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O EVOLUCIONISMO DARWINIANO E SUA TEORIA DA HERANÇA

A vida e a obra de Charles Darwin foram marcadas por um evento singular: sua viagem de exploração pela América do Sul abordo do MHS Beagle. Fato este que contribuiu decisivamente para firmar convicções, desenvolver outras e mudar o

rumo de sua vida no sentido de uma carreira de respeitado e famoso naturalista. Em sua autobiografia disse:

“The voyage of the Beagle has been by far the most important event in my life and has determined my whole career; yet it depended on so small a circumstance as my uncle offering to drive me 30 miles to Shrewsbury, which few uncles would have done, and on such a trifle as the shape of my nose. I have always felt that I owe to the voyage the first real training or education of my mind. I was led to attend closely to several branches of natural history, and thus my powers of observation

were improved, though they were already fairly developed.”68

Depois de uma breve passagem pela Universidade de Edimburgo para estudar medicina, ao perceber que Darwin não apresentava grandes aptidões para o ofício, seu pai sugeriu que ele fosse estudar em Cambridge, com a finalidade de vir a se tornar um religioso. Darwin começou os seus estudos em Cambridge em janeiro de 1828, cursando um currículo acadêmico baseado em humanidades, matemática e teologia. Seu momento em Cambridge não foi de estudos intensivos, tirava as notas suficientes para ser considerado um bom aluno. Boa parte de seu tempo era gasto em esportes, caçadas e o que descreveríamos como uma vida sem grandes preocupações, típica dos rapazes afortunados das tradicionais famílias inglesas.69

Cambridge não significou somente estudos toleráveis e diversões, já que se estabeleceram ali os contatos que seriam decisivos para os desenvolvimentos posteriores de sua carreira como naturalista. Influenciado por seu colega e primo W. Darwin Fox (1805-1880), um entusiasta em insetos, foi introduzido em

68 Darwin, C.: “The autobiography”, p. 76-77. 69 Bowler, P.: “Charles Darwin”, p. 58.

entomologia.70 Também se tornou amigo do professor de botânica, o Rev. John Stevens Henslow (1796-1861), importante naturalista que teve papel fundamental em seus conhecimentos sobre botânica, entomologia, química, mineralogia e geologia. Sua relação com Henslow era tão próxima que era chamado por alguns dos

reverendos como ‘o homem que passeia com Henslow’.71 Essa afinidade com

Henslow foi importante tanto para sua formação em Cambridge quanto para o desenvolvimento de suas idéias abordo do MHS Beagle, com quem manteve fértil correspondência.72

Em Cambridge, Darwin ficou muito impressionado com as idéias criacionistas de William Paley, principalmente pela obra “Teologia Natural” (1802), com a qual se deu sua introdução aos estudos da história natural e lhe sugeriu a idéia de que as espécies estariam devidamente adaptadas aos seus respectivos

ambientes.73 Muito embora a tenha desenvolvido em um sentido diferente, dado que

para Paley a questão da adaptação decorria do fato de terem sido criadas por um arquiteto todo poderoso, de infinita bondade e sabedoria, em um mundo harmônico e

equilibrado.74 Como leitor voraz, desenvolveu um estilo autodidata, entre as muitas

obras que leu, duas foram de particular importância para o seu desenvolvimento intelectual e para seus interesses naturalistas: “Personal Narrative”, de Alexander von Humboldt (1769-1859), que lhe despertou um vivo desejo de se tornar um

70 Darwin, C.: “The Autobiography”, p. 63.

71 Mayr, E.: “O desenvolvimento do pensamento biológico”, p. 443. 72 Darwin, C.: “The Life and Letters of Charles Darwin”, in:

http://pages.britishlibrary.net/charles.darwin/texts/letters/letters1_fm.html.

