• Nenhum resultado encontrado

O Estado Novo e a Reforma de 1947

No documento Relatório Final de Estágio Profissional (páginas 111-115)

3. Contextos de um epílogo – O Estágio Profissional

3.5. Avaliação do desempenho docente

3.5.2. Enquadramento teórico

3.5.2.1. A avaliação de desempenho docente em retrospectiva

3.5.2.1.2. O Estado Novo e a Reforma de 1947

Após este período, segue-se a Ditadura de Salazar, conhecida por Estado Novo. Relativamente ao Ensino em geral e aos professores em particular, continuam as perseguições políticas aos professores mais notáveis. A este propósito, António Nóvoa refere que a profissão de professore estava, nesse tempo, sob o fogo cruzado das mais diversas acusações, críticas e depreciações da sociedade, oriundas dos mais diversos sectores como o político, económico e mediático (Nóvoa, cit. por Ferreira, 2006, p. 79).

Aquando da chegada ao poder, Oliveira Salazar concebeu e aplicou um projecto, politicamente consistente, sustentado por uma ideia de Portugal caracterizada pela tacanhez, falta de ambição, provincianismo, ruralidade e catolicismo retrógrado e anacrónico.

O ensino, neste contexto político, tinha como missão: contribuir para o reforço desta ideia de Portugal desempenhando um papel importante no regime. O que os políticos e intelectuais da época pensavam do ensino fica bem demonstrado nas ideias e expressões que se seguem: ―um acto de corrupção dos verdadeiros ideais lusitanos‖; pois ―Felizes aqueles que não sabem ler‖, como afirmou o Conde da Aurora, na altura figura social de relevo (cit. Ferreira, 2006, p. 79). Alfredo Pimenta, distinto historiador da época, complementava este princípio ideológico com a afirmação: “Abrir uma escola é abrir dez cadeias”, que se enquadra na oposição aos ideais educativos da 1ª

78

República que propagandeavam, ―abrir uma escola é fechar uma cadeia‖ (Gal, cit. por Ferreira, 2006, p. 79), concluindo com mais esta “preciosidade”: “o povo português [analfabeto] já sabe demais” (Carvalho, cit. por Ferreira 2006, p. 80).

João Ameal, escritor da época, afina pelo mesmo diapasão ao referir ―felizes os que esqueceram as letras e voltaram à enxada‖ (cit. por Ferreira, 2006 p. 80). A escritora Virgínia de Castro Almeida comunga desta ideia quando afirma que “A parte mais linda de Portugal são os 75% de analfabetos‖ (idem).

Salazar, em entrevista a António Ferro, numa espécie de síntese desta linha de pensamento, não deixa margem para dúvidas sobre o que seria a política de ensino em Portugal, durante o Estado Novo - O Elogio da Ignorância e do Analfabetismo – ao afirmar que ―é mais urgente formar as elites do que ensinar o povo a ler‖ (idem).

Neste contexto, é óbvio que os professores não teriam vida fácil e o Poder Político tudo faria para os controlar.

Visto como instrumento do mal, identificado como o comunismo ou influências modernas estrangeiras, o professor deveria ter a sua prática docente e social bem controlada de modo a ser um agente do regime a trabalhar em prol do mesmo na perpetuação dos seus inquestionáveis valores e padrões morais (Carvalho, cit. por Ferreira, 2006, p. 80).

No início da década de 30, o então Ministro da Instrução Pública, Cordeiro Ramos, publica uma circular e um Decreto-lei no sentido de definir critérios para distinguir os bons e os maus professores. Na circular, de 24 de Abril de 1931, era criado um “boletim de classificação dos serviços docentes” e o professor era solicitado a emitir um parecer por escrito sobre o mesmo. Neste Boletim constavam os seguintes cinco parâmetros de avaliação, a saber: 1) identificação, a preencher pelas secretarias das escolas; 2) caracterização geral das turmas entregues ao docente e planificação lectiva e relatório das actividades desenvolvidas; 3) currículo vitae do professor; 4) apreciação global do desempenho do professor pelo director de classe, através da análise minuciosa do livro de ponto, das fichas de trabalho, dos instrumentos de avaliação, da assiduidade e pontualidade dos cadernos diários e das próprias

aulas, estando prevista a sua assistência, entre outros elementos considerados relevantes para o efeito; 5) o parecer final do Reitor, versando sobre os mesmos elementos referidos no ponto anterior (Ferreira, 2006).

Este modelo foi suspenso no ano seguinte por revelar alguns inconvenientes, nomeadamente a subjectividade do avaliador, o Reitor, que, frequentemente, confundia a avaliação do professor com a do estabelecimento de ensino pelo qual era responsável.

