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O espaço (urbano) residual x o espaço livre

2.1 A AMPLITUDE DO VAZIO

2.1.2 O espaço (urbano) residual x o espaço livre

Enquanto o vazio pode ser suscintamente entendido como ausência de conteúdo, “partes não preenchidas ou não ocupadas de algo parcialmente preenchido”, o residual, que advém etimologicamente do latim residuum residuo significa o que provem do resto. E embora não sejam antônimos compõem uma relação de complementariedade e pertencimento.

De acordo com Clemente (2012) os espaços residuais estão relacionados a ociosidade da infraestrutura urbana, considerando os terrenos vagos; lotes nunca antes ocupados, como exemplar desse processo de “desfuncionalização”. Dittmar (2006) caracteriza os espaços residuais como frutos da ruptura e mutações da estrutura urbana, como ‘remanescentes urbanos’, assemelhando esses territórios às terrain vagues.

Sampaio (2013) observa a parca problematização entre os vazios urbanos e os espaços residuais, no sentido de que a associação indiscriminada entre os dois termos

RESIDUAL VAZIO

pode levar a uma confusão de conceitos. Porém, assim como Dittmar (2006) e Clemente (2012), defende que os espaços residuais são terrain vagues apoiados na exposição de Solá Morales (2002), que os compila além das “áreas industriales,

estaciones de ferrocarril, puertos, áreas residenciales inseguras, lugares contaminados, [que] se hanconvertido en áreas de las que se puede decirse que la ciudad ya no se encuentra allí”, também como: “lugares externos, extraños, que quedan fuera de los circuitos, da las estructuras productivas.” Entendidos por Sampaio (ibid.) como restos

do sistema urbano.

Os espaços urbanos residuais devem ser prioritariamente entendidos como espaços

entre edifícios (Ford, 2000), (Borde, 2006), “sobras” da aplicação da norma urbanística,

até áreas de pequenas dimensões remanescentes de intervenções urbanas e dos processos de desafetação e reafetação que atuam como interstícios entre o tecido antigo e o tecido renovado. Esses espaços residuais se expressariam como “uma descontinuidade, um vazio a preencher de informações e de novos usos” (Ferrara, 2000).

Para Sampaio (2013), “Os espaços residuais são espaços livres, por vezes são vazios na cidade, e estão inseridos num modo de construir a cidade que preconiza pela racionalidade e planejamento.” No entanto, por vezes, mesmo que os vazios não estejam de fato esvaziados, esses resíduos estão fora de um contexto de projetação da cidade, já que a autora parte do pressuposto de que a cidade está repleta de espaços que sobram.

Sampaio (ibid.) atenta para o uso da terminologia adotada quanto aos espaços residuais. Por acreditar que haja também uma imprecisão do emprego do termo “espaços residuais”, sem agregar o “urbano”, uma vez que acerca do tema gravitam complexos entendimentos em áreas multidisciplinares. Por isso, a adoção do termo “espaço” soa mais adequada em detrimento a outras denominações, como “lugar”. “Espaços residuais são aqueles que sobram normalmente após a implantação de uma infraestrutura” (Ganz, 2008). A partir de então, os mais diversos tipos de atividades

estão aptos a se desenvolverem. De acordo com Teixeira (2008) os espaços residuais, também chamados de colaterais são espaços que podem ser reincorporados ao contexto da cidade formal de alguma maneira, a partir de novas propostas. Os lotes vagos, margens de rios, baixios de viadutos, estacionamentos, miolos de quadra que outrora foram desconsiderados e abandonados podem integrar a paisagem da cidade com novos usos e intervenções efêmeras. Nesse sentido, o caráter do vazio conferido aos lotes vagos se baseia mediante a decisão deliberada de ocupar outras áreas em expansão em detrimento do uso aos lotes infraestruturados inseridos na malha urbana.

No entanto, tal discussão sugere que, indiferente de serem ativos ou reativos, os espaços colaterais podem ser vistos como reatos: reatam a atuação imaginativa dos planejadores e a produção concreta dos espaços habitados. Lamas (2004) também constata o caráter residual dos espaços deixados livres entre os edifícios nos espaços urbanos concebidos sob influência modernista, onde a forma urbana passa a decorrer das considerações habitacionais. Onde o próprio espaço urbano “não é considerado como objeto de investigação e torna-se no ‘resíduo’ resultante das exigências habitacionais: o bloco, a banda, a torre, o complexo, a moradia.” (Lamas, 2004).

Conceitualmente, ainda é importante diferenciar características que destoam o vazio urbano do espaço residual.

Primeiro todos os elementos caracterizados como vazios, nos trabalhos estudados, não nasceram claro, com esta característica. Por outro lado, é possível que certo espaço tenha o caráter de resíduo desde o momento inicial de sua produção. Segundo, o abandono é uma qualidade constante nos vazios urbanos, enquanto que muitos dos espaços residuais não poderiam ser abandonados, posto que não foram destinados ao uso.

(Sampaio, 2013)

Os espaços livres são entendidos como áreas verdes projetadas a permanecerem funcionando como exceção ao “cheio” e obedecendo à regra da cidade formal representando um “vazio” intencional. Por mais questionáveis que sejam os aspectos

que distinguem os espaços livres dos espaços urbanos residuais, sobre o primeiro podem ser elencadas determinadas funções, tais como: papel ecológico; integrador de espaços diferentes; fornecedor de áreas para atividades de lazer ao ar livre (Maia, 2008). Mesmo que, não obstante, os espaços livres sejam tratados como resquícios de cidades a serem ajardinados.

O intuito de estudar os espaços residuais perpassa pelos aspectos citados anteriormente por Ford (2000), Ferrara (2000) e Borde (2006) por entender que esses espaços invisibilizados podem ser tidos como “cápsulas” capazes de regenerar o tecido urbano a partir de pequenos territórios e investimentos. Entende-se que esses espaços são fruto da ocupação urbana desordenada que compôs as cidades brasileiras em decorrência de modelos de gestão urbana insustentáveis durante todo o século XX e ainda nos dias atuais. E, embora se encontrem distribuídos pela cidade como consequência da expansão horizontal da cidade, os espaços residuais presentes nos centros históricos guardam suas particularidades e se tornam um objeto de estudo interessante no campo do urbanismo.