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4 Análise e discussão dos resultados

4.1 Relatório de observação participante

4.1.1 O Facebook sob a ótica dramatúrgica de Goffman

É difícil estar logado no Facebook e não tentar visualizar a expressão de surpresa que provavelmente estaria no rosto de Goffman ao perceber que o viés dramatúrgico das relações sociais ganharia uma dimensão tão profunda com o suporte tecnológico do computador e da internet, ao ponto de muitas vezes nos perguntarmos se o real é presencial ou virtual.

O Facebook é um grande palco onde encontramos atores que desempenham papéis dos mais variados. Cada indivíduo real pode assumir quantos personagens virtuais quiser. O que se percebe é uma dinâmica constante de evidenciar as potencialidades, as qualidades, os pontos fortes ou qualquer elemento pessoal que faça o indivíduo se destacar positivamente dos outros.

A observação participante proporcionou uma visão mais aprofundada das possibilidades de manipulação da imagem que o Facebook oferece aos seus usuários. Ao analisar sob a ótica

2 Não há como saber com precisão quando a pesquisadora se tornou usuária do Facebook, visto que o site não

de Goffman (2013), o cenário no Facebook fica evidente: a fachada pode ser observada a partir do perfil que o ator divulga online, com informações como idade, local de trabalho, onde estuda, foto pessoal etc.; a aparência é mais vinculada às suas preferências mais específicas como grupos que participa, páginas que “curtiu” etc.; e a maneira, está mais relacionada às postagens do ator, seja no seu próprio perfil ou na linha do tempo de outros com quem interage.

No Facebook, a região de fachada é representada pelo ambiente onde fica perfil virtual do usuário, que vai interagir com os outros usuários, o próprio site da rede social, e os bastidores é onde está a pessoa física, sentada em frente ao computador (ou qualquer outro

equipamento tecnológico que disponibilize o acesso à internet), teclando e editando informações a serem postadas. Desta forma, infere-se que nas relações sociais virtuais a diferença entre fachada e bastidores é bem mais nítida que na vida off-line. É mais fácil se esconder nos bastidores virtuais. Um simples apertar de botão, ou uma queda no sinal de internet, provoca a ruptura do usuário com a região de fachada, dando a ele tempo para pensar melhor nos bastidores sobre seus próximos passos virtuais.

Outra possibilidade de entendimento dos bastidores em ambiente virtual também percebida por Zarghooni (2007) é que as conversas pessoais via mensagens particulares do

Facebook também podem ser consideradas bastidores, ao menos entre pessoas que possuam

bastante intimidade a ponto de dispensarem as representações. Um conceito trazido por este mesmo autor, é a “autoapresentação descolada”. Analisando assim, quando alguém está editando seu perfil do Facebook, está em dois lugares ao mesmo tempo: na fachada e nos bastidores. Enquanto o Eu apresentado é visto pelos outros que olham o perfil virtual, a pessoal real é o humano que está sentado atrás do computador. Isso transcende a reflexão de Goffman (2013) sobre os ambientes de fachada e bastidores quanto à dimensão tempo. Quando no mundo

off-line a pessoa só ocupa um desses espaços por vez, no virtual esses espaços podem ser usados

Controle de publicações é bastante comum de se encontrar no Facebook. De forma

explícita, quando nos grupos específicos são colocadas as regras de convivência e as sanções que podem ser aplicadas àqueles que infringem essas regras, conforme verifica-se na Figura 5; e de forma implícita quando os usuários denunciam ou criam bloqueios a certos usuários cujas publicações se mostram ofensivas ou fora dos padrões normais de convivência, como mostra a Figura 6.

Figura 5(4): Regra de comportamento em grupo do Facebook

Figura 6 (4): Opções oferecidas pelo Facebook ao usuário para controlar as publicações na sua linha

do tempo

As gafes são caracterizadas por publicações indesejadas do próprio usuário como por exemplo quando ele torna pública alguma opinião polêmica ou equivocada; e sobre o usuário quando por exemplo “vasa”3 da internet um vídeo da intimidade amorosa do usuário.

