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3. O MINISTÉRIO PÚBLICO E A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

3.3. O instrumental jurídico do Ministério Público mediador

3.3.1. O inquérito civil e o procedimento administrativo preparatório

O inquérito civil é um procedimento investigatório, instaurado e presidido pelo Ministério Público, destinado a apurar a ocorrência de fatos que possam autorizar a tutela de interesses ou direitos relacionados aos interesses cuja proteção seja de sua incumbência, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas funções institucionais. Será instaurado para apurar fato a cargo do Ministério Público nos termos da legislação aplicável, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas funções institucionais.

O inquérito civil é uma investigação administrativa instaurada, de forma exclusiva, pelo Ministério Público com a finalidade de colher elementos de convicção para direcionar a sua atuação institucional. Para Almeida (2001), trata-se de procedimento administrativo instaurado pelo Ministério Público com o objetivo de colher elementos de convicção que possibilitem o ajuizamento de ação civil pública ou a assinatura de termos de ajustamento de conduta.

A possibilidade de instauração do inquérito civil pelo Ministério Público está prevista na Constituição Federal30, na Lei Orgânica do Ministério Público da União31, na Lei Orgânica

29 O artigo 225 da Constituição Federal estabelece os deveres de defesa e preservação do meio ambiente e

controle do risco, de caráter preventivo, e os deveres de restauração dos processos ecológicos, recuperação do meio ambiente e reparação dos danos causados.

30 Artigo 129, inciso III, da Constituição Federal.

Nacional do Ministério Público32, e na Lei da Ação Civil Pública33. A sua regulamentação atual se encontra na Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público nº 23/2007 e na Resolução Conselho Superior do Ministério Público Federal nº 87/2010. Ambas as resoluções dispõem que o inquérito civil é um procedimento investigatório instaurado com a finalidade de apurar fatos que possam autorizar a tutela dos interesses ou direitos a cargo do Ministério Público, servindo como preparação para o exercício das atribuições inerentes às suas funções institucionais34.

O inquérito civil constitui procedimento administrativo exclusivo do Ministério Público Federal ou do Ministério Público Estadual. Os demais entes legitimados a propor ação civil pública podem colher informações e provas, mas não através de um inquérito civil (MACHADO, 2009).

Inicialmente pensado apenas como um meio eficaz para o Ministério Público colher as informações necessárias para a instrução da ação civil pública, com a possibilidade de celebração de compromisso de ajustamento de conduta, com a edição do Código de Defesa do Consumidor, o inquérito civil passou a ser o veículo de formalização da mediação de conflitos. Via de regra, é dentro do inquérito civil que o Ministério Público celebra compromissos de ajuste de conduta, realiza audiências públicas, expede recomendações e encaminha requisições.

A prévia instauração de inquérito civil, entretanto, não é obrigatória para o Ministério Público desempenhar suas funções institucionais. Ao se deparar com fato que possa se caracterizar em violação potencial ou efetiva a algum direito ou interesse que lhe caiba zelar, o Ministério Público pode, desde logo, promover a ação cabível, expedir recomendação, celebrar compromisso de ajustamento de conduta ou determinar a abertura de procedimento administrativo preparatório. Esse último deverá ser concluído no prazo de 90 dias, prorrogável uma única vez por mais 90 dias. Caso não haja uma solução para os fatos que motivaram a sua instauração dentro desse prazo, o procedimento deverá ser convertido em inquérito civil35.

75/1993.

32 Artigo 25, inciso IV, da Lei nº 8.625/1993. 33 Artigo 8º, §1º, da Lei nº 7.347/1985.

34 Artigo 1º da Resolução CNMP nº 23/2007 e artigo 1º da Resolução CSMPF nº 87/2006. 35 Artigo 2º da Resolução CNMP nº 23/2007 e artigo 4º da Resolução CSMPF nº 87/2006.

Salvo as restrições relativas ao tempo máximo de tramitação e quanto à exigência de publicação da portaria de instauração em Diário Oficial, todas as disposições referentes ao inquérito civil são aplicáveis ao procedimento administrativo preparatório36. Assim, o membro do Ministério Público que conduz a investigação poderá expedir notificações, recomendações, requisições, celebrar compromisso de ajustamento de conduta e ajuizar ação civil pública a partir do procedimento administrativo preparatório.

A instauração do inquérito civil e o procedimento administrativo preparatório pode decorrer de ato do próprio membro do Ministério Público, ou seja, de ofício; em razão de designação do Procurador-Geral de Justiça, do Conselho Superior do Ministério Público, Câmaras de Coordenação e Revisão e demais órgãos superiores da Instituição, nos casos cabíveis; ou em face de requerimento ou representação formulada por qualquer pessoa ou comunicação de outro órgão do Ministério Público, ou qualquer autoridade37.

A possibilidade de qualquer pessoa provocar a instauração de inquérito civil o transforma em um verdadeiro instrumento de cidadania. Geisa Rodrigues (2006) esclarece que:

A instauração do inquérito pode ocorrer a partir de representação de qualquer pessoa, de associação, de pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, ou de ofício. A participação da sociedade tem sido relevante na provocação dos inquéritos civis, sendo considerada uma verdadeira forma de participação política mais ampla, mesmo porque não é necessário o status de eleitor para que se possa deflagrar a investigação (RODRIGUES, G., 2006, p. 87).