73 Mayr, E.: “O desenvolvimento do pensamento biológico”, p. 444.

explorador, e, “Preliminary Discourse on the Study of Natural Philosophy”, de Sir J. F. W. Herschel (1738-1822), à época um influente estudo sobre a questão de se definir o método científico.75

Ainda em Cambridge, a influência do argumento do design de Paley fazia de seus principais amigos e referências intelectuais criacionistas convictos.76 O que não significa que Darwin não tinha tido nenhum contato com a questão da evolução antes do Beagle, ele certamente conhecia os argumentos dos “Vestiges of the Natural History of Creation”, um livreto muito popular do editor Robert Chambers

(1802-1871),77 que reunia argumentos de várias fontes como anatomia comparada,

da distribuição geográfica, da embriologia e da paleontologia no sentido de sustentar

a tese de que as espécies se modificavam.78 Contudo, o que ainda se encontrava sem

uma resposta satisfatória era justamente a questão de saber qual seria o mecanismo através do qual as espécies se modificariam, ou melhor, como as espécies surgiam? Essa talvez tenha sido a principal preocupação de Darwin após o seu regresso à Inglaterra.

O problema do surgimento de novas espécies, em outras palavras, o problema da especiação, que estaria no centro das preocupações de Darwin, não constituía um problema sério até o século XVIII, dado que se admitia, de modo geral, que sementes de uma espécie em condições adequadas poderiam produzir plantas de

75 Idem, ibidem, p. 58; Idem, ibidem, p. 67-68.

76 Bowler, P.: “Evolution: The history of an idea”, p. 181.

77 Ver, por exemplo, referência à Chambers em: Darwin, C.: “A origem das espécies”, p. 12.

78 C. N. El-Hani & A. A. P. Videira: “O que é vida?”, p. 160; Carlson: “Unfit”, p. 115-117; Bowler, P.:

outras.79 A mudança nesta maneira de conceber o surgimento de novas espécies só ocorreu com o estabelecimento de tipos fixos por Carlos Lineu (1707-1778), o que também não contribuiu para o desenvolvimento do pensamento evolutivo, visto que não poderia ter havido alguma mudança, pois a própria idéia de espécies bem determinadas exigia que elas fossem constantes e essencialmente imutáveis. 80

O primeiro ponto importante para o desenvolvimento de um pensamento evolucionista consistiu, portanto, em introduzir o pensamento de mudança em uma linha temporal. Contribuição de Lamarck à formação do pensamento evolucionista. No ambiente de Cambridge, isso estava totalmente em desacordo com a forma de pensar dos criacionistas seguidores das idéias de William Paley em “Teologia Natural” (1802), onde se tem a defesa de um mundo harmonioso e estático, planejado por um Deus sábio e bondoso. Contudo, este mundo equilibrado e harmonioso começou aos poucos a ruir com o aparecimento de fósseis que atestavam o desaparecimento de espécies. 81

As respostas dadas para resolver as inconsistências de um mundo planejado em desacordo com as evidências fósseis do desaparecimento de espécies, motivaram o surgimento da preocupação com a especiação e colocaram a questão-problema para o desenvolvimento da abordagem evolucionista. Dentre várias, uma das primeiras formas de resolver a questão, sem, contudo, abandonar o criacionismo, foi admitir atos repetidos de criação –criação especial- o que não condizia com os

79 Mayr, E.: “O desenvolvimento do pensamento biológico”, p. 450. 80 Idem, Ibidem, p. 451.

poderes de um Deus onipotente e onisciente. Outra forma foi postular o surgimento espontâneo de novas espécies que poderiam evoluir de formas simples para, gradativamente, complexas - como fez Lamarck. Outra, ainda, foi garantir o surgimento por hibridação, como defendeu Lineu. Mas, parece ter sido Charles Lyell (1797-1875), muito embora tenha sido um antievolucionista convicto, quem formulou as principais questões que contribuiriam para o surgimento da teoria darwiniana da evolução pela seleção natural. Como diz E. Mayr:

“Lyell sentia que nunca se haveria de chegar a conclusões firmes em relação à história da vida orgânica, enquanto se formulasse o argumento em termos daquelas generalidades, com a progressão e a tendência para a perfeição, como o fez Lamarck. A vida orgânica, dizia Lyell, consiste nas espécies. Se existe a evolução, como proclama Lamarck, as espécies devem ser os seus agentes. Portanto, o problema da evolução não pode ser resolvido por meio de vagas generalidades, mas somente pelo estudo das espécies concretas, sua origem, e sua extinção. Isso o levou a formular questões centrais muito específicas: As espécies são constantes ou mutáveis? Se constantes, pode cada uma delas ser erguidas retrogressivamente até sua origem no tempo e no espaço? Desde que as espécies se extinguem, o que limita o seu período de vida? Podem a extinção e a introdução de espécies novas ser atualmente observadas, e

atribuídas a fatores ambientais atualmente observáveis?”82

As reivindicações de Lyell pediam por um naturalista que tivesse boa formação conceitual, mas, principalmente, um longo e extenso período de pesquisa empírica; coletando, documentando e registrando os dados necessários para fundamentar uma teoria que respondesse a questão da mudança de um modo não

especulativo. E isso foi justamente o que tinha feito Darwin ao longo de sua viagem abordo do Beagle. E assim, ao retornar à Inglaterra, em torno dos anos 1837-1839, Darwin formulou suas principais idéias e organizou as evidências suficientes para sustentar a tese de que a evolução era muito mais do que uma hipótese, convertendo- se em uma teoria consistente para resolver a questão do mecanismo responsável pela especiação.

Neste período, Darwin se deu conta de algumas idéias básicas, que parece seguir certa lógica de raciocínio: percebeu a importância da natureza gradual de todas as mudanças; atentou-se para o fato de que as mudanças proporcionariam diversidades enormes e que, caso todos os organismos viessem a se reproduzir, a população aumentaria exponencialmente, e, por fim, visto que as populações normalmente se mantém estáveis, flutuando dentro de certo limite, algo deveria atuar no sentido de estabelecer os parâmetros.83 Desta forma, o raciocínio de Darwin sinalizava para a existência de dois processos: um que corresponderia à mudança temporal e gradual responsável pela transformação – um processo vertical–, e outro responsável pela diversificação, que sob pressão seletiva do ambiente, promoveria o surgimento de diferentes populações – um processo horizontal. Nos termos de E. Mayr:

“A transformação trata do componente ‘vertical’ (usualmente adaptativa) da mudança no tempo. A diversificação trata de processos que ocorrem simultaneamente, como a multiplicação das espécies, e pode

também ser chamado o componente ‘horizontal’ da mudança, manifestada por diferentes populações e espécies incipientes.”84

Nesse sentido, tem-se em Darwin uma importante mudança conceitual no modo de ver o processo evolutivo. Diferentemente de Lamarck, que concebia a transformação ao longo do tempo como o desenvolvimento da espécie de formas mais simples em direção da maior complexidade, postulando para isso uma série de gerações espontâneas, com a qual procurava dar conta da variedade existente na natureza; Charles Darwin propunha, por outro lado, que variações existentes em membros de uma população, sob pressões ambientais selecionadoras, diferenciar-se- iam formando novos grupos populacionais com características distintas, que, ao se reproduzirem, dariam origem a uma nova espécie. A evolução seria, de acordo com esta visão variacional, “uma mudança nas proporções das diferentes variantes que

compõem a população ao longo do tempo”.85

Antes de Darwin, os defensores da existência de um processo de mudança no mundo concebiam-na em termos de perfeição crescente, no sentido da elevação de formas inferiores, passando pelo ser humano e chegando à máxima perfeição em Deus. Ao mudar o foco da mudança para a diversificação, Darwin constrói as bases de uma nova teoria para a evolução. Pois, a diversidade de organismos que observamos, de acordo com seu pensamento, decorreria do fato dos organismos terem herdado modificações que fizeram de seus progenitores diferentes de seus

84 Mayr, E.: “O desenvolvimento do pensamento biológico”, p. 448. 85 C. N. El-Hani & A. A. P. Videira: “O que é vida?” p. 164.

próprios progenitores e aparentados, o que lhes conferiram uma pequena vantagem que seja na luta pela sobrevivência. Darwin argumenta da seguinte forma:

“Pode-se indagar ainda como é que as variedades, que eu denomino espécies nascentes, acabam por se transformar em espécies verdadeiras e distintas, as quais, na maioria dos casos, diferem efetivamente muito mais entre si que as variedades de uma mesma espécie; como se formam estes grupos de espécies que constituem o que se denomina gêneros distintos, e que diferem mais uns dos outros que as espécies do mesmo gênero? Todos estes efeitos, que explicaremos minuciosamente no capítulo seguinte, derivam de uma causa: a luta pela sobrevivência. Devido a esta luta, as variações, por mais fracas que sejam e seja qual for a causa de onde provenham, tendem a preservar os indivíduos de uma espécie e transmitem-se comumente à descendência logo que sejam úteis a esses indivíduos nas suas relações por demais complexas com os outros seres organizados e com as condições físicas da vida. Os descendentes terão, por si mesmo, em virtude disso, maior probabilidade de sobrevida; porque, dos indivíduos de uma espécie nascidos periodicamente, um pequeno número poderá sobreviver. Dei a este conceito, em virtude do qual uma variação, por mínima que seja, se conserva e se perpetua, se for útil, a denominação de seleção natural, para indicar as relações desta seleção com o que o homem pode operar. (...)”86

Assim, as vantagens, ao serem traduzidas em sucesso reprodutivo, possibilitariam aos organismos condições de transmitirem as modificações às novas gerações. Ao negar, desta forma, qualquer possibilidade de geração espontânea, Darwin firmou suas convicções em torno da defesa de uma origem comum, por gradativas modificações, de um tipo ancestral. Como diz E. Mayr:

“Curiosamente, Darwin foi o primeiro autor a postular que todos os organismos procederam de ancestrais comuns, por um processo contínuo de ramificação. Ao admitir a divisão de uma espécie parental em diversas espécies irmãs, ele foi levado ao conceito de descendência comum, quase por necessidade. (...)”87

Em um mundo de recursos limitados, contribuição de Thomas R. Malthus

(1766-1834) à teoria darwiniana,88 os indivíduos que apresentassem alguma

característica que lhes proporcionassem certa vantagem reprodutiva teriam mais chances de garantir que sua descendência sobrevivesse em ambientes competitivos. Consequentemente, devido ao fato do crescimento populacional chocar-se com a escassez de recursos, os que não apresentassem qualquer vantagem que seja, nas mesmas condições, não conseguiriam manter taxas reprodutivas e assim não criariam descendência. Visto que existe certa relação de equilíbrio entre recursos e crescimento populacional, “só pode haver uma luta feroz entre os indivíduos de uma população, resultando na sobrevivência de apenas uma parte, muitas vezes muito pequena, da progênie de cada geração”.89 Desta forma, para que o pensamento darwiniano tenha pleno sentido, faz-se necessário introduzir nas considerações evolucionárias não somente as modificações individuais, mas também, e de modo relevante, considerar o resultado das modificações em termos populacionais. Em termos darwinianos:

87 Mayr, E.: “O desenvolvimento do pensamento biológico”, p. 566. 88 C. N. El-Hani & A. A. P. Videira: “O que é vida?” p. 162. 89 Mayr, E.: “O desenvolvimento do pensamento biológico”, p. 536.

“Devo frisar que emprego o termo luta pela sobrevivência em sentido lato e metafórico, o que implica relações mútuas de dependência dos seres organizados, e, o que é mais importante, não somente a vida do

indivíduo, como a sua aptidão e bom êxito em deixar descendentes.”90

Por ter chamado a atenção para a variabilidade existente na população como algo a ser considerado para a elaboração de uma efetiva teoria evolucionária, Darwin revelou dois outros desdobramentos importantes para o mundo orgânico. Primeiramente, as populações de organismos não seriam tipos fixos, ou imutáveis, e sim apresentariam certa variabilidade interna. E, segundo, os indivíduos não seriam totalmente diferentes, já que em uma população eles eram aparentados, o que revelava que parte da variação seria transmitida aos descendentes. Desses dois fatos genéticos decorrem que a sobrevivência dos indivíduos, em termos populacionais, dependeria em grande medida de suas características herdáveis, no sentido que as características mantidas no conjunto da população disseminar-se-iam e, gradativamente, operariam mudanças constantes, diferenciando os indivíduos, em um longo período de tempo, da população original.91 Desta forma, a teoria darwiniana estabeleceu que a variabilidade em uma população, quando sob pressão seletiva de certas condições ambientais, oportunizaria a certos indivíduos apresentarem determinadas características que lhes garantiriam alguma vantagem de sobrevivência em termos de sucesso reprodutivo, o que, em um longo período poderia alterar a freqüência no sentido do aumento dos indivíduos portadores das características diferenciadoras, separando-os gradativamente do tipo original.

