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A complexidade do assunto motivação é indicador de que a definição desse conceito não pode ser encontrada analisando apenas uma teoria; na verdade, não existe uma abordagem tipo panaceia para obter a motivação, pelo que há que combinar várias abordagens (Esteves et al., 2006).

46 Importa antes de mais fazer uma distinção importante aquando do estudo da motivação, que diz respeito aos motivos e aos fatores de motivação ou satisfação. Um motivador consiste num motivo, isto é, numa necessidade, enquanto um fator de motivação é um meio para satisfazer uma necessidade. Assim, o que permite satisfazer uma necessidade (fator de motivação ou satisfação) e a própria necessidade em si (ou motivo) são conceitos distintos. Facilmente se percebe esta diferença com um exemplo simples com a água. A água é um fator de satisfação de uma necessidade denominada sede; todavia, sempre que a sede é sentida, há a tendência de a encarar como a necessidade, em lugar da sede, sendo isto representado por alegações comuns como “preciso de água”, quando na verdade a necessidade sentida é a sede e não a água, que nunca poderia ser uma necessidade, mas sim um fator de satisfação dessa necessidade.

O que motiva o ser humano é altamente variável, resultando que desde a antiguidade se procura compreender o que motiva a ação do homem na sua relação com a natureza, com o seu semelhante e com a sociedade em que este participa (Ribas, 2011). Mas na verdade, o que motiva o Homem, grosso modo, não é muito diferente do que motiva os restantes animais, na medida em que este se sente impelido a lutar, antes de mais, pela sua própria necessidade de sobrevivência. No entanto, devido às suas capacidades cognitivas, o ser humano destacou-se na eficácia da sua ação por conseguir inventar e fazer novas combinações dos recursos da natureza e das condições instrumentais, como as armas, para dominar as demais espécies coexistentes (Ribas, 2011). Mais ainda, o mesmo autor alerta que a razão de o Homem se ter unido em grupos com os mesmos interesses se prende com a perceção de que a união de esforços iria produzir melhores condições para explorar a natureza e as outras espécies. Já na Idade Média a grande força motivacional dos indivíduos prendia-se com a religião, ainda que com pressupostos e reflexos distintos consoante a região. Por exemplo, nos povos orientais a religião motivou à causa expansionista e na Europa o catolicismo incentivava um estilo de vida austero, já que a principal preocupação não era com a vida terrena mas sim a vida futura. Com a Revolução Industrial a grande preocupação passava agora pela prosperidade material, muito influenciada pelo Mercantilismo, passando a coexistir dois interesses conflituantes na sociedade: o dos proprietários que almejavam o lucro e o dos funcionários que necessitavam de rendimentos, em que, do ponto de vista do proprietário, um maior rendimento do funcionário pressupunha menor lucro para ele. Ainda que distintos, foi possível fixar um objetivo comum entre estes

47 dois grupos, baseado no aumento da produtividade e partilha dos lucros - e este foi o principal princípio lógico que orientou as primeiras teorias motivacionais aplicadas no campo empresarial.

O estudo da motivação humana propriamente dito começou com os filósofos gregos, com os quais surgiram as primeiras tentativas de compreensão da motivação, à luz do conceito de hedonismo como a principal força motriz do comportamento (Mowday, Shapiro, & Steers, 2004). O hedonismo parte do pressuposto que o indivíduo centra os seus esforços na busca de prazer e no evitar da dor.

No final do século XIX o domínio do estudo da motivação passou da mão dos filósofos para a dos psicólogos e, com essa migração, surgiram inúmeros desafios respeitantes ao hedonismo como conceito base da motivação, uma vez que não dava especificações clara acerca dos eventos ou estímulos que seriam prazerosos ou dolorosos, nem como seriam determinados pelos indivíduos, nem como poderiam ser alteradas essas conceções de dor e prazer - em suma, a conceção da motivação pelo hedonismo não granjeava de conteúdo empírico (Mowday et al., 2004).

Como resultado da falta de modelos teóricos sobre a motivação com fundamentos empíricos, os comportamentalistas começaram a procurar criá-los, a fim de explicar a motivação; sendo que o modelo teórico baseado nos instintos, que deixava de encarar o comportamento como algo tão racional, foi o melhor aceite na comunidade científica da época. Um instinto consiste numa predisposição psicológica herdada ou inata que determina a perceção de determinados objetos, fazendo com que o indivíduo experiencie uma elevada excitação emocional na sua relação com esse objeto, agindo de forma diferenciada (McDougall, 1908, cit. por Mowday et al., 2004). Cedo a teoria dos instintos revelou limitações de variada ordem, sendo rapidamente substituída por modelos baseados no reforço, com os quais foi introduzido o conceito de aprendizagem aplicada ao comportamento motivado. Estes modelos partem do pressuposto de que decisões tomadas no presente ou que dizem respeito ao futuro têm uma forte influência de decisões feitas no passado e suas respetivas consequências ou resultados; ou seja, ações passadas que resultaram em outputs positivos ou favoráveis são mais prováveis de serem repetidas do que as que derivaram em outputs menos favoráveis - que poderão mesmo vir a ser extintas. Os mesmos autores salientam que estes modelos de reforço continuam a prosperar enquanto veículos explicativos da motivação em contexto organizacional, sendo melhor explicados no seguimento deste trabalho.