Moreira Neto (1992), nesta mesma direção, sustenta que a provocação do inquérito civil é um instituto de participação administrativa aberto às pessoas físicas e jurídicas, visando à legalidade e à legitimidade da ação administrativa, formalmente estabelecido, com o objeto de submeter à apreciação do Ministério Público provas ou indícios de violações de interesses difusos.

36 “Não importa o nome que se dê à investigação, se dossiê, peças de informação - PA, representação,

procedimento administrativo ou inquérito civil, existem sempre os mesmos poderes, as mesmas limitações e a mesma necessidade de controle por parte de órgãos superiores da Instituição” (RODRIGUES, G., 2006, p. 86-87).

A instauração de inquérito civil ou procedimento administrativo preparatório, relacionado com questões ambientais, em decorrência de representação ou requerimento do cidadão, além de representar uma forma de participação política, indica a existência de algum grau de conflito ambiental (SOARES, J. L., 2006; TOTTI et. al., 2007).

O inquérito civil e o procedimento administrativo preparatório podem ser instaurados, por exemplo, para investigar as causas mediatas e imediatas de um conflito ambiental, inclusive, com o acompanhamento e monitoramento do planejamento de políticas públicas ambientais. Esse monitoramento prévio feito pelo Ministério Público, muitas vezes, já induz que as partes envolvidas adotem condutas consentâneas com as normas ambientais.

Como registra Frischeisen (2000), a própria instauração de inquérito civil ou de procedimento administrativo correlato, muitas vezes, mostra-se suficiente para o enfrentamento do conflito, sem que haja a necessidade do ajuizamento de ação civil pública.

Por outro lado, no Inquérito Civil Público ou procedimentos correlatos podem ser elaboradas atas compromissárias entre várias pares envolvidas, que não necessariamente poderão ser acionadas em uma ação civil pública, ou que nesse procedimento gerariam inúmeras contestações, sem que uma sentença conseguisse impor obrigações principais e secundárias de vários entes públicos envolvidos em um a política pública. É ainda na esfera do Inquérito Civil Público que poderão ser negociadas mudanças em procedimentos da administração, que não são necessariamente ilegais, mas demonstram ser ineficazes para o alcance de seus objetivos. O Ministério Público funciona, então, como órgão mediador e indutor de mudanças (FRISCHEISEN, 2000, p. 134-135).

Compartilhando o mesmo entendimento, Gavronski (2010) esclarece que o inquérito civil pode contribuir para a efetividade da tutela coletiva de duas formas, a primeira, inibindo, só com a sua instauração, a prática, a reiteração ou a continuidade da conduta ilícita,quando essa é tão flagrante que a sua explicitação pelo Ministério Público é o bastante para que os responsáveis, cientes da atuação ministerial, adotem as medidas necessárias para cessar a prática objeto da investigação; a segunda, permitindo a construção de um consenso com o responsável pela lesão ou ameaça a direitos e interesses coletivos, direcionado à proteção adequada dos mesmos.

Assim, muitas vezes a própria instauração do inquérito civil aborta a possibilidade do conflito transindividual, ensejando a participação da sociedade, organizada ou não, na esfera pública. A par disso, o adequado manejo do inquérito civil evita a propositura de ações temerárias, além de ser palco de alternativas à movimentação do Poder Judiciário, porquanto importantes medidas extrajudiciais de composição do conflito coletivo podem ser adotadas durante sua tramitação (RODRIGUES, G., 2006).

Ao final de seu trâmite, o inquérito civil e os procedimentos preparatórios podem ter dois destinos, o ajuizamento de ação civil pública, quando inviabilizada por algum motivo a composição do conflito, ou o seu arquivamento em razão de se ter alcançado a equalização do conflito, quando o Ministério Público Federal constata qualquer ausência de violação aos direitos e interesses em disputa, ou quando a defesa desses não sejam atribuição do Ministério Público.

Sobre as hipóteses de arquivamento do inquérito civil e do procedimento administrativo preparatório, Cazzeta (2005) explica que:

O arquivamento poderá decorre da perda do objeto da atuação (pela composição do dano ambiental, por exemplo), da formação de juízo de valor quanto à inexistência de ilicitude nos atos investigados ( o que implicaria a decisão de não propor a ação civil pública) ou da falta de atribuição do membro do Ministério Público que o instaurou (hipóteses de atribuição originária de outro órgão do Ministério Público ou da incompetência da instância perante a qual atue, por exemplo, o reconhecimento de competência estadual em inquérito civil público instaurado no âmbito do Ministério Público Federal) ou da inexistência de direito coletivo a ser tutelado (reconhecimento de que a hipótese constituiria direito individual disponível não caracterizado como socialmente relevante) (CAZZETA, 2005, p. 351).

O arquivamento do inquérito civil, então, somente deve ocorrer quando não se vislumbrar a existência de elementos que indiquem a necessidade da adoção de alguma medida judicial ou extrajudicial, quando não existam outras iniciativas a serem adotadas (RODRIGUES, G., 2006). Em outras palavras, quando não mais se mostre necessário que o Ministério Público adote qualquer medida para o enfrentamento do conflito, já estando esse arrefecido, equalizado.