90 Darwin, C.: “A origem das espécies”, p. 69.

A teoria darwiniana apresentou um mecanismo suficientemente claro sobre como se daria o processo de especiação a partir de uma origem comum, os muitos pontos de geração de Lamarck foram unificados em um único ponto do qual derivariam todas as espécies no planeta. A imagem que Darwin ofereceu da vida na terra foi uma árvore com muitos ramos, alguns podados no transcorrer do tempo, outros sucessivamente modificados, diferenciando os organismos, mas, ao mesmo

tempo, unindo-os em algum ponto do passado.92

Resumidamente, poderíamos dizer que as espécies surgem por especiação populacional pela seleção natural ao agir sobre a variedade de características existentes. Desta forma, a teoria darwiniana representou uma vantagem em relação às teorias anteriores; pois, por intermédio de um raciocínio causal em que a evolução seria o resultado de um mecanismo de seleção natural, estabelecia-se uma explicação materialista para o processo evolutivo. Isto é, sem a necessidade de intervenções de forças ocultas ou de atos súbitos que gerariam a diversidade de espécies. Os fatores ambientais, em um longo período de tempo, seriam suficientes para responderem pelo processo de mudança e de diversificação.

A seleção natural seria, nesse sentido, um mecanismo claro e simples para se compreender as diferenças e proximidades entre espécies; contudo, restava ainda responder se a seleção natural conseguiria dar conta das diferenças existentes no interior de uma mesma população, isto é, qual seria a origem da diversidade intra-

92 Ver no início da obra Origens das espécies um diagrama ilustrativo do processo de evolução darwiniana.

Darwin, C.: “Origens das espécies”: 2000; Também: Bowler, P.: “Evolution: The history of an idea”, p. 177; Ruse, M.: “Levando Darwin à sério”, p. 26.

específica, sobre a qual a própria seleção natural atuaria? Além disso, a própria noção de espécie implica na idéia de que deveriam existir parâmetros que possibilitassem agrupar os indivíduos em uma dada população específica. Ou seja, visto que as proles se assemelham aos seus progenitores, surge a questão de saber como é que se daria a transmissão das características de uma geração para outra, em outras palavras, como é que as características seriam transmitidas aos descendentes? Teríamos assim três questões distintas: uma é o processo de especiação, outra a origem da variabilidade, e, outra, a transmissão das características individualizadoras.

A origem da variabilidade dentro da população e a transmissão das características aos descendentes exigiam da teoria darwiniana muito mais do que a teoria da seleção natural poderia oferecer. Levando-se em conta que Darwin negava explicitamente as teorias que postulavam ou a criação especial, ou a presença de um homúnculo nos órgãos reprodutores, ou, ainda, a teoria de modificações derivadas de adaptações às condições ambientais, faltava-lhe uma teoria convincente sobre o fenômeno da hereditariedade. Para fazer frente a estas questões, Darwin procurou formular uma hipótese que buscasse causas eficientes para a transmissão de características e para a geração de um novo ser que não se envolvesse com especulações vitalistas. 93 Darwin apresentou a sua teoria em detalhes no capítulo

XXVII da obra “Variation of Animals and Plants under Domestication” (1868), e

chamou a sua teoria da herança de pangênese.94

Darwin declarou em sua autobiografia que não pretendia oferecer uma teoria completa sobre a herança, algo de difícil acesso, mas sim oferecer uma hipótese que pudesse contribuir para a reunião de diversos fenômenos em torno de alguma idéia consistente, que obviamente deveria sofrer modificações e correções:

“(…) It gives all my observations and immense number of facts collected from various sources, about our domestic productions. In the second volume discussed, as far as our present state of knowledge permits. Towards the end of the work I give well-abused hypothesis of Pangenesis. An unverified hypothesis is of little or no value. But if any