Foi neste enquadramento que surgiu em 1947 a Reforma dos Ministros Pires de Lima e Caeiro da Mata. Esta Reforma Educativa não passava, porém, de um conjunto de leis avulsas nas quais se redigiam um conjunto de intenções sem coerência nem lógica. Sobre a avaliação dos Professores, foram estabelecidos alguns critérios considerados fundamentais para uma avaliação eficaz e introduziu um complexo sistema de controlo, coordenado pelo reitor e concretizado pelos directores de ciclo, inspecção, manual e avaliação nacional.

Este novo modelo de avaliação ficou consubstanciado no artigo 183º, do Decreto-Lei nº 36507, que a seguir se transcreve na íntegra: ―a) o rendimento do ensino, verificado pelas visitas dos inspectores, pela observação dos sumários das lições; pelas informações dos reitores e pelos resultados dos exames; b) a exactidão e o espírito de justiça no julgamento dos trabalhos e provas dos alunos, sem benevolência ou rigor exagerados; c) a assiduidade e a pontualidade; d) o espírito de disciplina, revelado sobretudo no exemplo e no emprego de meios dissuasórios; e) o amor e o zelo pelo ensino; f) a dedicação exclusiva ou preponderante à profissão de professor, sem dispersão por outras actividades; g) o carinho nas relações com os alunos; h) o número de faltas e de licenças, verificando-se, quanto às faltas justificadas os motivos invocados; i) o espírito de cooperação e de lealdade nas relações com o reitor e os colegas; j) a intervenção em trabalhos circum-escolares; l) o respeito pelas autoridades e pelos princípios consignados na Constituição e nas leis; m) a reputação e o prestígio alcançados no meio escolar e extra-escolar; n) a competência, considerando-se como tal não só o saber, originariamente adquirido, mas o esforço contínuo para o aperfeiçoamento das qualidades docentes e para aquisição de novos conhecimentos, o uso dos mais eficazes

80

métodos pedagógicos e o equilíbrio no ensino, sem faltas nem excessos.‖ (Pacheco e Flores, cit. por Ferreira, 2006, p. 82).

Neste quadro legislativo, os inspectores tinham instruções especiais para prestar particular atenção às alíneas i) e l). Já a classificação atribuída aos docentes tinha carácter qualitativo, e constava de dois níveis: o bom e o deficiente.

A formação contínua, designada no decreto como aperfeiçoamento das qualidades docentes, merecia também alguma atenção. Tal como já tinha acontecido no passado, a falta de meios, nomeadamente a falta de recursos financeiros e recursos humanos, colocou alguns entraves à aplicação deste modelo e a avaliação dos professores passaria, novamente, para a alçada quase exclusiva dos reitores, que assumiriam na íntegra o papel reservado ao inspector. Como diz Ramos do Ó, durante o Estado Novo, ―os reitores tiveram uma extrema importância na construção de um ensino governamentalizado‖ (Ramos do Ó, cit. por Ferreira, 2006, p. 83).

Em síntese, resumindo a lei de 1947, no que à avaliação de professores se refere, cumpriu, apenas, metade da sua função inicial - manutenção e perpetuação dos ideais protagonizados por Salazar e pelo Estado Novo. A qualidade do ensino foi relativizada e subalternizada e o professor acabou por ser avaliado, não pela forma como realizava a sua função pedagógica, mas antes, pela forma como respeitava e ajudava a respeitar e a manter a ordem dominante.

Com o fim do Estado Novo e advento da Democracia, a política de Ensino sofreu profundas alterações e, consequentemente, a avaliação dos professores. O fervor revolucionário e a falta de maturidade e experiência dos agentes políticos, próprios destes momentos históricos, levaram a que a avaliação de desempenho docente passasse de uma fase de completa instrumentalização a uma fase de total liberdade, cabendo aos professores a auto-regulação do seu desempenho. Contudo, uma vez mais recaiu sobre o professor a tentação da instrumentalização, por parte das forças políticas, no sentido de fazer dele o veículo da mudança, o motor da transformação revolucionária, rumo a uma sociedade socialista.

Os debates sobre pedagogia, didáctica, currículos, regras, gestão escolar entre outras assumiram-se como um processo contínuo, permanente e longo. Neste contexto, e segundo Teodoro (cit. Ferreira, 2006, p. 90), “as metas ainda estavam longe de ser estabelecidas por isso mesmo, e não havia critérios para avaliar o desempenho docente, sendo que o único requisito a cumprir era o respeito pelos ideais revolucionários de Abril.

No documento Relatório Final de Estágio Profissional (páginas 111-115)