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TEATRO NA ESCOLA DO CANTO: O INÍCIO DA PESQUISA

No documento O TEATRO NA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE (páginas 70-74)

CAPÍTULO 3: ANÁLISE DAS EXPERIÊNCIAS DESENVOLVIDAS NA ESCOLA

3.1 TEATRO NA ESCOLA DO CANTO: O INÍCIO DA PESQUISA

Em 2004, participei de duas experiências teatrais na Escola Desdobrada Municipal João Francisco Garcez, mais conhecida na comunidade como Escola do Canto. A primeira foi uma oficina de teatro associada a um projeto maior que acontecia em várias localidades ligadas à Lagoa da Conceição o Projeto Abraçando a Mãe Conceição. Nessa oficina, que denominamos Projeto Abraçando, eu, aluna do mestrado na disciplina Teatro para o desenvolvimento ministrada pela Prof. Dra. Márcia Pompeo Nogueira da UDESC, e Manoela Galdeano Rangel, aluna da disciplina Estágio IV – Teatro Comunidade do curso de Artes Cênicas da UDESC – também sob orientação de Nogueira, atuamos como coordenadoras das atividades. O Projeto Abraçando foi uma experiência instigante. Foram apenas quatro encontros com a comunidade. Utilizamos basicamente as teorias de Boal e Freire para realização dessa oficina,. O nosso papel como coordenadoras, do processo teatral na Escola do Canto tinha como propósito principal identificar problemas relacionadas à poluição da Lagoa da Conceição. Nesse caso investigaríamos as especificidades do problema da poluição, do ponto de vista das pessoas que vivem no Canto da Lagoa, utilizando o teatro como instrumento para essa reflexão.

No primeiro encontro, havia muito movimento ao nosso redor, as crianças brincavam pela escola esperando as mães que estavam na oficina; um grupo ensaiava capoeira no pátio interno; e numa outra sala de aula estava um outro grupo fazendo estudo do Evangelho. Tudo acontecia ao mesmo tempo. Na oficina as pessoas se mostravam atentas e participativas à proposta de trabalho. O grupo era formado por nove mulheres: sete mães, a diretora da escola,

e uma pessoa da comunidade. Os jogos e as brincadeiras que utilizamos no primeiro encontro tiveram o propósito de iniciar o que Boal (1988a) chama de “conhecimento do corpo”:

Seqüência de exercícios em que se começa a conhecer o próprio corpo, suas limitações e suas possibilidades, suas deformações sociais e suas possibilidades de recuperação. (BOAL, 1988a, p. 143)

Segundo esse autor, quando um orientador se propõe a fazer teatro com não-atores, ou mesmo atores iniciantes, é preciso que comece com algo não estranho aos participantes, e que sejam atividades que mexam com o corpo. Por isso começamos com uma dança circular, que já era conhecida de alguns. A dança circular apresentada ao grupo era uma referência aos elementais da natureza: a terra, o fogo, a água e o ar, às divindades, aos nossos antepassados, a nós e nossos semelhantes. Essa dança aprendemos na universidade com artistas da Lagoa que participam da organização do evento Abraço na Mãe Conceição desde seu início. Em todos os encontro na escola começávamos com essa dança. Em seguida passamos para os exercícios: jogar seu nome, jogar o nome do companheiro. As brincadeiras ou jogos, com os nomes das pessoas, foram importantes para a integração dessas com um grupo. Cada jogo exigia um pouco mais de envolvimento dos participantes. Então, propusemos um jogo de lançar um objeto para o alto e pegar o objeto do companheiro (no caso o objeto jogado foi um pé de sapato)1. O jogo dos sapatos tinha como foco o grupo encontrar um ritmo próprio. Esse foco exigiu empenho e superação das pessoas. Alguns participantes manifestaram o desejo de desistir, quando não conseguiam realizar a atividade, mas o grupo reagia, incentivavam as colegas a tentar novamente. Havia acordos, nós desaceleramos as batidas que davam o ritmo, e aos poucos as pessoas foram percebendo que era preciso concentração. Era preciso estarem atentas ao som das palmas, a força com que jogavam o sapato, a largura das passadas. Observar-se e observar o outro era a chave para atingirem o foco do jogo. Apesar de exigente, o jogo foi uma grande diversão.

Como o objetivo desse primeiro encontro era uma apresentação do projeto, depois desse primeiro momento sentamos em círculo para buscar junto no grupo histórias de cada um com o bairro, e as ligações das pessoas com a lagoa.

Os nossos encontros foram limitados, em decorrência do tempo, mas mesmo assim os jogos foram material constante durante a oficina. Utilizávamos jogos para o aquecimento

1 O grupo fica em pé no círculo, e cada pessoa tem nas mãos um pé de sapato. O orientador dá um comando,

uma batida de palmas, por exemplo, todos ao mesmo tempo tem que jogar seu sapato para cima, andar um passo para direita e pegar o sapato do colega que está caindo. O jogo acaba quando o grupo der uma volta inteira no círculo chegando novamente no seu sapato.

