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2.3 Os fundamentos constitucionais da disciplina jurídica do mercado de valores

2.3.1 O mercado de valores mobiliários brasileiro é mercado organizado

2.3.1.1 O Estado deve intervir como agente normativo e regulador

Nos termos do artigo 174 da Constituição Federal:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. (...)

O conceito de atividade econômica, esclarece GRAU, é gênero que compreende duas espécies: o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. O serviço público, resume COSTA, “se caracteriza por abarcar aquelas atividades fundamentais à

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pela Constituição Federal.”139 O campo dos serviços públicos é principalmente o da atuação estatal em área de sua própria titularidade.140 A atividade econômica em sentido estrito, por sua vez, está para o setor privado assim como o serviço público está para o setor público, e se caracteriza por englobar todas aquelas atividades que não são consideradas serviço público.141

No que diz respeito ao artigo 174, esclarece GRAU que a expressão “atividade

econômica” alude à atividade econômica em sentido amplo, isto é, o preceito compreende tanto a atuação do Estado como prestador de serviço público (incluindo-se aí as empresas públicas e sociedades de economia mista) quanto a atividade econômica em sentido estrito. Refere-se o dispositivo em comento à globalidade da atuação estatal como agente normativo e regulador, estando compreendidas aí as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Sem prejuízo, dar-se-á ênfase principalmente à relação do Estado com a segunda espécie de atividade, a atividade econômica em sentido estrito.

Isto posto, quando o Estado atua em área que não é de sua titularidade, isto é, quando a autoridade atua no campo da atividade econômica em sentido estrito, diz-se que houve intervenção.142 E quando intervém, o Estado pode fazê-lo de duas maneiras: intervindo no domínio econômico, isto é, atuando como agente econômico, ou atuando sobre o domínio econômico, na qualidade de regulador. As formas de intervenção sobre o domínio econômico são de particular interesse para a presente dissertação de mestrado. Neste diapasão, para GRAU, a intervenção sobre o domínio econômico, isto é, a atuação sobre o campo da atividade econômica em sentido estrito, desenvolvida por particulares, pode se dar de duas formas.

139 C

OSTA, Luciana Pereira. Disciplina jurídica do câmbio e política pública. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 52.

140 Diz-se principalmente porque o serviço público também pode ser prestado pelo setor privado em regime

de concessão ou permissão. Cf. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: (interpretação e crítica). 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 131.

141 G

RAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: (interpretação e crítica). 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 131.

142 G

RAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: (interpretação e crítica). 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 155.

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De um lado, o Estado pode intervir por direção, exercendo pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para a iniciativa privada. De outro, o Estado pode intervir por indução, manipulando os instrumentos de intervenção em consonância e em conformidade com as leis que regem o funcionamento dos mercados.143 A principal diferença entre as normas de intervenção por direção e as normas de intervenção por indução é a carga de cogência. Enquanto no primeiro caso se está diante de comandos imperativos, no segundo caso as normas são dispositivas – incluindo-se neste grupo toda espécie de prêmios, incitações, estímulos e incentivos.144 Além disso, há que se notar que a função interventiva por direção é parcialmente exercida mediante a “dinamização” de atividade normativa por órgãos e entidades da Administração Pública.

Estas duas formas de disciplina das relações entre sujeitos privados integram o Direito da Organização dos Mercados de que tratou VIDIGAL, dimensão do Direito

Econômico à qual já se referiu, exercido sobre a atividade privada nos mercados, com o fim de sanar as distorções do mercado. 145

Ainda de acordo com VIDIGAL, na qualidade de regulador, o Estado, fazendo uso do instrumental do Direito Econômico como Direito da Organização dos Mercados, fundamentalmente distribui suas preocupações por três áreas:

i) O ordenamento jurídico das situações de mercado que tendem a relações de dominação;

ii) A tutela jurídica dos sujeitos passivos das relações de dominação; e

143 G

RAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: (interpretação e crítica). 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 157.

144 G

RAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: (interpretação e crítica). 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 158.

145 G

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iii) A disciplina jurídica orientadora das atitudes, propensões e expectativas que comandam, nos mercados, o comportamento das macrovariáveis econômicas.146

As duas primeiras daquelas preocupações são particularmente relevantes no contexto do sistema do mercado de valores mobiliários. Assim, com vistas a lidar com estas dificuldades encontradas na realidade fática dos mercados de que trata VIDIGAL, o Estado brasileiro deve exercer sua função normativa e reguladora com fulcro no artigo 174 da Constituição Federal, das formas que se expõem a seguir.

