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Um pouco de mim na construção do meu eu

No documento Relatório Final de Estágio Profissional (páginas 41-45)

―Nunca fui de exigir muito. Só precisava mesmo era de uma bola e de autorização dos meus pais para andar na rua. Adorava jogar na rua, de preferência…descalço!‖

(Deco, citado por Alves, 2003)

2.1.1. Marcas de um passado

Sou estudante – estagiário da FADEUP (Figura 1, 2 e 3). Tenho 25 anos e a escola que me acolheu para a realização do estágio profissional foi a Escola Secundária Alexandre Herculano. O percurso percorrido desde a época já tão longínqua da minha infância até ao momento presente, trouxe-me muitas experiências, sendo que todas elas me permitiram aprender e atribui novos e renovados significados ao já conhecido.

“São sete da manhã acordo, como habitualmente, com a voz meiga e doce da minha mãe. Lembro-me de pensar, OUTRA VEZ PARA A ESCOLA. Por aqueles dias o frio marcava presença em todas as manhãs, era terrível! Eu só queria ficar em casa embrulhado nos cobertores. Entretanto, ainda naquele estado, entre o dormir e o acordado, a pensar na rotina que teria que enfrentar, ouço um grito de exclamação! Acordo definitivamente com a minha mãe eufórica a abrir a janela. Um clarão encandeia os meus olhos. Era o maior nevão dos últimos anos, 20 centímetros de neve cobriam tudo. Nunca mais esquecerei esse dia. Escolas fechadas, e eu em casa com todo o tempo do mundo para brincar perfeito! Desse dia já não me lembro de todos os pormenores, mas lembro-me como se fosse hoje, que não resisti muito tempo em casa. Assim, peguei na bola e fui para a rua tentar imitar as jogadas que um dia num célebre jogo na neve tinha visto o Rui Barros fazer na televisão.

Corria o ano de 1993, tinha eu apenas 7 anos, mas esse dia foi aquele que me elucidou que o meu futuro estaria ligado ao desporto, ao exercício físico, ao futebol, às correrias e saltos. Não mais esquecerei essa manhã!”

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Desde muito cedo, mais precisamente por volta dos quatro anos, que entre mim e o desporto existe uma relação íntima e profunda. Tal como quase todos os miúdos dessa idade, também em mim, a atracção pelas actividades físicas e desportivas cedo se manifestaram. Vão longe no tempo os dias de brincadeira na rua Caetano de Almeida, no Bairro da Mãe d’ Água em Bragança, de onde sou natural. Em contraponto, estão bem próximas, ainda, as lembranças dos amigos, das brincadeiras conjuntas, em geral, e do jogo da bola em particular, bem como da aprendizagem e das vivências que a “escola da rua” me proporcionou: a solidariedade, a camaradagem, a cumplicidade entre os amigos, a autonomia, a independência, a liberdade que me permitiu uma maior e melhor compreensão do espaço rua/cidade, isto é, que me permitiu ter uma relação com este “espaço” despido de receios ou medos. Como refere Savater (2004, p.67), “…. As crianças ensinam-se umas às outras… são os melhores professores possíveis para outras crianças em coisas que nada têm de triviais, como no que diz respeito à aprendizagem dos diversos jogos.‖

Na realidade, posso afirmar que foi na rua que o meu corpo se moldou em torno de uma bola, aquela fiel companheira de todas as viagens, sonhos e descobertas. Com ela aprendi a conhecer-me, a descobrir-me e a recriar-me. Conheci o meu corpo, a minha alma, descobri como amo o futebol, que sou apaixonado pelo jogo, enquanto prática, e em particular por um clube – o Futebol Clube do Porto. Nesta “escola”, a alma construiu-se ganhadora, persistente e utópica e o corpo, que sempre foi magro e esguio, enrijeceu, tornou-se ágil, rápido e ladino, superando-se a cada dificuldade, em busca da perfeição. Da rua passei para o campo, para o clube organizado e fiz-me atleta federado. Foi o meu primeiro passo, a minha grande conquista, o início da realização de um sonho que trazia latente e que o amor pelo Futebol Clube do Porto atiçava cada vez mais. Assim, o sonho de jogar futebol no meu clube de eleição foi crescendo de dia para dia. Acreditava que um dia poderia lá chegar.