inicial, para envolvermos o grupo nas atividades centrais, e para finalizarmos a oficina. O segundo encontro teve como proposta a celebração da lagoa. A atividade central foi a construção de cenas com momentos inesquecíveis vividos na localidade. No terceiro encontro a proposta eram os riscos que a lagoa sofre. A atividade central desse encontro era fazer a leitura de um problema vivido pelos participantes através de uma atividade adaptada por Boal: o teatro – jornal. Selecionamos para a oficina a modalidade: teatro-jornal com ação paralela.: a notícia é lida por um participante, enquanto que em cena se desenrolam ações que explicam a notícia ou que a critiquem. (BOAL, 1988b, p.45). A atividade desenvolvida na oficina partiu da divisão dos participantes em grupos. Dentro dos grupos cada pessoa pensava e comentava com seus colegas um problema que considerava grave na localidade em relação á poluição da lagoa. O grupo escolhia uma situação e registrava como se fosse uma manchete de jornal. Depois cada grupo fazia a apresentação da notícia. Enquanto uma pessoa lia o restante do grupo encenava a situação. As manchetes apresentadas pelos grupo foram:

- SUIÇA FICA CEGA APÓS MERGULHAR NA LAGOA; - COMO CHEGAR ATÉ A LAGOA?;

- MORADORES DA LAGOA SOFREM ESCORIAÇÕES AO PASSEAREM PELA PRAIA DO MAR DE DENTRO.

Na primeira manchete, o grupo relatou um fato real, que nunca apareceu na mídia escrita ou falada da capital. Uma turista que depois de mergulhar na lagoa tem um problema ocular que foi medicado por vários especialistas no Brasil. Quando retornou à Suíça a senhora descobre que a infecção era grave demais. Já havia afetado sua visão e ela acabou ficando cega de uma vista por causa da poluição da lagoa.

Na segunda manchete, o grupo denuncia que no Canto da Lagoa não é possível ver a própria lagoa. Os acessos foram privatizados. Os moradores constroem casas na beira da lagoa e colocam cães enormes que atacam até pescadores que passam de canoa. Também utilizam o Jet sky de forma abusiva, atrapalhando o passeio de barco das pessoas.

Com a terceira manchete o grupo satiriza uma situação real criando personagens fictícios. É a história do seu Juvenal que ao sair da missa pisou nas fezes de um “dog alemão”. Seu Juvenal caiu, machucou-se, e a sua esposa também.

Depois das apresentações o grupo volta para o grande círculo e juntos, com a ajuda das coordenadoras, tentam identificar as causas desses problemas. A lista de causas fica assim definida: - as pessoas que têm poder financeiro compram terrenos que não poderiam ser vendidos, pois estão nas margens da lagoa; - a máquina administrativa não funciona, pois não faz o que deveria fazer, saneamento básico com qualidade (esgotos tratados), para não

poluir a lagoa; - existe um ciclo vicioso X virtuoso; - a poluição é em grande parte falta de vontade política para resolver as questões prioritárias da localidade. O resultado dessa atividade foi levado para a universidade onde, junto com os demais alunos de mestrado e graduação, fizemos uma análise de todos os resultados das oficinas que aconteceram em outras localidades.

As crianças, que não entravam na sala onde estávamos, sentiam-se atraídas pelas atividades, ouviam os risos e o movimento e resolveram participar ativamente a partir do terceiro encontro, quando foram chamadas para o encerramento da oficina. Durante a oficina as pessoas demonstraram interesse em representar a comunidade no dia do evento Abraço na

Mãe Conceição. O grupo da Escola do Canto se reuniu na UDESC com os demais

participantes para um ensaio geral. No dia do evento, no Centrinho da Lagoa, todos estavam animados com a experiência. Com a estratégia de colocar em cena professores da UDESC, alunos e pessoas da comunidade, adultos e crianças vindos do Canto da Lagoa se sentiram seguros e amparados, ao mesmo tempo que estavam excitados por estarem no centro de um evento que reuniu centenas de pessoas. Com as performances os não-atores puderam contar as suas angústias, e revelaram sua insatisfação com o poder público e as pessoas que dominam a Lagoa.

Depois do impacto da oficina realizada na escola e da apresentação feita na Pracinha da Lagoa da Conceição houve uma solicitação do grupo para que as atividades teatrais na escola continuassem. No segundo semestre de 2004, outras alunas da UDESC: Mariana Andrade Godinho e Mauren Kelli Oltramari, da disciplina Estágio V- Teatro Comunidade, da turma de graduação em Artes Cênicas da UDESC, sob a supervisão da Prof. Dra. Maria Brígida Miranda iniciaram o Projeto Bruxas2. Nesse segundo projeto, estive presente como

observadora das atividades.

Em ambos os processos, a forma como as mães se sentiam pertencendo ao espaço educacional pareceu-me algo inédito. Na relação entre os participantes, pais ou profissionais da escola, o diálogo estava sempre presente. Discutiam-se os problemas e as sugestões de todos eram ouvidas, até que chegassem a uma posição em que todos estivessem de acordo. Os acordo eram pacífico, havia tolerância com a história particular de cada sujeito que estava envolvido com as atividades. As pessoas da comunidade que chegavam na escola eram espontâneas e tinham liberdade para conversar sobre vários assunto com a diretora. Assuntos referentes à escola, fatos ocorridos no bairro, ou mesmo questões particulares. Até mesmo as

2 A idéia inicial era incluir esse projeto nas análises a serem apresentadas nesse capítulo, mas por uma estratégia

pessoas que moravam há pouco tempo no bairro compartilhavam dessa liberdade. No contato com essas experiências percebemos que a comunidade tinha uma história construída junto com a escola. Na conversa com os participantes, descobri que, nessa história, o teatro esteve sempre presente. A recuperação de um pedaço dessa história pareceu-me uma maneira apropriada de responder as indagações sobre o papel do teatro na relação escola-comunidade.

No documento O TEATRO NA RELAÇÃO ESCOLA-COMUNIDADE (páginas 70-74)