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A VIOLÊNCIA COMO PARADIGMA DA SEGURANÇA PÚBLICA

4. POLÊMICA SOBRE A ROTA

4.2. O ESTADO DE S PAULO

Diferentemente da Folha, o Estadão iniciou o debate sobre a ROTA a partir do anúncio do nome de Pimentel para a Secretaria de Segurança e do Coronel Nilton Viana para o comando da Polícia Militar.

Em artigo sobre os planos do Coronel Viana para a PM, encontramos uma referência explícita às mudanças que ocorreriam na ROTA, usada pelo coronel para exemplificar os resultados já obtidos com a mudança de governo:

de matar em todos os ‘tiroteios’ e está levando ladrões às delegacias.”[44]

Dif ícil explicar esse aparente excesso de otimismo do Coronel Viana, que atribui enormes poderes à simples mudança da equipe de governo, ao mesmo tempo que ignora as informações da própria imprensa sobre as mortes causadas por policiais. De qualquer modo, tais quest ões n ão foram mencionadas na matéria em questão, limitada às opiniões do coronel, que, seguindo sua linha otimista, fala da permanência da ROTA:

“500 e poucos homens que tem uma missão muito difícil, que é a missão extrema, a missão de enfrentar o perigo, ocorrendo muitas vezes a possibilidade de morrer. Na nossa filosofia de trabalho a ROTA será uma força de apoio... A ROTA não voltará ao quartel. Estará sediada em locais estratégicos para alcançar em poucos minutos o local onde haja ocorrência que demande a sua intervenção. Desativar a ROTA seria desarmar a polícia...”[45]

Nos meses seguintes, as referências sobre a atuação da ROTA apareceram de forma bastante esparsa e sempre caracterizadas pela sua defesa ou por denúncias de dificuldades por ela enfrentadas[46], apontando para o posicionamento favorável à sua atuação, com os métodos que sempre a caracterizaram, assumido pelo Estadão durante o mês de agosto.[47] Nesta campanha em defesa da ROTA, os protagonistas pareciam ser os motoristas de taxi, cujas demandas foram encampadas e divulgadas por este jornal.

Quanto ao seu discurso gráfico, detectamos um momento específico desta campanha em que uma fotografia foi utilizada a seu serviço, com o fim explícito de enaltecer a figura da ROTA e de seus soldados.

Situada na parte superior da página, uma foto de grandes dimensões retratava com exclusividade e, portanto com grande destaque, signos icônicos carregados de significados positivos: a luz forte remetendo ao sol e ao seu brilho, associado à idéia de sucesso; o carro grande com identificação da ROTA atestando o bom nível do seu equipamento, sugerindo atributos de avanço e modernidade; os quatro homens fardados e com olhar de superioridade representando a superioridade do batalhão e da pr ópria Polícia Militar.

Alguns signos pl ásticos como a pequena profundidade que, além de destacar os signos ic ônicos, não permitiram a identificação do local retratado, sugerindo que a cena poderia ocorrer em qualquer lugar, ou em todo lugar, permitindo imaginar que “a ROTA está em todo parte.” Dispondo seus elementos de trás para a frente, a foto sugere ainda uma “revelação”, feita pelo jornal ao seu leitor.

A foto publicada ao seu lado desempenhava papel complementar, externo em rela ção a ROTA, por isso representado em foto separada, mas acrescentando um elemento a mais à campanha em seu favor, o apoio da população. A mesma função , de reforço à idéia do apoio popular à sua volta às ruas, foi desempenhada pela legenda comum, pelas manchetes e pelas matérias escritas,

compondo-se assim um grande e harmonioso conjunto, claramente direcionado (Foto 5 ).

Foto 5

O Estado de S. Paulo, 3 de agosto de 1983, p. 38

Quanto ao conteúdo dessa campanha pela volta da ROTA, destacava-se, em primeiro lugar, o tom agressivo e desafiador frente à Igreja Católica. Embora isso não fosse explicitado, o discurso do

Estadão parecia dirigido ao seu setor mais progressista, representado em São Paulo pela figura do

Arcebispo Arns, com quem tanto o Governador Montoro, como o Secretário de Justiça, José Carlos Dias, nunca esconderam suas afinidades.

Em segundo lugar, destacamos o apoio sempre dado ao Secretário da Segurança, Manoel Pedro Pimentel, reforçado no momento em que, por decisão sua, a ROTA voltou às ruas.

Embora a atitude do Estadão em relação ao Governo Montoro variasse apenas entre o descrédito e a oposição declarada, o Secretário Pimentel recebeu o seu apoio, ainda que esse não fosse concedido de modo irrestrito. Tal apoio a um importante membro daquela equipe, como era o Secretário da Segurança, veio reforçar nossa hipótese sobre o desajuste deste secret ário neste governo. Lembramos que a sua indicação para esse cargo foi caracterizada como um esforço de conciliação em rela ção ao governo federal, num momento em que o conflito parecia iminente.[48]

4.3. COMPARANDO OS DOIS JORNAIS

Se compararmos os percursos desses dois jornais em relação às temáticas relacionadas à ROTA, ao longo do ano de 1983, perceberemos que, se algumas diferenças significativas saltam aos olhos, pontos comuns também podem ser detectados.

Em primeiro lugar, destacamos a diferença quantitativa: foram 33 matérias publicadas pela Folha e 18 publicadas pelo Estadão.[49] Essa diferença não se deve a qualquer especificidade da questão ora discutida, mas sim à postura mais ampla adotada pelo jornal frente às temáticas abordadas nesta pesquisa.

Embora de modo geral o discurso do Estadão fosse muito mais identificado com o discurso policial, sendo inclusive utilizado como veículo das manifestações de descontentamento de policiais, houve momentos em que também a Folha utilizou esse mesmo discurso, particularmente quando as suas matérias foram assinadas por jornalistas especializados na área policial, como era o caso de Dácio Nitrine e Walmir Salaro, citados inúmeras vezes.

Segundo Darnton[50], isso se deve ao caráter das relações que se estabelecem entre jornalistas e informantes de uma determinada área. Frente à atual tendência de especialização que incentiva os jornalistas a trabalharem sempre numa mesma seção do jornal, crescem as possibilidades de uma “simbiose” , sobretudo em áreas como a policial, em que at é mesmo a linguagem utilizada é específica e carregada de simbolismos e estereótipos. Desse modo, um exame atento pode revelar