Foram alguns os anos em que pratiquei Futebol federado, bem como outras modalidades desportivas. Estas, sobretudo por recreação, ou nas aulas de Educação Física. Nos clubes da minha terra, passei por dois: F. C. Mãe d’

Água o G. D. Bragança. Representei as selecções jovens do Distrito de Bragança e joguei, joguei, joguei até a utopia acontecer. O sonho virou realidade e aos 16 anos fui jogar Futebol para o clube do meu coração, o Futebol Clube do Porto (FCP). Nele fui Campeão Nacional e representei a selecção do A. F. Porto de sub17. Aqui aprendi a lutar pela excelência e a ir em busca do impossível; aprendi a ser melhor, mais alto e mais forte, e descobri a Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física (FCDEF). Neste meu percurso de praticante tive a sorte de ter encontrado pessoas como o professor José Guilherme Oliveira, André Villas-Boas, José Mário e Vítor Pereira. Com todos aprendi Futebol, mais com uns do que com outros, sendo que também aprendi valores como a cidadania. De entre eles, os que mais me tocaram foram, sem dúvida, o professor José Guilherme, por ser o técnico principal, e o professor André Villas Boas, talvez porque a sua juventude o tornava mais próximo de mim e fez dele um amigo. Esses anos suscitaram em mim um gosto cada vez maior por aprender um Futebol igual ao deles. Foi neste quadro que surgiu a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, chamada na altura de FCDEF.

Terminado o ensino secundário ingressei no ensino superior. Confesso que quando aqui cheguei só pensava em Futebol, mas hoje, de passaporte quase na mão para poder exercer uma profissão ligada ao Desporto, os meus interesses são outros, ultrapassando, em muito, o Futebol. A vontade de continuar a aprender é muito grande, sinto-me irrequieto, com “sede” de ir mais além. Durante este percurso académico, obtive um entendimento superior acerca do valor que a formação e a educação têm na construção de uma sociedade mais culta, mais equilibrada, mais justa. Foi também aqui que o meu sonho se reconfigurou. O sonho deixou de passar apenas por querer ser treinador, para passar a incluir ser professor de Educação Física.

Esta passagem pela Faculdade deu-me ainda a possibilidade de estudar 5 meses no Brasil. Lá, deparei-me com diferentes ideias, culturas e professores distintos, mas, também eles marcantes, pela forma de estar, de agir, de dialogar e de transmitir. Esta experiência foi extremamente enriquecedora. Na realidade, sinto que o Brasil estará para sempre presente na minha vida,

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porquanto contribuiu grandemente para o modo como actualmente encaro o papel do professor na escola.

Reportemo-nos a algumas dessas experiências marcantes. Tenho na memória a Professora Isolda e o modo como as questões da profissionalidade docente emergiram aos meus olhos. Do alto dos seus 60 anos com ar simpático, de sorriso simples, meiga e de chinelo de dedo, nas suas aulas transmitiu-nos os seus saberes e ideias alicerçados nas leituras de Moacir Gadotti; de realçar as seguintes: “Escola não é circo, Professor não é palhaço”. Ao resgatar esta partilha, percebo que a essência da pessoa é bem mais valiosa que a aparência. A humildade expressa na doçura das suas palavras marcou-me e, de certa forma, moldou-me o gosto. Aprendi a valorizar o “trato fácil”, a humildade que é própria dos “sábios” e a simpatia dos comuns mortais. Dessas aulas retirei, ainda, que nos dias de hoje ser Professor não é uma tarefa fácil. Relembro ainda, com mais clareza, a força que ela transmitia no sentido de sermos nós alunos de hoje e professores de amanhã, a assumir a responsabilidade de tentar mudar o rumo da educação que, tanto no Brasil como em Portugal, caminha em direcção a um abismo. Decididamente que a minha formação teria sido mais pobre se não tivesse estudado no Brasil. A cultura vigente e o modo de estar perante a vida das suas “gentes” ajudaram- me a olhar o mundo de outra forma, talvez de um modo mais equilibrado.

Assumo que quero ser um professor que procura fazer mais e melhor. Quero ser um professor reflexivo, que questiona a realidade e que procura a inovação no sentido de uma melhor formação para os seus alunos. Hoje o céu é o limite e Sísifo o meu ídolo.

Independentemente da riqueza desta experiência tida no exterior, reconheço que o meu processo formativo recebeu contributos importantíssimos dos docentes da casa que me formou, sendo que, entre outros, professores como Jorge Olímpio Bento, Isabel Mesquita, José Guilherme tiveram um contributo muito efectivo. Já o professor Vítor Frade ensinou-me muito de Futebol, que sempre foi o meu desporto de eleição. Presentemente, a minha prática desportiva já não é a mesma, contudo continuo a frequentar o ginásio, e

como sou treinador na Escola de Futebol Dragon Force, do Futebol Clube do Porto, o Futebol ainda me faz correr uns, poucos, quilómetros por semana.

No documento Relatório Final de Estágio Profissional (páginas 41-45)