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3. O FORMATO LIVRO-REPORTAGEM

3.2 O JORNALISMO LITERÁRIO NO BRASIL

O jornalismo literário brasileiro foi marcado por duas grandes revistas: O Cruzeiro e a Realidade. No entanto, a primeira obra brasileira considerada como jornalismo literário (e também de livro-reportagem) é de muito antes do surgimento do New Journalism. Euclides da Cunha, como correspondente para O Estado de São Paulo, cobriu o conflito de Canudos de maneira a relatar os aspectos sociais, históricos e geográficos da região onde ficava o arraial em uma reportagem que foi publicada em capítulos no jornal e, por fim, editada no livro Os Sertões.

Caracterizado por reportagens aprofundadas que se apropriavam da estrutura narrativa da literatura sem deixar de lado os valores jornalísticos de compromisso com a realidade e a verdade, o jornalismo literário encontrou espaço nas revistas enquanto, na mesma época, os moldes tradicionais do jornalismo (lead e pirâmide invertida) chegavam aos grandes jornais cariocas.

“No fim dos anos 40, a cidade [Rio de Janeiro] registrava cerca de 20 periódicos, a maioria deles fiel seguidora da linha editorial francesa, cuja técnica de escrita se assemelhava à criação literária. O conteúdo era político, quase panfletário. Mas, no pós-Guerra, a fórmula americana,(...) que privilegiava a objetividade em detrimento da opinião, começa a ganhar espaço e, aos poucos, é adotado pela imprensa carioca.”

(Acervo O Globo. Inspirado nos EUA novo jornalismo ganha força nas redações cariocas. Jornal O Globo)33.

Se analisarmos os primeiros jornais e jornalistas brasileiros, é possível perceber que, ao contrário dos Estados Unidos, literatura e jornalismo sempre andaram lado a lado até a chegada desse novo modelo norte-americano.

Para os grandes jornais, esse novo método representava uma otimização na produção e uma maior rapidez no processo de produção de notícias. Porém, em

33Disponível em: http://acervo.oglobo.globo.com/rio-de-historias/inspirado-nos-eua-novo-jornalismo-ganha-forca-nas-redacoes-cariocas-8926588. Acesso em: 19 de junho de 2016.

contrapartida, o estilo literário e a subjetividade perderam espaço e tiveram que migrar para as revistas, onde o intervalo maior de publicação e uma a flexibilidade nas linhas editoriais permitiam que os jornalistas levantassem fatos e dados de maneira mais aprofundada e com voz autoral.

Quanto ao New Journalism propriamente dito, a revista Realidade, fundada em 1965, foi a que mais se aproximou do conceito no Brasil. Ela reuniu um time de jornalistas e fotojornalistas experientes que buscavam abordar temas de cunho social que trouxessem histórias humanas. Assim, a revista conseguia trazer um retrato nacional que burlava a censura do recém-criado regime militar.

A Realidade conseguiu evitar a ditadura até a década de 1970, quando a censura ficou mais forte e as reportagens foram perdendo o brilho original.

Mas o jornalismo literário não acabou com o último número de O Cruzeiro ou da Realidade.. O conceito de livro-reportagem, uma ideia verdadeiramente brasileira, apareceu no final da década de 1970. A editora Alfa-Ômega lançou uma coleção chamada História Imediata, que reunia em formato de revista, mas sem a periodicidade necessária para classificar como tal, uma coleção de histórias que não apareciam nos grandes jornais, muitas vezes por falarem de temas políticos e sociais que seriam cortados pela censura.

Apesar de usarem uma técnica e linguagem muito parecidos com os romances de não-ficção, como os livros de Capote ou Talese, o livro-reportagem tem um tom de crônica que é originalmente nacional.

Edvaldo Pereira Lima (2003) define a reportagem como a ampliação da notícia, dessa forma, o livro-reportagem seria um veículo não-periódico com reportagens em maior amplitude do que as apresentadas em veículos tradicionais e periódicos.

Após a reabertura política, grandes reportagens começaram a aparecer em forma de livro. O jornalista Fernando Morais, por exemplo, é um dos que mais escrevem, de forma independente, livros-reportagem sobre grandes personagens nacionais, como Olga Prestes e Assis Chateubriand.

Luiz Paulo Maia (2008) afirma que, por mais que o livro-reportagem supra as lacunas de profundidade e contextualização deixadas pelo jornalismo diário, seu sucesso depende muito do talento do autor, da abrangência do tema, das condições de produção e outros fatores.

Assim, “O livro-reportagem é, por todos esses motivos, uma obra de autor, mesmo quando surgido após sua publicação, fragmentada ou não, em jornais e revistas” (MAIA, 2008, pág. 446). Dessa maneira, um jornalista não precisaria estar vinculado a um jornal ou revista para produzir o livro-reportagem, o que denota outra característica desse tipo de material: o livro-reportagem normalmente surge por causa de um interesse pessoal do jornalista que o produz.

Mesmo com todas as vantagens que o livro-reportagem e o jornalismo literário trazem para a produção de notícias e para o leitor, Lima (2003) acredita que esse tipo de jornalismo sofreu uma perda no espaço que detinha na grande imprensa não só no Brasil, mas em todo mundo. Para ele, cabe à universidade a responsabilidade por manter aceso o interesse das novas gerações pelo jornalismo literário.

“No Brasil, o jornalismo literário, quase que totalmente esquecido nas redações mantém-se vivo no espaço acadêmico, gerando gradativamente um contato inspirador das novas gerações com essa empolgante escola de reportar em profundidade o mundo contemporâneo”.

(LIMA, Edvaldo Pereira. New Journalism. Secretaria Especial da Comunicação do Estado do Rio de Janeiro. P. 91)

A universidade, além de ensinar a importância de um material jornalístico com conteúdo aprofundado como o livro-reportagem, propicia ao aluno o espaço necessário para a experimentação e o desenvolvimento de novos formatos que mesclem o jornalismo e a literatura em busca de trazer a informação de forma mais atrativa para o grande público.

Através de projetos como este TCC, busca-se fazer uso do jornalismo literário e do livro-reportagem para dar visibilidade a histórias que não têm espaço na grande imprensa, pois não se encaixam na técnica de notícias breves e com um número limitado de caracteres. Com o surgimento do jornalismo digital, produzido em sites de notícias e portais na Internet, nas duas últimas décadas, o interesse do leitor em meios impressos tradicionais é cada vez mais superficial.

O livro-reportagem é uma maneira de manter vivo o interesse do leitor por assuntos sociais que precisam ser discutidos, uma maneira de convencê-lo a dedicar algumas horas de seu dia, todos os dias, à leitura e ao aprofundamento de seus conhecimentos em situações do dia-a-dia que, por algum motivo, não fazem parte da sua realidade imediata, mas afetam a sociedade como um todo.