3 O termo “vasar” se refere a uma publicação cujo protagonista do que está sendo publicado não tem nenhuma

responsabilidade com a publicação, se tornando essa publicação, no mínimo, um incômodo para ele.

Fonte: Facebook (2015)

Sobre as representações falsas trazidas por Goffman, virtualmente é mais difícil identifica-las. Com o intuito de criar uma imagem de que pertence a uma classe social privilegiada, é comum ver-se publicações de ostentação, como fotos de viagens ou bens de consumo de alto valor. E como as interações online podem vir a se transformar, algum dia, numa interação face a face presencial, é comum as pessoas manipularem as informações que irão postar nos seus perfis, de forma a filtrar o quê e quem poderá ver as publicações.

Analisa-se a questão de grupo no Facebook de duas formas. Pode-se considerar o próprio site de relacionamentos como um grupo, visto que é necessária uma inscrição prévia e todos que estão dentro podem interagir de alguma forma. E mesmo existindo a possibilidade de o indivíduo filtrar as informações a serem disponibilizadas, a pessoa só não pode ser encontrada na rede, se colocar informações que não condizem com a realidade presencial dela. A segunda possibilidade de analisar as interações grupais nesta rede social virtual, é considerando os grupos que são criados normalmente por interesses específicos em comum, como grupo de estudantes, de amigos, de colegas de trabalho etc.

A preocupação pela maneira como as coisas são vistas, podem ser caracterizadas pela forma como as pessoas escolhem os textos, manipulam fotos, “curtem” publicações alheias. O sentimento de vergonha é bem comum, sobretudo quando o indivíduo falha no processo de gerenciamento do que publica, liberando segredos ou informações que contradizem a imagem que ele normalmente imprime. Outro exemplo disso é um fato que vem crescendo nas redes sociais virtuais brasileiras e cuja causa é alheia ao protagonista, mas que pode lhe trazer transtornos diversos: os boatos virtuais. A ambivalência com relação a si mesmo e ao seu público se exprime nas possiblidades de a pessoa criar um ou mais perfis completamente diferentes do seu real, de forma a desenvolver quase uma doença psicológica de múltipla personalidade.

As barreiras estabelecidas à percepção do Facebook podem ser as próprias restrições para estar logado na rede, como necessidade de inscrição e criação de um perfil, e a necessidade de um equipamento tecnológico que possibilite seu acesso à internet. Segundo estatísticas do

Facebook, em média, 65 milhões de brasileiros acessam a rede social virtual todo dia, o que faz

o hábito de acessá-la uma atividade regular dos usuários.

O que pode ser apresentado como diferença entre a interação social, no mundo virtual e no presencial, neste caso, é que no virtual é muito mais difícil se ter noção dos limites de espaço e de quantidade exata de pessoas com quem se está interagindo.

Outro ponto relevante é que o tempo, no mundo virtual, ganha nova interpretação: (1) as informações registradas online podem ficar disponíveis para a interação por tempo indeterminado e (2) o indivíduo tem um controle maior do tempo para escolher o que vai tornar público, diminuindo assim a chance de emitir uma informação indesejada ou errada.

As cinco dimensões de um estabelecimento social trazidas por Goffman (2013) também podem ser identificadas no Facebook:

a) Técnica – é exigido dos usuários um mínimo conhecimento técnico de tecnologias de navegabilidade na internet. Um indivíduo que sabe utilizar com maior eficiência as “ferramentas” do site ou da internet, poderá incrementar seu perfil e, até mesmo, se destacar na rede.

