• Nenhum resultado encontrado

3. O FORMATO LIVRO-REPORTAGEM

3.1 O NEW JOURNALISM

O livro-reportagem não existiria sem o New Journalism. O movimento começou na década de 1960 nos Estados Unidos com Tom Wolfe, Gay Talese e Truman Capote (esses são os nomes mais lembrados quando se fala desse gênero jornalístico, o que não significa que outros, com John Hersey, não tenham produzido obras que se encaixem nas características do New Journalism).

Wolfe (1973) relata em sua obra “New Journalism” a ascensão dos jornalistas dentro do meio literário norte-americano. Antes do New Journalism, os jornais eram usados como alavanca para aspirantes à romancistas. As reportagens em profundidade eram chamadas de feature story por não se encaixarem em nenhuma categoria convencional do jornalismo e nem da literatura.

"The "feature" was the newspaper term for a story that fell outside the category of hard news. It included everything from "brights", chuckly little items, often from the police beat..." (WOLFE, 1973, pág. 5).

Os jornalistas que escreviam esse tipo de reportagens, de acordo com Wolfe, eram os mais esforçados para garantir suas matérias, porém não eram valorizados por seus editores e nem pelos leitores, a não ser que suas reportagens apresentassem alguma peculiaridade, algo que as destacasse das demais.

Wolfe (1973) afirma que, muitas vezes, esses jornalistas chegavam a arriscar suas vidas para conseguir uma boa história.

Ele menciona o caso do jornalista Michael Mok, que arriscou a vida para fazer uma reportagem em profundidade sobre uma nova ideia para perder peso que um homem gordo de Nova Iorque tivera. Mok teve que nadar nas águas a cerca de 5oC do Estuário de Long Island atrás de sua fonte.

“If, instead, he had drowned, if he had ended up down with the oysters in the hepatitic muck of the Sound, nobody would have put up a plaque for him.

Editors save their tears for war correspondents. As for feature writers – the less said, the better29”. (WOLFE, Tom. New Journalism. 1973, pág. 6).

Com essa passagem fica claro que os jornalistas não tinham grande reconhecimento na época nem mesmo por seus superiores dentro do jornal onde trabalhavam. O grande fenômeno da literatura nos Estados Unidos antes da década de 1960 eram os romances e novelas. O jornalismo era a maneira encontrada pelos aspirantes a escritores para juntar algum dinheiro antes de se isolarem em um chalé e escreverem sua obra-prima (Wolfe, 1973, pág. 5).

Os grandes novelistas se reuniam em clubes literários onde não havia espaço para os jornalistas, a não ser que eles estivessem saindo da mídia de massa e se encaminhando para uma carreira como romancistas.

"The Novel seemed like one of the last of those superstrokes, like finding gold or striking oil, through which and American could, overnight, in a flash, utterly transform his destiny30". (WOLFE, 1973, pág. 8).

29 “Se, ao invés, ele tivesse se afogado, se ele tivesse acabado no fundo junto com as ostras no lodo

hepático do Sound, ninguém teria erguido uma placa para ele. Os editores guardam suas lágrimas para correspondentes de guerra. Para os feature writers – quanto menos se disser, melhor”.

(Tradução da autora).

30 “O Romance parecia ser o último dos grandes achados, como encontrar ouro ou petróleo, através do qual um americano poderia, do dia para a noite, em um flash, transformar totalmente o seu destino”. (Tradução da autora).

Para Wolfe (1973), foi essa combinação da supervalorização do Romance, com a busca do jornalista pela atenção do leitor e o reconhecimento dentro do jornal, que levou ao nascimento do New Journalism. Mas nem mesmo os pioneiros no jornalismo literário imaginavam que seu trabalho poderia ser considerado literatura.

“They never guesses for a minute that the work they would do over the next ten years, as journalists, would wipe out the novel as literature’s main event.31” (Wolfe, 1973, pág. 9).

Porém, os anos 1960 chegaram e grandes reportagens de tom literário passaram a ocupar edições inteiras de veículos impressos. A primeira a fazê-lo foi Hiroshima, de John Hersey. Hersey foi precursor do New Journalism mesmo sem saber disso. Hiroshima foi a primeira reportagem a ocupar uma edição inteira da revista The New Yorker e a edição rapidamente se esgotou nas bancas.

