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O STJ, através do Informativo de Jurisprudência nº 0549/2014, firmou o entendimento de que quando ficar configurado um ato de improbidade administrativa por fraude ou dispensa indevida de licitação (art. 10, VIII, da LIA), o requisito do prejuízo efetivo ao erário seria ignorado, sendo aceita a hipótese do dano presumido (in re ipsa). Logo, o simples fato do agente público conduzir o procedimento licitatório de forma diferente da estampada na lei, seria suficiente para caracterizar uma lesão ao erário.

DIREITO ADMINISTRATIVO. PREJUÍZO AO ERÁRIO IN RE IPSA NA HIPÓTESE DO ART. 10, VIII, DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. É cabível a aplicação da pena de ressarcimento ao erário nos casos de ato de improbidade administrativa consistente na dispensa ilegal de procedimento licitatório (art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992) mediante fracionamento indevido do objeto licitado. De fato, conforme entendimento jurisprudencial do STJ, a existência de prejuízo ao erário é condição para determinar o ressarcimento ao erário, nos moldes do art. 21, I, da Lei 8.429/1992 (REsp 1.214.605-SP, Segunda Turma, DJe 13/6/2013; e REsp 1.038.777-SP, Primeira Turma, DJe 16/3/2011). No caso, não há como concluir pela inexistência do dano, pois o prejuízo ao erário é inerente (in re ipsa) à conduta ímproba, na medida em que o Poder Público deixa de contratar a melhor proposta, por condutas de administradores. Precedentes citados: REsp 1.280.321-MG, Segunda Turma, DJe 9/3/2012; e REsp 817.921-SP, Segunda Turma, DJe 6/12/2012. REsp 1376524/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 2/9/2014.

A formação do referido Informativo de Jurisprudência partiu do Recurso Especial nº 1376524/RJ, o qual se iniciou com uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face de P.P. Torres Figueira ME, o Município de Nova Friburgo, o ex-secretário da Fazenda municipal e o ex-prefeito, objetivando a anulação de ato administrativo com a reparação de dano causado ao

patrimônio público e a responsabilização por improbidade administrativa (BRASIL, 2014).

Em sua exordial, o MPRJ aponta que no período entre 07 de maio a 13 de setembro de 1999, o município de Nova Friburgo contratou a empresa P.P. Torres Figueira ME para o fornecimento de areia lavada, tendo adquirido o dito objeto por cerca de nove vezes no citado período. Acrescentou ainda que os valores das aquisições eram variáveis, sendo que para cada aquisição era instaurado um procedimento administrativo de compra, o qual tramitava unicamente entre a Secretaria solicitante e a de Fazenda.

Relata ainda que foram diversos procedimentos instaurados, sendo cada um referente a uma parcela de aquisição do material descrito, verificando-se que não existia qualquer referência quanto à eventual dispensa de licitação em nome da empresa beneficiada.

Diante disso, concluiu o Ministério Público que tal conduta configuraria um fracionamento de despesas a fim de burlar a Lei nº 8.666/93, caracterizando uma dispensa indevida de licitação. Por fim, requereu liminarmente a indisponibilidade dos bens dos envolvidos, assim como a anulação das contratações, ressarcimento ao erário e condenação nas penalidades previstas na Lei nº 8.429/92.

Após as contestações dos réus, o juízo do 1º grau emitiu sua decisão, tendo entendido que inexistindo prova de que o serviço não tenha sido efetivamente prestado, ainda que decorrente de contratação ilegal, a condenação em ressarcimento do dano da maneira pleiteada pelo Ministério Público deveria ser considerada indevida, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração Pública. Tendo em vista que caberia ao Ministério Público o ônus de comprovar cabalmente suas alegações e, em especial, a ilegalidade do ato praticado, a existência de efetivo dano ao erário, o seu quantum e a existência de culpa em sentido amplo por parte dos réus.

Ademais, ainda que a conduta narrada na exordial pudesse, em tese, se amoldar ao contido no inciso VIII do artigo 10 da Lei de Improbidade, caso se entendesse que o alegado fracionamento teria por objetivo burlar a regra de licitação prevista na Lei nº 8.666/93, o certo é que não houve comprovação do alegado prejuízo ao erário e nem que o gestor público agiu ao menos culposamente quando realizou as contratações, eis que realizadas por órgãos distintos e para atender a finalidades diversas, ainda que em curto espaço de tempo. Por fim, julgou como improcedentes os pedidos formulados pelo MPRJ.

Em seguida, o Ministério Público recorreu da mencionada decisão, pleiteando pela reforma da sentença, arguindo, em síntese, que o material fora adquirido para utilização na usina de asfalto. Hipótese essa que evidencia a necessidade de quantidade considerável de areia lavada, inexistindo qualquer explicação que justifique as sucessivas aquisições em datas extremamente próximas. Acrescenta que a eventual ausência de lesão ao erário público não afasta a improbidade administrativa, e que no caso, houve violação dos princípios da administração pública, competindo ao Judiciário aplicar as sanções pela prática de ato de improbidade administrativa, na forma do art. 12, II ou III da Lei nº 8.429/92.

Ao julgar o recurso, o Desembargador Relator Ademir Paulo Pimentel entendeu assistir razão ao MPRJ, vez que apesar da empresa ré negar a venda da mercadoria, esta admitiu o transporte da areia para a Usina de Asfalto do Município, sustentando que seria desnecessária a licitação com essa finalidade.