b) Política – Uma das possibilidades que a internet trouxe para sociedade foi a facilidade de acesso a informações e oportunidade de interação com pessoas do planeta inteiro, ambas em tempo real. Isso permite que as ideias e posicionamentos de indivíduos e grupos sejam melhor e mais rapidamente expressas, e isso consequentemente, propicia um cenário mais aberto à política, não no sentido partidário, mas no sentido de que as pessoas tomam ciência de informações que antes das redes sociais virtuais demorariam

a serem disseminadas na sociedade. Desta forma, é comum notícias que divulgam fatos que podem causar mudanças sociais significativas, ou até mesmo opiniões de pessoas formadoras de opinião, “viralizarem” na internet. Isso é o que Fragoso, Recuero e Amaral (2013) chamam de ciberativismo.

c) Estrutura – Se observarmos que dentro de um grupo social maior (que é a própria rede social virtual), existe ainda a necessidade de criação de subgrupos, que muitas vezes são fechados, ou sejam, para alguém se tornar membro é exigida uma aprovação de um líder. É fácil perceber que a estrutura virtual é similar à presencial.

d) Cultura - A internet possibilitou o acesso praticamente direto às mais diferentes culturas, isso é inquestionável. As redes sociais virtuais, por sua vez, se tornaram espaço de construção de identidades pessoais (sejam estas verdadeiras ou falsas) que muitas vezes influenciam hábitos de consumo entre as pessoas com quem interagem, por isso, é um canal cada vez mais procurado para divulgação e venda de produtos.

e) Dramaturgia – Assim como nas interações humanas presenciais, as virtuais também são facilmente comparadas a uma encenação dramatúrgica. Essa possiblidade no campo virtual talvez seja mais evidente, visto que o indivíduo pode criar tantos personagens quanto desejar, e ainda assim manter o ator em total anonimato, criando assim possibilidades de experimentar diversos personagens.

Desta forma, entende-se que a abordagem dramatúrgica trazida por Goffman (2013) é uma leitura da forma como as pessoas interagem socialmente, independente de ambiente. O

Facebook, apesar de ser um ambiente de interação social virtual, apresenta simplesmente uma

forma mais atualizada de convivência humana, e por isso sua análise sob o olhar de Goffman se torna prático. Como um resumo dos resultados encontrados nesta análise, propõe-se o quadro 10.

Quadro 10 (4): Aplicação dos elementos da interação social dramatúrgica de Goffman ao Facebook Elementos dramatúrgicos da interação social de Goffman (2013)

Interpretação dos elementos dramatúrgicos no Facebook

Cenário Fachada Perfil divulgado pelo usuário

Aparência Preferências apontadas pelo usuário (páginas que curtiu, preferências de leitura, filmes etc.)

Maneira Postagens dos usuários Região de fachada Ambiente virtual da rede social

Bastidores Onde está fisicamente o usuário, por trás da tecnologia.

Controle Explícito Regras explícitas de convivência e as sanções que podem ser aplicadas àqueles que infringem essas regras.

Implícito Possibilidade de denúncia à administração do

Facebook

Gafes Publicações indesejadas ou exposições alheias Representações falsas Publicações mentirosas sobre posses

Grupos O próprio site é um grupo

Grupos (públicos ou privados) criados dentro da rede

Maneira Escolha do texto a ser publicado, manipulação de fotos, curtidas, comentários etc.

Vergonha Falha por uma publicação errada

Ambivalência Possibilidade de um usuário criar mais de um perfil

Barreiras Restrições para estar na rede social, como a necessidade de inscrição prévia e de um equipamento tecnológico com acesso à internet

Dimensões de um estabelecimento social

Técnica Conhecimento tecnológico para usar as ferramentas necessárias

Política Cenário livre para debates sobre os mais variados temas. Ciberativismo é um exemplo.

Estrutura A criação de vários grupos e subgrupos privados Cultura Possibilidades de acessos à diferentes culturas e

maior influência em hábitos de consumo

Dramaturgia Com a possibilidade da criação de perfis virtuais diferentes do seu perfil real, no campo online o ator se sente mais à vontade para atuar

4.1.2 Dados arquivais: as publicações de usuários sem estímulo da