Foi uma descoberta modesta, a princípio, que o público se interessava por histórias jornalísticas escritas daquela maneira. Wolfe atribui esse fato a um desejo escondido dentro de todo o americano, a vontade de largar o emprego, escrever um romance e ficar rico.

Após Hersey, Truman Capote, jornalista que já havia passado pelo cenário literário e que agora fazia o caminho reverso dos aspirantes a novelistas, publicou um perfil do ator Marlon Brando na The New Yorker e, em seguida, o último capítulo de A Sangue Frio, uma de suas obras de maior repercussão, também nessa revista.

Assim como Hiroshima, A Sangue Frio também se utiliza de elementos da literatura (como o diálogo realista, o ponto de vista da terceira pessoa e a descrição significativa) em um relato de não-ficção.

Capote, a princípio, negou que seu trabalho seria jornalismo, classificando-o como um novo gênero literário, a literatura de não-ficção. Essa categoria é, até hoje, aceita por uns e refutada por outros.

Um dos que acreditam que Capote estava apenas buscando se distanciar do jornalismo para não cair no desmerecimento da profissão na época é o próprio Tom Wolfe. Antes de jornalista, ele é também doutor em literatura norte-americana e considerado o responsável por formalizar o New Journalism como movimento literário, organizando suas origens e as características de seus textos no livro de mesmo nome.

31 “Eles nunca adivinharam por um minuto que o trabalho que eles fariam nos próximos dez anos, como jornalistas, iria varrer o romance como o principal evento da literatura.” (Tradução da autora).

As reportagens do New Journalism, de acordo com Lima (1993), colaboraram para aumentar o prestígio da atividade jornalística. O jornalismo não podia mais ser considerado um “gênero” inferior, pois

“O new journalism levou ao ápice a observação participante no livro-reportagem porque seu processo de captação, de acordo com Tom Wolfe, atingiu um nível até então só presenciado na melhor literatura de ficção”.

(LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas. Ed. Unicamp. P. 97)

O New Journalism foi marcado pelas longas reportagens em profundidade, com personagens humanizados e uma linguagem muito parecida com aquela utilizada na literatura, atraindo os leitores tanto pela qualidade com o material quanto pela empatia que ele gera.

Segundo Wolfe,

"With a little reworking the whole article could have read like a short story.

(...) The piece could have been turned into a non-fiction short story with very little effort. The really unique thing about it, however, was the reporting.32"

(WOLFE, 1973, pág. 11)

Isso acontecia de tal maneira que os primeiros críticos dessa nova forma de escrita afirmavam que ela comprometia a credibilidade da notícia. Ninguém estava acostumado com o fato de a reportagem pudesse ter estética própria.

Com a recepção positiva do New Journalism pelo público, descobriu-se que era possível usar, no jornalismo e na não-ficção, técnicas literárias como uma maneira de deixar o leitor empolgado com o texto.

Maia (2008, pág. 443) afirma que o New Journalism “procurou afastar o jornalismo das técnicas tradicionais de cobertura, que se mostravam presas a fórmulas de escrita como a técnica do lead e da pirâmide invertida”.

Além disso, as reportagens buscavam permitir ao leitor conversar com os personagens através da figura do narrador. Segundo Wolfe, isso não quer dizer que os textos de New Journalism devem sempre ser narrados em primeira pessoa, muito pelo contrário.

O bom narrador de não-ficção não precisa, literalmente, aparecer na história, porém deve fazê-lo através de sua voz narrativa. O New Journalism permite textos com mais personalidade de autor, assim como os romances, mas não são crônicas.

32 “Com um pouco de revisão o artigo todo poderia ser lido como um conto. (...) O texto poderia se tornar um conto de não-ficção com pouquíssimo esforço. A coisa verdadeiramente única sobre ele, no entanto, era a reportagem.” (Tradução da autora).

No Brasil, a primeira publicação a trazer reportagens com o caráter literário foi a revista O Cruzeiro, que teve seu auge na década de 1940, ou seja, 20 anos antes do New Journalism ser "inventado" nos Estados Unidos.

Apesar de à partir da década de 1960, reportagens com todos os elementos do New Journalism começarem a aparecer nas redações, podemos afirmar que o jornalismo literário no Brasil se desenvolveu independentemente dessa contraparte americana.