Ademais, de acordo com os atos constitutivos, ficou comprovado que as notas emitidas tratavam de aquisição e entrega de areia para a usina de asfalto do Município e comprovavam o fracionamento de forma a impedir a realização do procedimento seletivo, o qual seria obrigatório para a contratação da integralidade. Assim sendo, o douto julgador entendeu pela ilicitude dos atos, considerando as operações nulas de pleno direito. Impondo a parte ré, ao fim, além das sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/1992, o ressarcimento do dano causado ao patrimônio público.

Insatisfeita com a decisão exposta, a empresa P.P. Torres Figueira ME interpôs Recurso Especial perante o STJ alegando resumidamente: a) pela não comprovação de dano ao erário, razão pela qual não seria devido qualquer ressarcimento; b) pela inexistência de ato ímprobo, uma vez que a administração dispensou a licitação, presume-se que a mesma era devida, não devendo a empresa fornecedora ser condenada por atos exclusivos da administração; e c) pelo não reconhecimento de dolo ou culpa nas ações da empresa em querer induzir ou concorrer para a dispensa indevida de licitação, assim como não restar demonstrado qualquer prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito, de modo a não configurar nenhum ato de improbidade administrativa.

Por sua vez, o STJ entendeu pela impossibilidade de se concluir pela inexistência do dano, condição para o ressarcimento, visto que o prejuízo ao erário em casos como o fracionamento de objetivo licitado, com ilegalidade na dispensa de

licitação é in re ipsa, na medida que o Poder Público deixa de contratar e melhor proposta.

Ao citar como precedente os Recurso Especial nº 817.921/SP e o Recurso Especial 1280321/MG, o Ministro frisa a dispensabilidade da prova de prejuízo efetivo ao erário, vez que o prejuízo é inerente à conduta. De tal forma que não seria necessário um fracionamento do objeto se a dispensa da licitação fosse legal, motivo pelo qual se entende que se fosse esse o caso, os envolvidos iriam aderir à legalidade, e não optar por um meio ilícito para se alcançar o seu intento.

Ademais, sustenta ainda o Ministro que deverá ser levada em consideração na fase de liquidação da sentença, a irregularidade na prestação de serviço pela empresa contratada, sob pena de configurar enriquecimento ilícito da Administração Pública. Doutro lado, argumenta com base no Recurso Especial nº 1188289/SP que a empresa contratada terá direito apenas aos pagamentos pelos custos devidamente comprovados para a realização dos serviços. Ao final, conheceu parcialmente do recurso e negou-lhe provimento.

Extrai-se do Recurso Especial em estudo que o STJ já vinha firmando o entendimento de que restaria configurado o dano in re ipsa em casos de fraude ou dispensa indevida de licitação. Nesse sentido, cabe também uma análise do Recurso Especial nº 1280321/MG, usado como precedente para formação do Informativo de Jurisprudência nº 0549/2014.

Tal Recurso Especial trata de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público de Minais Gerais (MPMG) contra irregularidades ocorridas no contrato realizado entre a Prefeitura Municipal de Muriaé, e a empresa Labo Eletrônica S/A, pugnando pela anulação do aludido instrumento e a restituição ao erário dos valores pagos pelos serviços prestados.

Em primeiro grau, foi julgado improcedente o pedido do Ministério Público para que fosse declarada a nulidade do contrato firmado sem a devida licitação, bem como fossem os réus condenados ao ressarcimento dos danos provocados ao erário. Diante disso, o MPMG interpôs recurso de apelação, aduzindo, resumidamente, que o valor da contratação da empresa foi superior a R$ 8.000,00 (oito mil reais) — alterado pelo Decreto nº 9.412/2018 que atualizou os valores limites de três modalidades de licitação — impedindo-se a dispensa de licitação. Também que foram emitidas diversas notas de empenho referentes a um mesmo tipo de serviço, o que demonstra ter havido apenas um único contrato. Além de que não

merecia prosperar a alegação de enriquecimento ilícito da municipalidade em virtude da nulidade do contrato, pois a lesividade decorrente da dispensa de licitação é presumida.

Por sua vez, o Desembargador responsável por julgar o caso, decidiu que ainda que existiam indícios de irregularidades, não haveriam razões para anular o contrato e, consequentemente, determinar o ressarcimento, uma vez que não existia nos autos prova de prejuízo efetivo aos cofres públicos, o qual não poderia ser presumido somente pelo fato de não ter havido licitação.

Em sede de Recurso Especial, o STJ entendeu que o prejuízo ao erário decorrente do fracionamento do objeto licitado, com dispensa indevida de licitação, seria suficiente para se configurar um ato de improbidade administrativa, e, consequentemente, ensejar a nulidade e o ressarcimento ao erário. Para tanto, transcreve-se o seguinte trecho do voto do Ministro relator: “é in re ipsa, na medida em que o Poder Público deixa de, por condutas de administradores, contratar a melhor proposta (no caso, em razão do fracionamento e consequente não-realização da licitação, houve verdadeiro direcionamento da contratação)” (BRASIL, 2012e).

Sendo assim, a ausência de um procedimento licitatório anterior a contratação, implica em uma proposta que não é a economicamente mais viável e menos dispendiosa. Logo, o prejuízo aos cofres públicos seria inerente a conduta, podendo ensejar então uma sanção de ressarcimento ao erário.

Isto posto, verifica-se dos julgados expostos que o entendimento atual e majoritário do STJ é de que o simples fato do agente público e terceiros interessados fraudarem a licitação, dispensando-a indevidamente, seria suficiente para caracterizar um prejuízo ao erário, oportunizando a aplicação de uma possível sanção de ressarcimento.

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