A função normativa, entendida sob o ângulo material, corresponde de modo amplo à produção de normas jurídicas, atividade que antecede a qualquer esquema de separação de poderes, pois decorre diretamente da resultante do Poder. Outrossim, no entendimento da melhor doutrina, a função normativa, distingue-se da função legislativa na medida em que esta última decorre necessariamente da adoção de um sistema de divisão de poderes, consistindo “na emanação de estatuições primárias, em decorrência de poder originário para tanto, geralmente – mas não exclusivamente – com conteúdo normativo, sob uma das formas definidas no artigo 59 do texto constitucional.”147 148 A lei, produto da função legislativa, é, pois, uma categoria eminentemente formal. Assim, a função normativa pode se dar por meio do exercício da função legislativa quando a produção de leis equivale à produção de normas jurídicas, ou por meio da função regulamentar, quando as normas são produto de atividade própria do Poder Executivo.149150151152

146

VIDIGAL, Geraldo de Camargo. Teoria geral do Direito Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, pp. 49-50.

147 G

RAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 248.

148

Cf. o artigo 59 da Constituição Federal:

“Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição;

II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.”

149 A função normativa também engloba a função regimental do Poder Judiciário.

150 G

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Nesse sentido, a função normativa de que trata o artigo 174 da Constituição Federal manifesta-se, em primeiro lugar, por meio da atividade do Poder Legislativo. Há que se destacar aqui, em particular, a atividade interventiva do Estado no âmbito das atividades econômicas em sentido estrito por meio da edição das Leis nº 4.595/64, 4.728/65, 6.385/76 e 6.404/76. Como se verá com mais vagar no Capítulo IV abaixo, as referidas leis lançaram o arcabouço para o regime jurídico da informação no mercado de valores mobiliários brasileiro.

Notadamente, a Lei nº 4.595/64 criou o CMN, entidade técnica-especializada, de natureza deliberativa e normativa, que corresponde à cúpula do Sistema Financeiro Nacional. A Lei nº 4.728/65 complementou a organização do Sistema Financeiro Nacional, servindo como o primeiro diploma legislativo disciplinador do mercado de valores mobiliários. A Lei nº 6.385/76, por sua vez, é o principal diploma do mercado de valores mobiliários brasileiro, tendo instituído a CVM e a obrigatoriedade de um sistema de registro e de divulgação de informações administrado por esta. Por fim, a Lei nº 6.404/76, o diploma brasileiro do anonimato, cuida da prática do insider trading e dispõe de maneira geral sobre a divulgação de informações por companhias, inclusive no que diz respeito à elaboração de informações financeiras.

Como já antecipado, a função normativa não é monopólio do Poder Legislativo, manifestando-se também por meio da função regulamentar exercida pelo Poder Executivo. Exceto em casos específicos tratados pela Constituição Federal,153 a função regulamentar não involve, pois, delegação de função legislativa. O exercício da função regulamentar também não fere os comandos contidos no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, ou no artigo 84, inciso IV, para o qual compete privativamente ao Presidente da República “sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir

151 Cf. também neste sentido L

EÃES, Luís Gastão Paes de Barros. Mercado de capitais & “insider trading”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, pp. 38-39.

152 Cf. em sentido contrário M

ELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de Direito Administrativo. V. I. Rio de Janeiro: Forense, 1969, pp. 303 e ss. e ATALIBA, Geraldo. Poder regulamentar, Revista de Direito Público 12/82.

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decretos e regulamentos para sua fiel execução”, posto que o princípio da legalidade também se expressa de forma relativa, como “reserva da norma”, e em sentido amplo.154 155

O legítimo exercício da função regulamentar não deve ser, assim, ofuscado pela atribuição da faculdade regulamentar ao Poder Executivo pelo Poder Legislativo com o fim de promover a necessária integração do sistema.156

O apelo da função regulamentar cresceu exponencialmente a partir do início do século passado, na medida em que as relações econômicas e sociais em constante mutação em um sistema de produção capitalista passaram a exigir da Administração Pública atuação flexível e imediata com fins de manter a ordem. O processo legislativo, por natureza moroso, é incompatível com a necessidade do capital de manter a fluência das atividades mercantis. É neste contexto que a função regulamentar, na forma de capacidade normativa de conjuntura, se manifesta, como “dever-poder, de órgãos e entidades da Administração, que envolve, entre outros aspectos, a definição de condições operacionais e negociais, em determinados setores dos mercados.” 157

