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CAPÍTULO 3 METODOLOGIA

3.2. A abordagem qualitativa de pesquisa e a metodologia de coleta dos dados

3.2.1. O estudo de caso: uma abordagem de estudo em profundidade

O estudo de caso é uma abordagem de pesquisa utilizada em diferentes áreas e associada a teorias diversas, sejam elas derivadas das ciências sociais, ou até das ciências médicas (STARK; TORRANCE, 2005). A depender da filiação teórica, podem variar as

exigências quanto ao tempo de observação da instituição/ pessoa para que seja considerado um estudo de caso, mas o que é comum a todas elas é que tal abordagem consiste em um estudo em profundidade (idem). Tal ideia é apresentada também por André (2012, p. 49) quando aponta para as possibilidades do estudo de caso em apresentar “(...) uma visão profunda e ao mesmo tempo ampla e integrada de uma unidade complexa”. Isso significa que o objetivo desta metodologia não está diretamente relacionado à criação de teorias que possam ser aplicadas a diferentes contextos, nem mesmo à testagem de fundamentos teóricos já estabelecidos, mas sim à compreensão profunda de um caso (pessoa, instituição, sala de aula, currículo) específico, como apontam Stark e Torrance (2005, p. 33):

O estudo de caso assume que a "realidade social" é criada através de interação social, ainda que situada em contextos e histórias particulares, e procura identificar e descrever antes de tentar analisar e teorizar. Assume que as coisas podem não ser como parecem (...) e busca compreender "o caso" em vez de generalizar para uma população em geral (tradução nossa). Como contrapartida para a obtenção de uma compreensão profunda de determinado caso, essa metodologia exige um trabalho de campo intenso e prolongado por parte do pesquisador, a fim de observar os participantes em sua dinâmica natural de atividades do dia a dia, o que segundo André (2012) demanda, além da permanência no campo por um amplo período, uma boa aceitação do pesquisador pelos participantes, uma vez que estes precisam estar à vontade para agirem, na presença daquele, da mesma forma que agiriam sem ele, ou ainda para responderem de forma sincera às entrevistas ou conversas propostas, já que tais ferramentas também são usadas para ajudar na interpretação dos dados observados (STARK & TORRANCE, 2005). Estes, a sua vez, também exigirão um tempo maior de análise do pesquisador, já que devido ao tempo de permanência no campo de estudo, tendem a se tornar muitos.

A partir do que acima se apresentou, nossa pesquisa pode ser identificada como um estudo de caso, uma vez que escolheu apenas uma escola técnica para estudar o ensino de escrita nas aulas de língua portuguesa, mais especificamente um curso, o de mecânica, acompanhando as aulas de apenas um professor. Nesse contexto, observamos duas turmas, como já explicitado, uma do técnico integrado ao ensino médio e outra do técnico modular. Dessa forma, assumimos um trabalho com viés comparativo, o que não consideramos um problema dentro da metodologia adotada, já que como colocam Stark e Torrance (2005, p. 35), o contraste entre dois casos, quando possível, é interessante.

Uma questão chave diz respeito à profundidade versus cobertura, e dentro da lógica de uma abordagem de estudo de caso, a escolha recomendada é sempre a profundidade. No entanto, onde os recursos permitirem, é sempre

útil comparar e contrastar os casos, se possível, e investigar a gama de possíveis experiências dentro de um programa (...) (tradução nossa).

Os autores exemplificam a possibilidade de estudar um caso positivo e outro negativo dentro de um mesmo programa a fim de apreender as diferentes experiências oferecidas por este. Em nosso caso, o intuito não foi trabalhar com um contexto de sucesso e outro de fracasso, até porque não tínhamos referências prévias sobre a qualidade deles, mas sim ter uma visão mais ampla sobre como ocorre o ensino de escrita em uma mesma escola, no mesmo curso, com o mesmo professor, mas em modalidades distintas da educação técnica de nível médio. Um segundo ponto a acrescentar sobre a decisão em trabalhar com duas modalidades da educação técnica relaciona-se a uma preocupação evidenciada pela própria escola durante uma primeira reunião, na qual apresentamos o interesse em realizar uma pesquisa na instituição. Na ocasião, o coordenador e a orientadora pedagógica apontaram que a escrita do trabalho de conclusão de curso (TCC) era uma prática problemática no local, já que o professor responsável pela orientação dos trabalhos era da área técnica, não havendo, portanto, um docente especialista em linguagem para fazer um acompanhamento das questões de escrita do texto. Logo, a opção por olhar tanto para o técnico integrado, quanto para o modular, foi também uma forma de contemplar demandas apontadas pelo campo de pesquisa, prática relevante em uma metodologia que adota a postura etnográfica, explicada na seção seguinte.

Dessa forma, cientes do caráter particular desta pesquisa, não temos a pretensão de apresentar conclusões genéricas, que exemplifiquem o ensino de escrita em variadas escolas técnicas, mas reconhecemos, assim como Stake (1988 apud ANDRÉ, 2012, p. 50), “(...) que os estudos de caso são extremamente úteis para conhecer os problemas e ajudar a entender a dinâmica da prática educativa”, ou seja, tal metodologia apresenta um potencial no fornecimento de informações que podem contribuir na tomada de decisões práticas e políticas (ANDRÉ, 2012). Logo, o estudo de caso não é um tipo de pesquisa em que os conceitos de validade e fidedignidade funcionam como nas pesquisas científicas convencionais, nas quais se trabalha com a ideia de que diferentes pesquisadores podem chegar às mesmas representações de um dado evento, pois a pesquisa de um caso pressupõe que a leitura feita pelo pesquisador é uma das possíveis, e não a correta, já que admite que cada leitor poderá desenvolver sua representação a partir das descrições realizadas. (ANDRÉ, 2012). Diante disso, para lidar com a questão da validade da pesquisa, a metodologia do estudo de caso trabalha no emprego de diferentes métodos de coleta de dados para posterior triangulação no momento da geração. Nesse contexto é que se pode pensar em uma possível generalização dos

resultados obtidos, não por parte do pesquisador, mas dos leitores a partir das descrições do pesquisador. Ou ainda, como preferem Lincoln e Guba (1985 apud ANDRÉ, 2012), em uma transferência dos resultados de um estudo a outro de contexto similar: “(...) o pesquisador pode fornecer informações bem detalhadas do contexto em estudo de modo que o leitor tenha base suficiente para fazer julgamento da possibilidade de transferência para outro contexto” (ANDRÉ, 2012, p. 58).

A fim de oferecer uma descrição detalhada do contexto em análise neste estudo, adotamos a observação participante como metodologia de coleta de dados, que valoriza a observação das aulas com tomada de notas, bem como a realização de entrevistas que, de acordo com Starce e Torrance (2005), são ferramentas importantes em um estudo de caso, pois o primeiro pode oferecer insights às verdades sedimentadas, enquanto o segundo às memórias e explicações dos participantes sobre o porquê as coisas são como são.

3.2.2. Metodologia de coleta: observação participante e postura