aprendizes adultos. Dos vinte sujeitos, um atingiu nível de nativo tanto em japonês quanto em chinês e dois, em apenas japonês. Tal experimento sugere que as habilidades perceptuais e motoras que permitem às crianças adquirirem os sons de sua língua materna ainda estão disponíveis e podem ser acessadas por aprendizes adultos de uma L2. Essa conclusão tem sido refutada por algumas autoridades que afirmam que, no caso desta pesquisa, tratavam-se de aprendizes talentosos, superexcepcionais.

Major (Op. cit) destaca outros elementos e inclui a idade como um fator envolvido no sotaque estrangeiro, estando ao lado de outros fatores como a interferência da língua materna. Ele cita Hill (1970 apud MAJOR, Op. cit), segundo o qual é possível alcançar a pronúncia nativa quando fatores favoráveis, afetivos e culturais, são apresentados. Prova disso seria o fato da proficiência da pronúncia de nativo por parte de indivíduos em várias línguas após adultos em sociedades multilíngües como em Nova Guiné e Amazônia (tribos indígenas). Ele também cita Seliger et al. (1975 apud MAJOR, Op. cit) como evidência do fato da idade ser uma variável importante na aquisição fonológica e determinante no sotaque estrangeiro, e que a puberdade seria o ponto de virada após o qual o sotaque nativo seria mais difícil, ou mesmo impossível de alcançar. No entanto, Major salienta que ainda não foi suficientemente demonstrado que a idade seja um fator causal do sotaque estrangeiro. Fatores culturais e afetivos estão correlacionados: motivação integrativa, empatia e pressão social.

Scott (1994) apresenta a relação entre memória auditiva e percepção na aquisição de segundas línguas. Em sua pesquisa com sujeitos de cinqüenta a setenta anos, ela considera as mudanças no funcionamento físico e mental. O período de memória auditiva e capacidade de armazenamento parece declinar levemente com a idade. A idade também afeta o que a autora chama de sistema de atenção. Aprendizes adultos mais velhos podem também processar

informação mais devagar que adultos mais jovens e, portanto, requerem períodos mais longos para alcançar resultados equivalentes. Outro aspecto que decresce com a idade é a discriminação da fala e da compreensão na língua materna. A perda auditiva associada com a idade, afeta a percepção de freqüências mais altas, o que pode resultar na dificuldade de identificar alguns fonemas. Uma vez que as habilidades auditivas estejam afetadas, fica relativamente mais difícil para aprendizes adultos mais velhos formar imagens auditivas acuradas dos sons da fala da L2. Mudanças no sistema de atenção e no processamento dificulta a integração de novas informações da L2 surgindo, então, estruturas de interlíngua mais presentes. Citando os estudos de Brown (1983 apud SCOTT Op. cit), Harwood e Naylor (1975/1976 apud SCOTT, Op. cit) e Zdenek (1983 apud SCOTT Op. cit) sobre aprendizagem de línguas por aprendizes mais velhos, a autora afirma que tais aprendizes não alcançam sucesso muito maior do que tem sido suposto, especialmente quando os programas são preparados especialmente para as necessidades deles. Ao final de sua pesquisa, Scott percebeu que os aprendizes tiveram mais dificuldades em perceber com acuidade os sons do inglês sob condições acústicas gerais ruins. A idade terá pouco efeito na habilidade de fazer julgamentos perceptuais em relação a um sistema fonético existente se a acuidade auditiva do indivíduo e as condições acústicas sejam tais que favoreçam que a percepção auditiva seja apreendida com um certo grau de acuidade. A grande diferença, em relação à idade e aquisição estaria na habilidade de percepção auditiva numa acústica ambiente. A autora sugere que no ambiente sala de aula de línguas para aprendizes mais velhos a incidência de barulho de qualquer sorte seja controlada. Salienta ainda que se um indivíduo há de manter as habilidades cognitivas dos anos anteriores, dependerá, até certo ponto, do uso contínuo dessas habilidades por confrontá-las com tarefas desafiadoras.

Na visão mais recente de linguagem – a visão sócio-interacional – o sotaque é visto como desejável, como marca de identidade que não deve ser apagada. (ASSIS-PETERSON; GONÇALVES, Op. cit p. 23-4)