A capacidade normativa de conjuntura se mostra uma ferramenta interventora particularmente importante no mercado de valores mobiliários, dado tanto o inerente caráter inovador das práticas mercantis observadas em seu seio, as quais exigem uma atuação da Administração Pública ao mesmo tempo técnica e célere (vide, por exemplo, a evolução dos instrumentos derivativos desde a década de 70 do século passado), quanto

154 Examinando, à luz da Constituição de 1934, resolução normativa do Departamento Nacional do Café, S

AN

TIAGO DANTAS ponderou, a respeito da descentralização do poder regulamentar, que ultrapassava a figura do Presidente, que: “o poder de baixar regulamentos, isto é, estatuir normas jurídicas hierarquicamente inferiores e subordinadas à lei, mas que nem por isso deixam de reger coercivamente as relações sociais, é uma atribuição constitucional do Presidente da República, mas a própria lei pode conferi-la, em assuntos determinados, a um órgão da Administração Pública ou a uma dessas entidades autônomas que são as autarquias.” DANTAS, Francisco Clementino de San Tiago. Poder regulamentar das autarquias. In: Problemas de direito positivo: estudos e pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 199.

155 G

RAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 240- 247.

156 G

RAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 249- 250.

157 G

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sua propensão a crises cíclicas de grande magnitude (como a Grande Depressão e, mais recentemente, a crise do subprime de 2008).

Por outro lado, o Poder Executivo está particularmente sujeito a incorrer em deslizes normativos do ponto de vista sistemático no exercício da função regulamentar. Via de regra, a referência à capacidade normativa de conjuntura invoca uma ideia de liberdade que rigorosamente não existe, chamada comumente de discricionariedade da Administração Pública.158 O desencontro se verifica porque a liberdade do Executivo tem significação própria, estando a atuação deste último circunscrita por determinados parâmetros.

DI PIETRO ressalva que, quando se fala em discricionariedade, a Administração

Pública deve escolher entre alternativas válidas perante o Direito, obedecendo a critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, razoabilidade e interesse público.159 Por outro lado, GRAU encampa o entendimento de que tal exercício não se coaduna com a

verdadeira natureza da atividade discricionária – esta muito mais restritiva e por isso freqüentemente incompreendida pela doutrina brasileira.160

Outrossim, a discricionariedade se verificaria apenas mediante expressa atribuição legal à autoridade administrativa, que no exercício de tal poder deve formular juízos motivados de oportunidade, respeitantes tão-somente “ou à ocasião em que o ato deve ser praticado, ou à sua utilidade, ou ao conteúdo do ato.” Note-se que estas características são fundamentais para que tal juízo esteja inserido na inafastável perspectiva da legalidade.161

158 F

AGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, pp. 74-76.

159 D

I PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade técnica e discricionariedade administrativa, Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE), n. 9, fev./mar./abr. 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDAE-9-FEVEREIRO-2007-MARIA%20SYLVIA.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2011.

160 Para G

RAU, o exercício da discricionariedade é comumente confundido com a atividade de interpretação (isto é, a emissão de um juízo de legalidade). Este é o caso, por exemplo, quando há remissão a noções ditas indeterminadas, como o “interesse público”.

161 A formulação do juízo de oportunidade está sujeita ao controle do Poder Judiciário quando tal exercício

consubstanciar desvio, abuso de poder, ou de finalidade. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 192-193 e 216.

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A discricionariedade seria assim “essencialmente uma liberdade de eleição entre alternativas igualmente justas ou entre indiferentes jurídicos – porque a decisão se fundamenta em critérios extrajurídicos (de oportunidade, econômicos etc.), não incluídos na lei e remetidos ao juízo subjetivo da Administração.”163

No Brasil, o exercício da capacidade normativa de conjuntura no mercado de valores mobiliários se dá essencialmente pelo CMN e pela CVM. Com efeito, a maioria das regras conformadoras do arcabouço jurídico do regime da informação no mercado de valores mobiliários é originária de processos regulamentares da CVM, resultado, muita vez, de atribuição específica conferida em lei.