48 Mowday e colaboradores (2004) realçam que enquanto os psicólogos se focavam nos instintos e nos programas de reforço, os gestores estavam interessados em aspetos mais pragmáticos da motivação. Ribas (2011) acrescenta que ainda no início do século XX, foi Frederic Taylor, que vinha de um ambiente de engenharia industrial, quem ditou o que seria o futuro das teorias da motivação com a Escola da Administração Científica. Segundo esse autor, para esta abordagem a fonte da motivação é vista fundamentalmente em fatores extrínsecos que levam o indivíduo a produzir melhores resultados, por haver uma relação direta entre o aumento de produtividade e o aumento de remuneração. Taylor propôs uma abordagem de gestão que residia na combinação de formação profissional, sistemas de incentivos através da remuneração pelo desempenho, melhores técnicas de seleção de funcionários e redesenho do trabalho, incluindo a introdução de ergonomia (Mowday et al., 2004). No entanto, o posterior surgimento de uma força de trabalho cada vez mais sofisticada, juntamente com os esforços das empresas para maximizarem a produtividade sem um respetivo aumento das recompensas dos empregados, na prática, fez com que aumentasse o descrédito deste sistema, que levou ao aumento generalizado dos esforços de sindicalização na década de 30.

No entanto, simultaneamente, os investigadores sociais e gestores começaram a considerar o ser humano como complexo e a considerar a dinâmica grupal e as influências sociais como fatores preponderantes no comportamento humano e, consequentemente, no processo motivacional. Foi com a experiência de Hawthorne em 1927, levada a cabo por Elton Mayo que se concluiu que a motivação não advinha apenas de fatores extrínsecos e materiais, mas também de fatores intrínsecos e relacionais que desempenhavam uma forte influência no comportamento humano (Ribas, 2011). Assim, este enfoque humanista deu origem à Escola das Relações Humanas, com a qual surge a real preocupação de estudar a fundo a motivação humana. Desta forma, foi com esta Escola que as organizações passaram a ver vistas como um organismo vivo ao invés de automatizado e rígido (Freitas, 2006). Esta abordagem, também conhecida como Abordagem Comportamental ou Movimento das Relações Humanas, surge na década de trinta do século XX e ultrapassa a visão das organizações como máquinas, evidenciando a importância e influência dos processos sociais e grupais no comportamento humano em contexto organizacional.

49 É também através desta abordagem, mas já na década de 50, que surgem as primeiras teorias da motivação, sendo a mais conhecida a Teoria da Hierarquia das Necessidades de Maslow, que mais tarde iremos aprofundar, bem como as primeiras teorias da liderança que não serão abordadas neste trabalho mas que desempenham um importante papel no estudo do empreendedorismo. A década de 50 foi então um marco no desenvolvimento das teorias da motivação, devido à necessidade de desenvolver meios para melhorar a eficiência e a eficácia nas empresas, uma vez que se pensava ser possível unir a produtividade à satisfação e o bom desempenho do trabalhador à realização no trabalho (Coelho, 2004). Simultaneamente houve uma progressiva consciencialização da importância do capital humano, em que as pessoas deixaram de ser vistas como meras peças produtivas e passaram a assumir-se como um diferencial competitivo na "guerra" pela posição de sucesso no mercado (Rodrigues, 2006).

Ora, não sendo possível integrar todas as teorias sobre motivação neste projeto, presta-se uma ênfase especial às teorias de autores incontornáveis como Maslow, Herzberg, McClelland, Vroom e Locke, entre outros, devido ao seu contributo para a compreensão da motivação em contexto organizacional e que serão explanadas já de seguida.

2.1 Teorias Motivacionais de Conteúdo

O grupo das teorias motivacionais de conteúdo, que engloba a teoria da hierarquia das necessidades de Maslow, a teoria das necessidades socialmente adquiridas de McClelland, a teoria bifatorial de Herzberg e a teoria ERG de Clayton Alderfer, procura responder a duas importantes questões: “que necessidades as pessoas possuem?”; e “o que as motiva a agir?”.

Estas teorias “partem da determinação das necessidades humanas para explicar o fenómeno motivacional, identificando consequentemente o comportamento dirigido à satisfação das mesmas, mas sem entrar em cogitação sobre as operações psicológicas, tanto conscientes como inconscientes, que o processo envolve” (Pérez-Ramos, 1990, p. 128). Assim, enquanto explicação do processo de motivação humana, acentuam a identificação dos fatores e necessidades intrínsecos aos indivíduos, explicativos da sua forma de agir. O pressuposto é o de que os indivíduos possuem necessidades interiores,

50 as quais constituem uma fonte de energia para o comportamento, com vista à sua satisfação (Figura 3).

Figura 3. Modelo de motivação das teorias de conteúdo. Fonte: Ferreira e colaboradores (2001).

Uma necessidade constitui um estado interno ao indivíduo, capaz de induzir a ação, com o propósito de alcançar resultados e fins que os indivíduos procuram como um fim em si mesmos e que visam a satisfação dessa necessidade (Ferreira et al., 2001). Nesse sentido, quando satisfeita a necessidade, ela deixa de causar tensão, não tendo mais o poder de estimular a ação; no entanto, nem sempre o resultado da ação conduz a uma satisfação plena da necessidade. Na verdade, podem acontecer dois fenómenos, para além da satisfação da necessidade: a frustração e a compensação, como já referido anteriormente. Quando acontece a frustração, que pode ocorrer apesar de todo o esforço do indivíduo, o resultado não é alcançado; a tensão gerada pela necessidade frustrada procura um meio de escape, o qual pode apresentar vários contornos psicológicos, como agressividade, descontentamento, tensão emocional, apatia, etc., e até mesmo características fisiológicas, como tensão nervosa, insónias, problemas cardíacos, disfunções digestivas, entre outros. Quando há compensação, a satisfação de outra necessidade reduz a tensão da necessidade não satisfeita (Ferreira et al., 2001).