Cumpre reforçar, porém, em linha com as considerações tecidas acima, que o CMN e a CVM não são livres para exercer a função regulamentar como bem entenderem. Em particular, a atividade da CVM deve mostrar-se adequada aos fins últimos constitucionais a que ela se dirige. Tome-se por exemplo a Lei nº 6.385/76, que estabelece que “[n]enhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão”164

e que compete à Comissão expedir normas para a execução deste comando, podendo “definir outras situações que configurem emissão pública, para fins de registro, assim como os casos em que este poderá ser dispensado, tendo em vista o interesse do público investidor”.165

A interpretação sistemática dos dispositivos em comento denota que não cabe à Administração Pública emitir juízo de oportunidade ligado à conveniência da edição de normas que definam as condições nas quais o registro é exigido, mas sim que o órgão regulador deve interpretar de modo sistemático a noção de interesse do público investidor,

162 G

RAU quer dizer com isso que a legalidade não é mais uma categoria de juízo discricionário – ao contrário, a discricionariedade, quando exercida nos moldes acima descritos, é que é “técnica da legalidade”. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 224.

163 Trata-se de situação diversa da aplicação de meros “conceitos indeterminados” (na verdade, noção jurídica

passível de interpretação) pela Administração Pública, na medida em que esta última hipótese implica a edição de juízos de legalidade. GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005, pp. 202-205.

164 Artigo 19 da Lei nº 6.385/76.

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inclusive à luz de princípios constitucionais (isto é, emitir um juízo de legalidade) e regular o sistema de registro de emissões de acordo com tal interpretação.

Além da produção de normas jurídicas, da qual já se tratou acima, a função normativa engloba também o poder-dever de fiscalização em sentido amplo, o qual pode ser exercido tanto pelo Poder Judiciário quanto pela Administração Pública. Com efeito, a dupla faceta da função normativa talvez tenha sido o motivo pelo qual a Constituinte de 1988 optou por fazer referência tanto à função normativa quanto à atividade de fiscalização.166 Tantas repetições são supérfluas. Fato é que a atuação normativa compreende, necessariamente, a fiscalização que assegure a efetividade e a eficácia do quanto normatizado.167 Em qualquer hipótese, a atividade de fiscalização deve levar em consideração, em sua totalidade, os elementos sistêmicos que compõem um ordenamento jurídico – o desprestígio destes é absolutamente inadmissível.

Alguns comentários adicionais devem ser tecidos no que diz respeito à função fiscalizatória exercida pela Administração Pública. Compreendida na função regulamentar, como aventado, está a atividade de fiscalização. Esta, no caso do Poder Executivo, corresponde ao poder de polícia, consubstanciado na supervisão do exercício das atividades exercidas pelos particulares e na imposição de penalidades administrativas pela Administração Pública por meio, principalmente, de agências e autarquias.168

No caso do mercado de valores mobiliários brasileiro, o poder de polícia é detido pela CVM. Também aqui tem a autarquia sua atuação delimitada pelo sistema do mercado de valores mobiliários como conjunto normativo ordenado. Além disso, conforme já se pontuou acima quanto ao exercício da capacidade normativa de conjuntura, no exercício do poder de polícia, há que se observar a todo o tempo as diferenças entre a emissão de juízo de discricionariedade (autorizado por lei ante a verificação de indiferentes jurídicos, não

166 G

RAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: (interpretação e crítica). 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 136.

167

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: (interpretação e crítica). 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 136.

168 A presente dissertação de mestrado adota o conceito de poder de polícia como poder-dever que incumbe

ao Poder Executivo, e não ao Poder Legislativo. Cf. LEÃES, Luís Gastão Paes de Barros. Mercado de capitais & “insider trading”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982, pp. 70-75.

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estando por isso sujeita ao controle do Poder Judiciário, exceto nos casos de desvio ou abuso de poder ou de finalidade)169 e a emissão de juízo de legalidade (exigida diante de noções amplas como o “interesse público”, estando assim sujeita ao controle de sua adequação).

Assim, quando se diz que a CVM “poderá, a seu exclusivo critério, se o interesse público permitir, suspender, em qualquer fase, o procedimento administrativo instaurado para a apuração de infrações da legislação do mercado de valores mobiliários, se o investigado ou acusado assinar termo de compromisso, obrigando-se a: I - cessar a prática de atividades ou atos considerados ilícitos pela CVM; e II - corrigir as irregularidades apontadas, inclusive indenizando os prejuízos”, em verdade a margem de atuação da autarquia é mais estreita do que pode parecer, porque está subordinada a um juízo de legalidade acerca da noção sistemática do que constitui o interesse público.170

Finalmente, as funções normativa e reguladora também incluem as funções de incentivo e planejamento. Como no caso da função de fiscalização, a técnica de repetição adotada pela Constituinte é desnecessária. A repetição deixa vincado, no entanto, que o planejamento é determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

2.3.1.2 A intervenção estatal é delimitada por princípios positivados inafastáveis que